Cidades
Investimentos Olímpicos e Transporte Público: em jogo o futuro do Rio de Janeiro
Publicado em 06.01.12 - Por Marcelo Baumann Burgos*
A transformação da Cidade do Rio de Janeiro em palco de grandes eventos internacionais deverá produzir repercussões profundas na estrutura socioespacial de sua região metropolitana. Tudo indica que o legado será o aprofundamento das desigualdades em sua geografia de oportunidades.
Tal prognóstico se baseia na constatação de que parcela importante dos investimentos públicos visando preparar o Rio para os eventos internacionais será dedicada a obras viárias e a intervenções no transporte público, e os efeitos desse ciclo de investimentos sobre a planta da metrópole deverão ser recessivos, tornando mais excludentes os fluxos de deslocamento de sua população, e mais concentrado seu mercado imobiliário e de serviços.
Quando se analisa as escolhas feitas pelos governos do estado e do município sobre quanto e onde investir o enorme aporte de recursos públicos – parte relevante dele oriundo do FGTS - que a metrópole irá receber nos próximos anos, não é difícil perceber sua conveniência aos interesses privados. Especialmente a alguns setores, como os de turismo, imobiliário e de transportes, em detrimento dos interesses públicos da grande maioria da população metropolitana.
Como se sabe, os projetos adotados acentuarão a tendência de concentração de recursos em torno da Barra da Tijuca, mas os efeitos perversos desse barrocentrismo se tornam ainda mais preocupantes quando se considera os seguintes aspectos:
1 – A nova infraestrutura urbana a ser criada aposta fortemente no automóvel e no ônibus – modalidades de transporte excludentes (e poluentes) por excelência. Nas novas vias ora em construção em torno da Barra da Tijuca - a saber, Transoeste (Barra da Tijuca - Santa Cruz), Transcarioca (Barra da Tijuca -Aeroporto Internacional), e Transolímpica (Barra da Tijuca - Deodoro) -, imperarão, além dos automóveis, os ônibus, que o governo tem preferido chamar de BRTs (Bus Rapid Transit);
2 – A adoção de um projeto de metrô ligando a Zona Sul à Barra da Tijuca (Linha 4) que, sob a justificativa da urgência da obra será, na verdade, uma continuação da Linha 1, com baixa capacidade operacional, riscos iminentes para seus usuários, e enorme possibilidade de comprometer ainda mais o já precário funcionamento da Linha 1.
3 – O quase completo esquecimento, apesar de sua evidente importância para a grande massa de trabalhadores da metrópole, dos trens suburbanos e das barcas que conectam o centro do Rio a outros bairros e cidades às margens da Baía de Guanabara.
4 – O completo esquecimento da Linha 3, que ligaria o centro do Rio à São Gonçalo, através de um túnel sob a Baía de Guanabara de não mais que 5 km, e que traria enorme benefício para milhões de moradores da região metropolitana.
O caráter excludente dessas escolhas governamentais está diretamente relacionado à aceitação de que a suposta urgência dos investimentos públicos justifica a elevada discricionariedade de que se tem valido os executivos estadual e municipal. Nesse vácuo de controle político sobre a administração pública os processos decisórios perdem em transparência, na mesma medida em que vão se tornando crescentemente porosos aos interesses privados. No caso das decisões relacionadas ao transporte público, esse quadro tem sido ainda mais agravado pela ineficácia da fiscalização exercida pela agência regulatória responsável pelo setor. Este ambiente administrativo evoca os “anéis burocráticos”, nome dado pela literatura sociológica ao tipo de arranjo vigente no regime militar, de articulação direta e seletiva entre a administração pública e certos segmentos do empresariado.
A reprodução desse ambiente administrativo se alimenta da alarmante compressão do espaço público para o debate sobre esses processos decisórios. E para isso tem concorrido: a fraca atuação dos legislativos estadual e municipal, amplamente submetidos ao decisionismo da coalização partidária que confere sustentabilidade política aos respectivos executivos; a tímida atenção das universidades à questão; e, sobretudo, o silêncio, que parece calculado, da grande imprensa do Rio de Janeiro a respeito do tema.
Apesar dessa baixa efetividade dos dispositivos de controle público sobre o decisionismo tecnocrático, o mal estar da população com as escolhas feitas pelos governos estadual e municipal não tem deixado de produzir reações da sociedade civil. Testemunho disso é a mobilização que as associações de moradores de todas as regiões do Rio de Janeiro têm protagonizado, seja com o movimento “O Metrô que o Rio precisa”, seja interpelando, através da criação de fóruns de debate e de manifestos, decisões e procedimentos relacionados às obras viárias e ao transporte público.
Tais iniciativas, que já tem contado com o apoio do Ministério Público, do Clube de Engenharia, e da Federação de Associações de Moradores (FAM-Rio), devem ser encaradas como sirenes, que advertem para os riscos reais que o desperdício da oportunidade aberta pelos eventos internacionais pode representar para o futuro do Rio de Janeiro. Mas, para fazer com que esse alerta alcance uma ressonância compatível com a magnitude do que está em jogo, será necessário criar novas esferas públicas de debate, com força suficiente para romper o silêncio imposto pela coalizão ora vigente entre governo, maioria legislativa e grande imprensa. Tal tarefa passa a ser obrigação inelutável de indivíduos, grupos, associações e instituições da sociedade civil, bem como de partidos políticos, enfim, de todos aqueles comprometidos com o sonho de uma metrópole mais democrática e inclusiva.
*Marcelo Burgos é Professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.
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