Entrevistas
Umberto Eco: O excesso de informação provoca amnésia
O escritor italiano diz que a
internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio porque ela não
filtra o conhecimento e congestiona a memória do usuário
Publicado em 02.11.12 – Por Luís Antônio Giron, da Revista Época
O escritor e semiólogo Umberto Eco vive com sua mulher em um apartamento
duplo no segundo e terceiro andar de um prédio antigo, de frente para o
palácio Sforzesco, o mais vistoso ponto turístico de Milão. É como se
Alice Munro morasse defronte à Canadian Tower em Toronto, Hakuri
Murakami instalasse sua casa no sopé do monte Fuji, ou então Paulo
Coelho mantivesse uma mansão na Urca, à sombra do Pão de Açúcar. "Acordo
todo dia com a Renascença", diz Eco, referindo-se à enorme fortificação
do século XV. O castelo deve também abrir os portões pela manhã com uma
sensação parecida, pois diante dele vive o intelectual e o romancista
mais famoso da Itália.
Um dos andares da residência de Eco é dedicado ao escritório e à
biblioteca. São quatro salas repletas de livros, divididas por temas e
por autores em ordem alfabética. A sala em que trabalha abriga aquilo
que ele chama de "ala das ciências banidas", como ocultismo, sociedades
secretas, mesmerismo, esoterismo, magia e bruxaria. Ali, em um cômodo
pequeno, estão as fontes principais dos romances de sucesso de Eco: O
nome da rosa (1980), O pêndulo de Foucault (1988), A ilha do dia
anterior (1994), Baudolino (2000), A misteriosa chama da rainha Loana
(2004) e O cemitério de Praga. Publicado em 2010 e lançado com sucesso
no Brasil em 2011, o livro provocou polêmica por tratar de forma
humorística de um assunto sério: o surgimento do antissemitismo na
Europa. Por motivos diversos, protestaram a igreja católica e o rabino
de Roma: aquela porque Eco satirizava os jesuítas ("são maçons de saia",
diz o personagem principal, o odioso tabelião Simone Simonini), este
porque as teorias conspiratórias forjadas no século XIX - como o
Protocolo dos sábios do Sião - poderiam gerar uma onda de ódio aos
judeus. Desde o início da carreira, em 1962, como autor do ensaio
estético Obra aberta, Eco gosta de provocar esse tipo de reação. Mesmo
aos 80 anos, que completa em 5 de janeiro, parece não perder o gosto
pelo barulho. De muito bom humor, ele conversou com Época durante duas
horas sobre a idade, o gênero que inventou - o suspense erudito -, a
decadência europeia e seu assunto mais constante nos últimos anos: a
morte do livro. É de pasmar, mas o maior inimigo da leitura pelo
computador está revendo suas posições - e até gostando de ler livros...
pelo iPad que comprou durante sua última turnê americana.
Como o senhor se sente, completando 80 anos?
Umberto Eco - Bem mais velho!
(Risos.) Vamos nos tornando importantes com a idade, mas não me sinto
importante nem velho. Não posso reclamar de rotina. Minha vida é
agitada. Ainda mantenho uma cátedra no Departamento de Semiótica e
Comunicação da Universidade de Bolonha e continuo orientando doutorandos
e pós-doutorandos. Dou muita palestra pelo mundo afora. E tenho feito
turnês de lançamento de O cemitério de Praga. Acabo de voltar de uma
megaexcursão pelos Estados Unidos. Ela quase me custou o braço. Estou
com tendinite de tanto dar autógrafos em livros.
O senhor tem sido um dos mais ferrenhos defensores do livro em papel.
Sua tese é de que o livro não vai acabar. Mesmo assim, estamos
assistindo à popularização dos leitores digitais e tablets. O livro em
papel ainda tem sentido?
Sou colecionador de livros. Defendi a sobrevivência do livro ao lado de
Jean-Claude Carrière no volume Não contem com o fim do livro. Fizemos
isso por motivos estéticos e gnoseológicos (relativo ao conhecimento). O
livro ainda é o meio ideal para aprender. Não precisa de eletricidade, e
você pode riscar à vontade. Achávamos impossível ler textos no monitor
do computador. Mas isso faz dois anos. Em minha viagem pelos Estados
Unidos, precisava carregar 20 livros comigo, e meu braço não me ajudava.
