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Entrevistas
Philip Alston, relator da ONU, fala sobre "cultura da impunidade" em relação a mortes cometidas por policiais no Brasil

O relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston, fala sobre as conclusões de visita de 10 dias ao Brasil em novembro de 2007. Alston também comenta a situação da segurança no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Recife. Veremos como pouca coisa mudou de lá pra cá.

Acompanhe entrevista de Philip Alston à Mônica Villela Grayley, da Rádio ONU em Nova York.

Rádio ONU: Quais são as principais conclusões do seu relatório?
Philip Alston: Ele se concentra no fato de haver assassinatos no Brasil, também enfatiza o fato de que o país tem uma das maiores taxas de homicídio do mundo. Eu analisei o caso do Rio de Janeiro, que tem uma alta taxa de mortes. E neste caso, quase 20% das mortes são praticadas por policiais em serviço, mas o relatório também observou que existem muitos assassinatos cometidos por policiais de folga. Quando você soma estes dois números, irá constatar que existe uma alta taxa de homicídios cometidos pela polícia. E isso nos leva a concluir que existe uma cultura de impunidade. Quando o policial está em serviço ele pode matar e esta morte é simplesmente classificada e justificada como "resistência", como eles chamam. E quando ele está de folga, ele pode usar seu uniforme e suas armas para participar de milícias e outras gangues que também estão envolvidas com criminalidade, drogas, extorsão e também assassinatos.

O sr. também conversou com autoridades no país, em níveis estadual e federal. Qual foi a resposta das autoridades ao ouvir suas preocupações?
PA: Para mim, o que mais me impressionou foram as diferenças entre o governador de Pernambuco, que se reuniu comigo e admitiu muitos dos problemas de forma franca e direta. Ele também me falou sobre as medidas que estava tomando para mudar a situação. Por outro lado, no Rio de Janeiro, o governador do estado indicou que não tinha tempo para se reunir comigo, e os funcionários encarregados da Segurança não aparentavam muita preocupação com a taxa de assassinatos por policiais e a falha em aplicar a lei em relação a estas mortes. Em nível federal, no entanto, eu tive uma outra impressão. Eu percebi que alguns estados estão tentando mudar a situação, mas outros estão simplesmente ignorando a situação e não cooperando realmente. Eu tive a impressão de que o Governo Federal está bastante preocupado com isso. Eles receberam meu relatório com bastante apreço, eles falaram bem sobre o documento no Conselho de Direitos Humanos. E fizeram também comentários que foram muito construtivos.

Ciclo Terrível

RO: Professor Alston, o sr. também mencionou que parte da população estaria apoiando estes assassinatos. Como o sr. fundamenta esta afirmação tendo em vista as discussões que o sr. manteve no Brasil?
PA: Bom, parte disso veio de minhas conversações com representantes da sociedade civil. Eu li bastante quando estava no Brasil, e eu também tenho um bom pulso para o que sai na mídia brasileira. E claramente há muitas pessoas que estão desiludidas com o Estado e acreditam que a única maneira de controlar os altos índices de criminalidade e o tráfico de drogas é através das medidas violentas. Eles acham que nada deu certo até agora e se sentem vítimas de um ciclo terrível de violência. E isso é verdade em muitas áreas. E eles estão desesperados. Num lugar como o Rio, por exemplo, eles não têm um governo tentando desenvolver um plano compreensivo para combater a violência em vez de concentrar seus esforços na reforma econômica, onde eles parecem estar se desempenhando bastante bem. Mas o governo ali está concentrando seus esforços em mega operações (contra violência) que são essencialmente planejadas para apelar para mídia. Passa-se uma imagem de que o governo está sendo duro, mas na realidade não se atinge nada.


RO: No caso específico do Rio. O sr. afirmaria que a violência é o maior problema do estado?
PA: Sim. Eu penso que sim.

RO: No seu relatório, o sr. destacou um ponto sobre as operações políticas em favelas, no caso específico do Complexo do Alemão. O sr. classificou a operação de "fracasso". O sr. teria alguma recomendação de como a polícia poderia resolver este problema? Aparentemente o que ocorreu lá, na sua opinião, não funcionou.
PA:
Bom, a situação nestas favelas é bastante complexa. Basicamente, as gangues, as milícias e os grupos ligados ao tráfico de drogas tomaram o controle. O Estado precisa reafirmar sua autoridade. O primeiro caminho para isso é tentar obter a confiança da população. As populações nestas favelas não têm muita simpatia pelos traficantes e pelas milícias que tentam aterrorizá-los. Mas o Estado não tem serviços sociais eficientes para os residentes e tampouco uma força policial que aja de maneira construtiva e eficiente. O que os moradores vêem é uma invasão de forças policiais que entram e saem, por um período pequeno de tempo, matam muitas pessoas e depois desaparecem. Não existe um impacto sobre as milícias ou sobre os traficantes.

