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Entrevista: Dênis de Moraes relança o livro A esquerda e o golpe de 64
O jornalista Dênis de Moraes relança
o livro A esquerda e o golpe de 64, trabalho sobre os elementos
conjunturais que levaram à derrubada de Jango
Publicado em 25.10.11 - Por Eduardo Sá, no Brasil de Fato Um
dos principais livros que retratam a efervescência política durante o
último golpe civil-militar no Brasil, A esquerda e o golpe de 64, de
Dênis de Moraes, foi reeditado pela editora Expressão Popular. A obra
traz entrevistas de personalidades reconhecidas nacionalmente e que
tiveram intensa participação nesse processo no campo progressista, como
Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, que analisam a conjuntura, apontando
erros e acertos à época. O jornalista fala ao Brasil de Fato sobre a
importância do resgate dessa obra e analisa as influências desse
processo no Brasil. Brasil de Fato – O que lhe inspirou a reeditar A esquerda e o golpe de 64?
Dênis de Moraes –
Frequentemente, amigos professores que lecionam questões relacionadas
ao processo político e social brasileiro me relatavam as dificuldades de
acesso dos alunos ao meu livro, esgotado há mais de uma década. Esses
mesmos amigos insistiam comigo para reeditá-lo, chamando a atenção para
dois pontos: o enfoque peculiar da obra (uma reavaliação do rico e
turbulento período que precedeu o nefasto golpe militar de 64, do ponto
de vista das forças progressistas e de esquerda); e o fato de oferecer
um conjunto de análises críticas e autocríticas obtidas em entrevistas
com vários dos principais atores do campo progressista da época (Leonel
Brizola, Luiz Carlos Prestes, Francisco Julião, Gregório Bezerra, Darcy
Ribeiro, Almino Afonso, Waldir Pires, Betinho, Nelson Werneck Sodré,
entre outros). Agora, o livro está novamente ao alcance dos leitores, a
preço acessível, graças ao compromisso da Editora Expressão Popular de
incentivar e popularizar a leitura de obras que contribuam para o
conhecimento crítico da história do país. Há alguma atualização ou complemento nessa edição?
A
nova edição, revista e atualizada, mantém o texto original do livro,
que recebeu excelente acolhida por parte da crítica especializada e está
referenciado em inúmeros livros e teses acadêmicas. Há um complemento
que merece relevo: o excelente prefácio inédito de José Paulo Netto, um
dos mais lúcidos intelectuais brasileiros. O sentido da reedição de A
esquerda e o golpe de 64 foi muito bem percebido e sintetizado por José
Paulo Netto: “Para as gerações que não experimentaram o drama dos anos
1960, a dinâmica daquela história, sem a qual não se pode compreender o
Brasil dos dias de hoje, surge límpida na grandeza da sua esperança e na
tragédia dos seus limites. O livro de Dênis de Moraes nos oferece a
prova decisiva da validez do antigo juízo de Mário de Andrade: a
história não é exemplo, é lição”.
Que Brasil era aquele retratado em seu livro?
Tem
razão o crítico Roberto Schwarz ao assinalar que no período de
1960-1964 o Brasil “estava irreconhecivelmente inteligente”. O ambiente
democrático que caracterizou os governos de Juscelino Kubitschek e João
Goulart foi muito propício a uma renovação cultural sem precedentes
(Cinema Novo, Centro Popular de Cultura, Bossa Nova, Teatro de Arena de
São Paulo, as Revistas Civilização Brasileira e Brasiliense, a poesia
engajada, o método de alfabetização de Paulo Freire) e a uma
extraordinária mobilização social nos meios urbano e rural. Sem falar na
potência esportiva em que estávamos nos transformando: o bicampeonato
na Copa do Mundo de futebol (1958-1962) e os títulos mundiais de Eder
Jofre (boxe), Maria Ester Bueno (tênis) e Ademar Ferreira da Silva
(atletismo). Com os ventos libertários da Revolução Cubana e a guinada
da Igreja católica para os temas sociais após o Concílio Vaticano II,
acentuou-se nos setores progressistas a convicção de que era possível
transformar o país a partir da atuação política consciente dos
movimentos sociais e comunitários em favor da justiça social e da
igualdade. Esses movimentos tinham no governo do presidente Goulart um
interlocutor aberto ao diálogo, ainda que nem sempre o governo
conseguisse equacionar suas contradições internas. Lastimavelmente, o
golpe militar sufocou a ascensão das massas no processo político, impôs a
censura à literatura e às artes, condenou ao exílio lideranças
políticas, sindicais e estudantis, além de ter feito de torturas e
assassinatos instrumentos bárbaros de aniquilamento de opositores.
Por que a esquerda perdeu em 1964?
Por
vários e complexos motivos. As forças progressistas e de esquerda
estavam divididas em dois blocos: o que vislumbrava a perspectiva de
apressar a luta pelo socialismo, através de pressões sistemáticas sobre o
governo Goulart, incluindo greves e até ameaças de insurreições; e o
que entendia que a etapa vivida era intermediária, pressupondo alianças
mais amplas com forças não revolucionárias, mas supostamente favoráveis
às reformas de base que o presidente se comprometia a fazer (ainda que
não as tenha conseguido implementar). O triunfalismo de determinadas
correntes de esquerda fazia supor que, diante da ofensiva conservadora e
da ameaça de golpe contra Goulart, nada deteria a marcha do movimento
popular em direção às reformas. A força ilusória impulsionava exigências
de tais grupos de esquerda ao presidente, com vistas a acelerar a
execução das reformas e pôr fim à política de conciliação de classes que
diziam orientar Goulart. A realidade, porém, era muito mais complicada.