Por isso, resolvi comprar um iPad. Foi útil na questão do transporte
dos volumes. Comecei a ler no aparelho e não achei tão mau. Aliás, achei
ótimo. E passei a ler no iPad, você acredita? Pois é. Mesmo assim, acho
que os tablets e e-books servem como auxiliares de leitura. São mais
para entretenimento que para estudo. Gosto de riscar, anotar e
interferir nas páginas de um livro. Isso ainda não é possível fazer num
tablet.
Apesar dessas melhorias, o senhor ainda vê a internet como um perigo para o saber?
A internet não seleciona a informação. Há de tudo por lá. A
Wikipédia presta um desserviço ao internauta. Outro dia publicaram
fofocas a meu respeito, e tive de intervir e corrigir os erros e
absurdos. A internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá
sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a
falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia.
Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos,
ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar. Vamos
tomar como exemplo o ditador e líder romano Júlio César e como os
historiadores antigos trataram dele. Todos dizem que foi importante
porque alterou a história. Os cronistas romanos só citam sua mulher,
Calpúrnia, porque esteve ao lado de César. Nada se sabe sobre a viuvez
de Calpúrnia. Se costurou, dedicou-se à educação ou seja lá o que for.
Hoje, na internet, Júlio César e Calpúrnia têm a mesma importância. Ora,
isso não é conhecimento.
Mas o conhecimento está se tornando cada vez mais acessível via
computadores e internet. O senhor não acha que o acesso a bancos de
dados de universidades e instituições confiáveis estão alterando nossa
noção de cultura?
Sim, é verdade. Se você sabe quais os sites e bancos de dados são
confiáveis, você tem acesso ao conhecimento. Mas veja bem: você e eu
somos ricos de conhecimento. Podemos aproveitar melhor a internet do que
aquele pobre senhor que está comprando salame na feira aí em frente.
Nesse sentido, a televisão era útil para o ignorante, porque selecionava
a informação de que ele poderia precisar, ainda que informação idiota. A
internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele.
Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento. A
longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de
ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos,
bate-papos e busca de notícias irrelevantes.
Há uma solução para o problema do excesso de informação?
Seria preciso criar uma teoria da filtragem. Uma disciplina
prática, baseada na experimentação cotidiana com a internet. Fica aí uma
sugestão para as universidades: elaborar uma teoria e uma ferramenta de
filtragem que funcionem para o bem do conhecimento. Conhecer é filtrar.
O senhor já está pensando em um novo romance depois de O cemitério de Praga?
Vamos com calma. Mal publiquei um e você já quer outro. Estou
sem tempo para ficção no momento. Na verdade, vou me ocupar agora de
minha autobiografia intelectual. Fui convidado por uma instituição
americana, Library of Living Philosophers, para elaborar meu percurso
filosófico. Fiquei contente com o convite, porque passo a fazer parte de
um projeto que inclui John Dewey, Jean-Paul Sartre e Richard Rorty -
embora eu não seja filósofo. Desde 1939, o instituto convida um pensador
vivo para narrar seu percurso intelectual em um livro. O volume traz
então ensaios de vários especialistas sobre os diversos aspectos da obra
do convidado. No final, o convidado responde às dúvidas e críticas
levantadas. O desafio é sistematizar de uma forma lógica tudo o que já
fiz...
Como lidar com tamanha variedade de caminhos?
Estou começando com meu interesse constante desde o começo da
carreira pela Idade Média e pelos romances de Alessandro Manzoni. Depois
vieram a Semiótica, a teoria da comunicação, a filosofia da linguagem. E
há o lado banido, o da teoria ocultista, que sempre me fascinou. Tanto
que tenho uma biblioteca só do assunto. Adoro a questão do falso. E foi
recolhendo montes de teorias esquisitas que cheguei à ideia de escrever O
cemitério de Praga.
Entre essas teorias, destaca-se a
mais célebre das falsificações, O protocolo dos sábios de Sião. Por que o
senhor se debruçou sobre um documento tão revoltante para fazer ficção?
