Publicado em 19.11.11 – Por Marina Schneider – NPC
A importância de se pensar a forma das manifestações artísticas e priorizar a construção conjunta da arte para fugir de estereótipos e das amarras impostas pelo capitalismo foi um ponto de convergência entre os debatedores da tarde do dia 17 durante o Curso Anual de Comunicação do NPC. Participaram da mesa Arte e Política na Batalha de Hegemonia o professor da Unicamp, Edmundo Dias, o diretor de teatro da Companhia do Latão, Sérgio de Carvalho, o comunicador e músico Repper Fiell e o músico Marcelo Yuka.
Lembrando o início da Companhia do Latão, que existe há dez anos, Sérgio de Carvalho ressaltou que a ideologia dominante do capitalismo aparece mesmo em condições aparentemente livres. “Há uma ideologia da forma, produzíamos um padrão dominante, no começo da Companhia, mesmo querendo fazer teatro de esquerda”, disse. Para ele, a ideologia já responsabiliza o indivíduo, como se ele fosse o agente do sistema.
“Qualquer pessoa que vá pensar a possibilidade de um teatro crítico e anticapitalista tem que pensar que vai trabalhar com temas radicais, com crítica aos temas das classes dominantes”, pontuou. Segundo Sérgio, são necessárias mudanças no sistema produtivo dentro da própria sala de ensaio, por exemplo, permitindo que se chegue ao ponto até mesmo de se criticar a própria instituição arte.
Assim como Sérgio de Carvalho, o professor Edmundo Dias destacou a relevância da crítica à forma das manifestações artísticas. “Temos a tarefa fantástica de construir coletivamente uma identidade. E construir isso junto com a classe trabalhadora”, disse, reforçando que é preciso partir do senso comum dos trabalhadores para construir essa identidade. “Não basta apenas a emoção, se quisermos transformar o mundo temos muito trabalho a fazer”, pontuou. Para ele, não é o saber técnico que vai promover essa transformação. “É nosso debate político!”, disse.
Informar pela arte
Fiell, que atua no hip hop há 15 anos e coordena também o Visão da Favela Brasil, um coletivo político e cultural autônomo na favela carioca Santa Marta, falou da importância da comunicação para que haja uma revolução e do uso da arte para informar. Crítico à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, ele lembrou que foi preso por ter participado da produção da Cartilha de Abordagem Policial do Santa Marta, distribuída aos moradores. “Se o povo tiver informação tudo muda. Mas tem que ser uma informação produzida por nós, que todo mundo entenda, absorva e que depois pratique”, ressaltou.
Ele apresentou seu livro Da Favela para as Favelas no qual conta o caminho que percorreu para adquirir a consciência política que tem hoje tanto com relação à situação da classe trabalhadora quanto em relação à sua arte. “O livro é para todo trabalhador”, frisou. Fiell lembrou que em seus primeiros CDs quase não há músicas com crítica social. “Está difícil de sair o CD este ano porque as músicas estão sendo elaboradas. Não é fácil escrever coisas que possam mudar a vida das pessoas”, disse. Durante a mesa foi exibido o curta-metragem 788, dirigido por Fiell.
Yuka: “Quero falar de conquistas plurais”
O músico, poeta e ativista Marcelo Yuka disse que em sua arte quer falar de conquistas plurais. “Minha grande ingenuidade é acreditar que felicidade pode ser plural, mas é isso que me faz sair da cama” disse. Fundador do grupo O Rappa, Yuka foi baterista e principal letrista da banda e lembrou que ter uma música como Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro tocando em rádio era atípico, mas foi uma conquista que tiveram. Crítico ao capitalismo, concordou com os outros palestrantes que esse sistema econômico está mesmo dentro das pessoas. “Contra isso é que é duro de lutar porque ele acalma vaidades”, disse. Segundo Yuka, quando o artista acredita que ele é realmente maior ou melhor que os demais é que está a armadilha. “Temos que saber que somos vulneráveis e que às vezes é o desejo que vai te dominar e não você quem vai dominar o desejo. Mas em algum momento dá pra se questionar e reagir”, ressaltou.
Lembrando o episódio em que foi baleado em 2000, em um assalto na Tijuca, e que o deixou paraplégico, Yuka afirmou que seria fácil para ele passar da glamourização para a vitimização. “A mídia faz isso todo dia”, disse. Ressaltando que no momento do assalto ele não estava indo salvar ninguém, ao contrário do que foi divulgado pelos meios de comunicação, Yuka reforçou a crítica: “A mídia é mais forte do que a verdade dos meios olhos, nada vai mudar isso. Eu já desisti”.