Dentre
outras atividades, caberá ao grupo fazer um levantamento de todos os autos de
resistência dos últimos quatro anos e identificar os responsáveis pelos
encaminhamentos dados a estes, principalmente em casos de arquivamento. Essa
foi uma solicitação feita pelo deputado Paulo Ramos (PDT) no início da sessão. “É
preciso levantar todos os casos para demonstrar que existe um sistema no Rio de
Janeiro que caracteriza os mais pobres como inimigos públicos que precisam ser
executados. E não adianta desenterrar casos isolados, porque sabemos que é uma
prática apoiada institucionalmente”, disse.
Os
autos de resistência são declarados por policiais militares e civis para
justificar homicídios ocorridos em alguma ação policial. Para o deputado Paulo
Ramos, o grande número de autos se deve a um modelo de segurança que estimula o
policial a matar. O deputado Marcelo Freixo disse que a “grande preocupação é
quando o mecanismo legal de auto de resistência se transforma em instrumento
para legitimar atos de extermínio”. O deputado afirmou ainda que a ação letal
da polícia tem endereço certo no Rio de Janeiro.
‘Policiais devem ser
julgados sem diferenciação’, diz representante do MP
O
representante do Ministério Público, Alexandre Temístocles, disse que não são
raros os casos de vítimas adolescentes e sem antecedentes criminais. Muitas
vezes depende do trabalho da perícia técnica para contradizer o depoimento dos
policiais, “já que muitos familiares e amigos de vítimas se sentem intimidados
a dar depoimentos”, observa. Ele assumiu que, infelizmente, muitos casos são
arquivados porque muitas vezes a versão dos policiais é a que prevalece. Para
ele, “o MP deve privilegiar uma investigação séria. Quando houver prova de
atividades de extermínio, vai denunciar e submeter depois à apreciação do
judiciário”.
Leonardo
Chaves, subprocurador geral de Justiça de Direitos Humanos, disse não admitir serem
necessárias acusações testemunhais para denunciar policiais, pois, como havia
dito Temístocles, muitas vezes as testemunhas são intimidadas. É fundamental
pedir que o Instituto Médico Legal e os peritos criminais ajam o quanto antes. Ele
citou, por exemplo, uma senhora do Morro do Alemão que disse que queria sim as
obras do PAC, mas sem os abusos policiais na favela e sem o derramamento de
sangue dos moradores, como chegou a acontecer.
O
chefe da Polícia Civil do Rio, Alan Turnowski, defendeu o trabalho dos
policiais e fez questão de sublinhar as dificuldades por que passam ao “combater
a criminalidade”. Ele fez uma avaliação positiva do Governo do Estado, e disse
estar havendo “pacificação” nessas áreas. Ressaltou o investimento em um novo
IML do Rio, que será avançado para melhorar as investigações e tornar
transparente o trabalho da polícia.
Política de extermínio da polícia
do Rio é reconhecida por participantes
Esteve
presente na audiência a diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESEC), Julita Lemgruber. Ela discordou
de Turnowski, e disse que, ao invés de pacificar, o que existe é uma política
do Governo do Estado de estímulo à violência. “Quando as vítimas são de classe
média, há consternação pública. Mas quando a vítima é negra, moradora de
favela, há um silenciamento por parte do governador”. Ela lembrou o caso da
menina Yasmin, de 3 anos, morta na Vila Aliança, em abril deste ano. Julita anunciou
também a publicação do livro Auto de Resistência:
relatos de familiares de vítimas da violência armada. Foi feito para
divulgar os depoimentos de familiares de vítimas de chacinas cometidas por
policiais e apoiar sua luta por justiça. “Alguns policiais assassinos já foram
absolvidos, muitos julgamentos foram adiados, mas essas pessoas não perdem a
esperança”, afirmou.
Patrícia
Magno, da Defensoria Pública do Estado do Rio, sugeriu o fim da prática
procedimental de autos de resistência. Ela defendeu que todos os processos
sejam julgados como atos de homicídio. Patrícia citou o relatório de Philip
Alston, do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que esteve no Brasil
em 2007. Uma de suas conclusões foi de que existe uma “cultura da impunidade”
em relação à alta taxa de homicídios cometidos por policiais. (leia entrevista com ele em nossa página).
O
representante da Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública, Luiz Sérgio
Wigderowitz, disse que cabe ao órgão estabelecer a comunicação entre a
população e as autoridades que trabalham na área de segurança. Ele disse que
não há procedimentos específicos em relação a autos de resistência. Freixo
sugeriu uma outra Audiência Pública para tratar especificamente da ouvidoria, e
disse ser necessário tratar melhor sim dos autos de resistência, pois o maior
número de reclamações na Alerj é em relação ao trabalho de extermínio da
polícia. “Os números de autos de resistência são elevadíssimos, chegando a mais
de três por dia no Rio. Isso é inaceitável”. Outra urgência é repensar o programa
de proteção às testemunhas no Estado, um problema comprometedor que favorece a
permanência da impunidade.