Eu queria investigar como os europeus civilizados se esforçaram
em construir inimigos invisíveis no século XIX. E o inimigo sempre
figura como uma espécie de monstro: tem de ser repugnante, feio e
malcheiroso. De alguma forma, o que causa repulsa no inimigo é algo que
faz parte de nós. Foi essa ambivalência que persegui em O cemitério de
Praga. Nada mais exemplar que a elaboração das teorias antissemitas, que
viriam a desembocar no nazismo do século XX. Em pesquisas, em arquivos e
na internet, constatei que o antissemitismo tem origem religiosa,
deriva para o discurso de esquerda e, finalmente, dá uma guinada à
direita para se tornar a prioridade da ideologia nacional-socialista.
Começou na Idade Média a partir de uma visão cristã e religiosa. Os
judeus eram estigmatizados como os assassinos de Jesus. Essa visão
chegou ao ápice com Lutero. Ele pregava que os judeus fossem banidos. Os
jesuítas também tiveram seu papel. No século XIX, os judeus,
aparentemente integrados à Europa, começaram a ser satanizados por sua
riqueza. A família de banqueiros Rotschild, estabelecida em Paris, virou
um alvo do rancor social e dos pregadores socialistas. Descobri os
textos de Léo Taxil, discípulo do socialista utópico Fourier. Ele
inaugurou uma série de teorias sobre a conspiração judaica e capitalista
internacional que resultaria em Os protocolos dos sábios do Sião, texto
forjado em 1897 pela polícia secreta do czar Nicolau II.
O senhor considera os Procotolos uma das fontes do nazismo?
Sem dúvida. Adolf Hitler, em sua autobiografia, Minha luta,
dava como legítimo o texto dos Protocolos. Hitler tomou como verdadeira
uma falsificação das mais grosseiras, e essa mentira constitui um dos
fundamentos do nazismo. A raiz do antissemitismo vem de muito antes, de
uma construção do inimigo, que partiu de delírios e paranoias.
O personagem de O cemitério de Praga,
Simone Simonini, parece concentrar todos os preconceitos e delírios
europeus do século XIX. Ele é ao mesmo tempo antissemita, anticlerical,
anticapitalicas e antissocialista. Como surgiu na sua mente alguém tão
abominável?
Os críticos disseram que Simonini é o personagem mais horroroso
da literatura de todos os tempos, e devo concordar com eles. Ele também
é muito divertido. Seus excessos estão ali para provocar riso e
revolta. No romance, Simonini é a única figura fictícia. Guarda todos os
preconceitos e fantasias sobre um inimigo que jamais conhece. E se
desdobra em várias personalidades: durante o dia, atua como tabelião
falsificador de documentos; à noite, traveste-se em falso padre jesuíta e
sai atrás de aventuras sinistras. Acaba virando joguete dos
monarquistas, que se opõem à unificação da Itália, e, por fim, dos
russos. Imaginei Simonini como um dos autores de Os protocolos dos
sábios do Sião.
A falsificação sobre falsificações
permitida pela ficção tornou o livro controverso. Ele tem provocado
reações negativas. O senhor gosta de lidar com polêmicas?
A recepção tem sido positiva. O livro tem feito sucesso sem
precisar de polêmicas. Quando foi lançado na Itália, ele gerou alguma
discussão. O Losservatore Romano, órgão oficial do Vaticano, publicou
um artigo condenando os ataques do livro aos jesuítas. Não respondi,
porque sou conhecido como um intelectual anticlerical - e já havia
discutido com a igreja católica no tempo de O nome da rosa, quando me
acusaram de atacar a igreja. O rabino de Roma leu O cemitério de Praga e
advertiu em um pronunciamento que as teorias contidas no livro poderiam
se tornar novamente populares a partir da obra. Respondi a ele que não
havia esse perigo. Ao contrário, se Simonini serve para alguma coisa, é
para provocar nossa indignação.
Além de falsário, Simonini se revela
um gourmet. Ao longo do livro, o senhor joga listas e listas de receitas
as mais extravagantes, que Simonini comenta com volúpia. O senhor gosta
de gastronomia?
Eu sou MacDonalds! Nunca me incomodei com detalhes de comida.
Pesquisei receitas antigas com um objetivo preciso: causar repugnância
no leitor. A gastronomia é um dado negativo na composição do personagem.
Quando Simonini discorre sobre pratos esquisitos, o leitor deve sentir o
estômago revirado.
Qual o sentido de escrever romances hoje em dia? O que o atrai no gênero?