RO: Vamos deixar o Rio e partir para São Paulo. O sr. mencionou as rebeliões em São Paulo, o levante do PCC em 2006. Quais são as recomendações que o sr. poderia fazer para consertar o sistema carcerário? O sr. mencionou a superlotação, a presença de celulares etc...
PA:
Em primeiro lugar, eu tenho que dizer rapidamente que São Paulo é um caso clássico no qual o governo lançou mão de uma abordagem mais complexa para fazer valer a lei e o número de assassinatos pela polícia caiu. É um exemplo muito bom do tipo de estratégia que pode ser usada. Mas o problema da violência na prisão continua a ser um grande tema. Uma das minhas recomendações é que o Estado reafirme sua autoridade. No momento, existem muitas prisões nas quais o controle passou do Estado para os líderes de gangues. A curto prazo é difícil mudar isso, mas a longo prazo é preciso abandonar esta situação. O Estado não pode controlar o fluxo de celulares, armas em prisões ou violência dentro das cadeias. É preciso também colocar mais recursos no sistema carcerário. Num momento em que a pobreza ainda continua, alguém pode se perguntar o porquê de investir mais em prisões. "Eles são apenas criminosos", alguém pode dizer. Mas a longo prazo, para se obter o cumprimento da lei de forma mais eficiente, do lado de fora, é preciso investir dentro das cadeias. o dinheiro investido em prisões é um dinheiro muito bem gasto.

Tolerância Zero

RO: Uma outra recomendação do sr. é a "tolerância zero" por parte do Estado para o uso excessivo da força e de execuções pela polícia. Vários políticos no país já sugeriram esta proposta incluindo candidatos a governador em diferentes estados no passado. Por que o sr. acha que não tem funcionado no Brasil até o momento?
PA: Eu acredito que existe uma cultura de impunidade na polícia que se baseia na tradição, porque esta não é a lei no país, de permitir que alguém seja morto pela polícia por questão de resistência. Isso significa que a polícia pode atirar em alguém sem ser investigada. E isso é justificado como uma "morte legítima" pela polícia. Isso tem que mudar. É uma cultura de impunidade. Já começamos a ver alguns julgamentos de policiais por causa deste tipo de crime, e creio que mais ações mudariam esta percepção de que as mortes podem ficar impunes.


Banco de Dados

RO: O sr. também sugeriu um banco de dados pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos para cadastrar crimes cometidos pelas polícias de todos os estados. Mas como é possível que esta idéia funcione na prática se houver uma falha no fim do processo, que seria a punição dos responsáveis?
PA: Bom, estes tipos de banco de dados não são gerados somente pela polícia, mas podem ser gerados por autoridades federais. Eu acho que um dos grande problemas no Brasil é que os estados têm responsabilidade como por exemplo o policiamento, mas as autoridades federais também têm um papel a cumprir. Elas precisam destacar os esforços de alguns estados que estão fazendo algo, alcançando progressos, mas outros estão fazendo muito pouco. Acho que o governo federal, pelo menos, reconheceu a extensão do problema e dá indicações fortes de que eles querem progredir neste sentido. O governo federal tem dados sinais animadores, mas em nível estadual o quadro é mais variado.

Melhores Salários

RO: O sr. também sugeriu melhores salários para policiais e a proibição absoluta de emprego com empresas de segurança privada em dias de folga. O que já é proibido no país. O sr. acredita que aumentando os salários, os policiais, que têm um segundo emprego, abandonarão estes postos?
PA:
Precisamos de outras mudanças além desta. Eu vi em Pernambuco um sistema que estava sendo introduzido no qual os salários são mais altos. Ali eles também estavam eliminando o sistema de carga horária que deixa o policial com dois ou três dias de folga, no qual o policial poderá trabalhar para outro empregador. É preciso também melhorar o monitoramento deste tipo de trabalhos em empresa privada. Não será possível mudar isso, de forma dramática, a curto prazo, mas não podemos ter policiais atuando como seguranças privadas usando o uniforme e as armas do Estado. E o mais importante: ter um policial como membro ativo de milícias ou outras gangues é totalmente inaceitável. Mas no momento isso não está sendo monitorado ou evitado.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge