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Por um Natal sem neve na TV - Artigo de Laurindo Leal Filho
Publicado em 19.12.11 - Por Laurindo Leal Filho*, na na edição de dezembro da Revista do Brasil
O
final de ano na TV é sempre previsível. A propaganda cresce e os
programas se repetem. São filmes com muita neve, os mesmos musicais e as
infalíveis resenhas jornalísticas.
A televisão no Brasil não
dita apenas hábitos, costumes e valores mas também o ritmo de vida da
maioria da população. Nos dias úteis com seus horários para “donas de
casa”, crianças e adultos e nos fins de semana, com uma programação
diferenciada, supostamente mais adaptada ao lazer.
Mas não fica
ai. A TV organiza também as comemorações das efemérides ao longo do ano,
das quais o ponto alto é o Natal. Com muita antecedência saltam da tela
canções da época e muita propaganda, criando clima para o “espírito
natalino”.
As crianças são o alvo principal da publicidade. Se já
são bombardeadas com apelos de compra o ano todo, no Natal a pressão
cresce.
Apresentadoras joviais e alegres conquistam a confiança
dos pequenos telespectadores com seus dotes artísticos para, em seguida,
atraí-los para as compras, no mais das vezes, desnecessárias. Da classe
média para cima é comum ver crianças com brinquedos pouco ou nada
usados, comprados apenas como resposta aos apelos publicitários.
Mas
a TV não está só nas casas de quem pode comprar. Hoje ela é um bem
universalizado no Brasil, advindo dai a sensação de exclusão sofrida por
crianças cujas famílias estão impossibilitadas de satisfazer seus
desejos. Esse desconforto resulta da crença de que o consumo é um valor
em si, substituto da cidadania. Só é cidadão quem consome.
“O que
singulariza a grande corporação da mídia é que ela realiza limpidamente
a metamorfose da mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do
consumismo em cidadania” diz o professor Octávio Ianni no “Príncipe
Eletrônico”, artigo que se tornou referência para a discussão do papel
político da comunicação nas sociedade modernas.
No Natal a
metamorfose atinge o auge e segue até a virada do ano. As mercadorias
ganham vida na TV e estão à disposição para satisfazer todos os nossos
desejos, o mercado oferece democraticamente a todos os mesmos produtos e
ao consumi-los exerceríamos nossos direitos de cidadãos. São falácias
muito bem embaladas em luz, cores e sons sedutores.
As regras do
jogo são essas. Quem mantém as TVs comerciais são os anunciantes. Mas,
apesar disso, as emissoras poderiam ter um pouco mais de criatividade.
Não há Natal na TV brasileira sem a milésima reprise do filme
“Esqueceram de mim”, com neve em quase todas as cenas ou sem o
indefectível “especial”, sempre com o mesmo cantor.
Dessa mesmice
nem o jornalismo escapa. As chamadas resenhas de final de ano não são
mais do que colagens em forma de “clips”, usadas mais para reviver
sustos já sofridos pelo telespectador do que para informar. Em
determinado ano, que pode ser qualquer um, o apresentador famoso abria a
resenha na principal rede de TV exclamando: “um ano de arrepiar em todo
o planeta. Incêndios, terremotos, furacões”. E dá-lhe imagens
espetaculares que, de notícia, pouco tem.
Podia ser diferente?
Claro que sim. Poderíamos ter na TV um Natal mais brasileiro e um final
de ano criativo (com a publicidade mais controlada). Realizadores não
faltam, o que faltam são oportunidades para mostrarem seus trabalhos.
Mais de 200 deles apresentaram pilotos de programas no Festival
Internacional de Televisão, realizado em novembro no Rio. Não haveria ai
gente capaz de tirar a televisão da rotina desta época?
Criatividade
é o que não falta na produção audiovisual brasileira. Precisamos é de
ousadia para mostrá-la ao público oferecendo bens culturais capazes de
enriquecê-lo espiritualmente. Ou como dizia um diretor da BBC, a melhor
TV do mundo: “temos a obrigação de despertar o público para idéias e
gostos culturais menos familiares, ampliando mentes e horizontes, e
talvez desafiando suposições existentes acerca da vida, da moralidade e
da sociedade. A televisão pode, também, elevar a qualidade de vida do
telespectador, em vez de meramente puxá-lo para o rotineiro”.
Belo desafio, não? Feliz Natal.
*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e
jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre
outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da
televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
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