Faz todo o sentido escrever ficção. Não vejo como fazer hoje
narrativa experimental, como James Joyce fez com Finnegans Wake, para
mim a fronteira final da experimentação. Houve um recuo para a narrativa
linear e clássica. Comecei a escrever ficção nesse contexto de
restauração da narratividade, chamado de pós-modernismo. Sou considerado
um autor pós-moderno, e concordo com isso. Vasculho as formas e
artifícios do romance tradicional. Só que procuro introduzir temas que
possam intrigar o leitor: a teoria da comédia perdida de Aristóteles em O
nome da rosa; as conspirações maçônicas em O pêndulo de Foucault; a
imaginação medieval em Baudolino; a memória e os quadrinhos em A
misteriosa chama; a construção do antissemitismo em O cemitério de
Praga. O romance é a realização maior da narratividade. E a
narratividade conserva o mito arcaico, base de nossa cultura. Contar uma
história que emocione e transforme quem a absorve é algo que se passa
com a mãe e seu filho, o romancista e seu leitor, o cineasta e seu
espectador. A força da narrativa é mais efetiva do que qualquer
tecnologia.
Philip Roth disse que a literatura morreu. Qual a sua opinião sobre os apocalípticos que preveem a morte da literatura?
Philip Roth é um grande escritor. A contar com ele, a
literatura não vai morrer tão cedo. Ele publica um romance por ano, e
sempre de boa qualidade. Não me parece que nem o romance nem ele
pretendem interromper a carreira (risos).
Mas por que hoje não aparecem romancistas do porte de Liev Tolstói e Gustave Flaubert?
Talvez porque ainda não os descobrimos. Nada acontece imediatamente na
literatura. É preciso esperar um pouco. Devem certamente existir
Tolstóis e Flauberts por aí. E têm surgido ótimos ficcionistas em toda
parte.
Como o senhor analisa a literatura contemporânea?
Há bons autores medianos na Itália. Nada de genial, mas têm
saído livros interessantes de autores bastante promissores. Hoje existe o
thriller italiano, com os romances de suspense de Andrea Camilleri e
seus discípulos. No entanto, um signo do abalo econômico italiano é que é
mais possível um romancista viver de sua obra literária, como fazia
(Alberto) Moravia. Hoje romance virou uma atividade diletante. É
diferente do que ocorre nos Estados Unidos, aindaum polo emissor de
ótima ficção e da profissionalização dos escritores. Além dos livros de
Roth, adorei ler Liberdade, de Jonathan Franzen, um romance de corte
clássico e repleto de referências culturais. A França, infelizmente,
experimenta uma certa decadência literária, e nada de bom apareceu nos
últimos tempos. O mesmo parece se passar com a América Latina. Já vão
longe os tempos do realismo fantástico de García Márquez e Jorge Luis
Borges. Nada tem vindo de lá que me pareça digno de nota.
E a literatura brasileira? Que impressões o senhor tem do Brasil? O país lhe parece mais interessante hoje do que há 30 anos?
O Brasil é um país incrivelmente dinâmico. Visitei o Brasil há
muito tempo, agora acompanho de longe as notícias sobre o país. A
primeira vez foi em 1966. Foi quando visitei terreiros de umbanda e
candomblé - e mais tarde usei essa experiência em um capítulo de O
pêndulo de Foucault para descrever um ritual de candomblé. Quando voltei
em 1978, tudo já havia mudado, as cidades já não pareciam as mesmas.
Imagino que hoje em dia o Brasil esteja completamente transformado. Não
tenho acompanhado nada do que se faz por lá em literatura. Eu era amigo
do poeta Haroldo de Campos, um grande erudito e tradutor. Gostaria de
voltar, tenho muitos convites, mas agora ando muito ocupado... comigo
mesmo.
O senhor foi o criador do suspense erudito. O modelo é ainda válido?
Em O nome da Rosa, consegui juntar erudição e romance de
suspense. Inventei o investigador-frade William de Baskerville, baseado
em Sherlock Holmes de Conan Dolyle, um bibliotecário cego inspirado em
Jorge Luis Borges, e fui muito criticado porque Jorge de Burgos, o
personagem, revela-se um vilão. De qualquer forma, o livro foi um
sucesso e ajudou a criar um tipo de literatura que vejo com bons olhos
Sim, há muita coisa boa sendo feita. Gosto de (Arturo) Pérez-Reverte,
com seus livros de fantasia que lembram os romances de aventura de
Alexandre Dumas e Emilio Salgari que eu lia quando menino.
Lendo seus seguidores, como Dan Brown, o senhor às vezes não se arrepende de ter criado o suspense erudito?
Às vezes, sim! (risos) O Dan Brown me irrita porque ele parece um
personagem inventado por mim. Em vez de ele compreender que as teorias
conspiratórias são falsas, Brown as assume como verdadeiras, ficando ao
lado do personagem, sem questionar nada. É o que ele faz em O Código Da
Vinci. É o mesmo contexto de O pêndulo de Foucault. Mas ele parece ter
adotado a história para simplificá-la. Isso provoca ondas de
mistificação. Há leitores que acreditam em tudo o que Dan Brown escreve -
e não posso condená-los.
O que vem antes na sua obra, a teoria ou a ficção?
Eco - Não há um caminho único. Eu tanto posso escrever um
romance a partir de uma pesquisa ou um ensaio que eu tenha feito. Foi o
caso de O pêndulo de Foucault, que nasceu de uma teoria. Baudolino
resultou de ideias que elaborei em torno da falsificação. Ou vice-versa.
Depois de escrever O cemitério de Praga, me veio a ideia de elaborar
uma teoria, que resultou no livro Costruire il Nemico (Construir o
Inimigo, lançado em maio de 2011). E nada impede que uma teoria nascida
de uma obra de ficção redunde em outra ficção.
Quando escreve, o senhor tem um método ou uma superstição?
Não tenho nenhum método. Não sou com Alberto Moravia, que
acordava às 8h, trabalhava até o meio-dia, almoçava, e depois voltava
para a escrivaninha. Escrevo ficção sempre que me dá prazer, sem
observar horários e metodologias. Adoro escrever por escrever, em
qualquer meio, do lápis ao computador. Quando elaboro textos acadêmicos
ou ensaio, preciso me concentrar, mas não o faço por método.
Como o senhor analisa a crise
econômica italiana? Existe uma crise moral que acompanha o processo de
decadência cultural? A Itália vai acabar?
Não sou economista para responder à pergunta. Não sei por que
vocês jornalistas estão sempre fazendo perguntas (risos). Talvez porque
eu tenha sido um crítico do governo Silvio Berlusconi nesses anos todos,
nos meus artigos de jornal, não é mesmo? Bom, a Itália vive uma crise
econômica sem precedentes. Nos anos Berlusconi, desde 2001, os italianos
viveram uma fantasia, que conduziu à decadência moral. Os pais sonhavam
com que as filhas frequentassem as orgias de Berlusconi para assim se
tornarem estrela da televisão. Isso tinha de parar, acho que agora todos
se deram conta dos excessos. A Itália continua a existir, apesar de
Berlusconi.
O senhor está confiante com a junção
Merkozy (Nicolas Sarkozy e Angela Merkel) e a ascensão dos tecnocratas,
como Mario Monti como primeiro ministro da Itália?
Se não há outra forma de governar a zona do Euro, o que fazer?
Merkel tem o encargo, mas também sofre pressões em seu país, para que
deixe de apoiar países em dificuldades. A ascensão de Monti marca a
chegada dos tecnocratas ao poder. E de fato é hora de tomar medidas
duras e impopulares que só tecnocratas como Monti, que não se preocupa
com eleição, podem tomar, como o corte nas aposentadorias e outros
privilégios.
O que o senhor faz no tempo livre?
Coleciono livros e ouço música pela internet. Tenho encontrado ótimas
rádios virtuais. Estou encantado com uma emissora que só transmite
música coral. Eu toco flauta doce (mostra cinco flautas de variados
tamanhos), mas não tenho tido tempo para praticar. Gosto de brincar com
meus netos, uma menina e um menino.
Os 80 anos também são uma ocasião para pensar na cidade natal. Como é sua ligação com Alessandria?
Não é difícil voltar para lá, porque Alessandria fica a uns 100
quilômetros de Milão. Aliás foi um dos motivos que escolhi morar por
aqui: é perto de Bolonha e de Alessandria. Quando volto, sou recebido
como uma celebridade. Eu e o chapéu Borsalino, somos produção de
Alessandria! Reencontro velhos amigos no clube da cidade, sou
homenageado, bato muito papo. Não tenho mais parentes próximos. É sempre
emocionante.
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