A correlação de forças, ao contrário do que se imaginava, era
desfavorável ao campo progressista; as alianças que se expressavam no
bloco nacional-reformista não superavam suas ambiguidades e, com isso,
distanciavam-se de um novo pacto de poder assimilável pela sociedade
como um todo. Ainda devemos apontar que, entre 1960 e 1964, a esquerda
não conseguiu unificar-se numa plataforma comum, que englobasse um
projeto estratégico definido e se desdobrasse em ações táticas eficazes.
Não é de se estranhar que as sequelas desses embates no próprio campo
progressista tenham dificultado ou inviabilizado entendimentos, acordos e
ações compartilhadas que pudessem fortalecer suas reivindicações no
cenário de luta ideológica que caracterizava o país. A multiplicidade de
tendências é sinal de pluralismo. Mas também sugere a incapacidade de
se alcançar uma unidade duradoura em torno de pontos essenciais à
conquista da hegemonia. Em consequência de suas próprias divisões, o
bloco progressista não conseguiu unir-se em torno de Goulart, nem
ajudá-lo a debelar a competente e insidiosa articulação conservadora nos
meios civil e militar, que visava ao reordenamento do sistema
capitalista no Brasil numa perspectiva elitista, entreguista e
antipopular – o que seria, afinal, alcançado com o golpe.
Você
escolheu Francisco Julião para ser um dos entrevistados, e, décadas
depois, o MST, maior movimento social do Brasil, continua lutando pelas
mesmas reivindicações do advogado pernambucano. Como você vê a atuação
do MST? Houve avanços nessa área?
Mesmo tendo cometido
alguns pecados, sem dúvida as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco
Julião, contribuíram para fortalecer as reivindicações de milhões de
brasileiros explorados no campo. Julião, indiscutivelmente, empenhou-se
em defesa dos oprimidos e dos marginalizados, e por isso era tão odiado
pelo latifúndio e pelas elites agrárias e teve que exilar-se, por 15
longos anos, durante a ditadura militar. A luta atual do MST comprova
que as grandes questões da terra e do campo no Brasil não foram
resolvidas nas últimas décadas. Ao contrário, foram agravadas. Vejam o
cenário em 2011: a mercantilização desenfreada do agronegócio, a aguda
concentração fundiária, legislações frágeis que não coíbem o domínio de
extensas faixas de terras por grupos privados nacionais e estrangeiros, o
criminoso desmatamento, as perseguições e assassinatos de líderes dos
trabalhadores rurais, a impunidade que favorece os mandantes, as
relações de vil exploração da mão de obra e a falta de prioridade dos
últimos e atual governos para a reforma agrária. Por isso, é cada vez
mais necessária a luta do MST em defesa da igualdade, da cidadania e dos
direitos sociais e trabalhistas no campo. Penso que o MST herdou,
ampliou, valorizou e enriqueceu a herança de lutas do movimento camponês
nos anos Goulart (tanto as Ligas de Francisco Julião quanto os
sindicados de trabalhadores rurais). É uma preciosa linha de
continuidade na defesa dos homens explorados no campo que, tantos anos
depois, continuam excluídos e discriminados pela opressão do latifúndio,
do agronegócio e dos interesses monopólicos e mercantis. O MST
constituiu um passo adiante em relação às Ligas Camponesas, porque tem
assumido, em âmbito nacional e não apenas regional, as reivindicações
dos trabalhadores por acesso à terra e direitos cidadãos, com a
preocupação essencial de articular-se com outras forças políticas e
sociais empenhadas em mudar o modelo excludente de desenvolvimento que
persiste no país.
Um dos
debates em pauta atualmente é a Comissão da Verdade para apurar o que
ocorreu durante o regime civilmilitar que se instalou após o golpe de
1964. Como você vê essa questão?
No andar térreo do
magnífico Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, em Santiago do
Chile, corajosamente construído e inaugurado pela ex-presidente Michelle
Bachelet, há uma exposição permanente sobre a atuação das Comissões da
Verdade em todos os países do mundo vítimas de ditaduras e regimes
genocidas. É uma vergonha para nós, brasileiros, verificar que o Brasil
está de fora daquela admirável galeria de lutas pelos direitos humanos e
pelo triunfo da civilização sobre a barbárie. Inaceitável que nosso
país continue sem investigar os crimes da ditadura militar e sem
responsabilizar os responsáveis e cúmplices por prisões ilegais,
perseguições odientas, torturas e assassinatos. A Comissão da Verdade é
uma imposição da consciência da cidadania, do respeito aos direitos
humanos e de compromisso com a história. Espero, sinceramente, que não
tenhamos, depois de décadas de espera, um arremedo de Comissão da
Verdade. Precisamos ter a coragem de enfrentar o passado, libertando o
presente de seus fantasmas, com a preocupação decisiva de preparar e
construir um futuro desejável e possível. Quem é: Dênis
de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da
Universidade Federal Fluminense (UFF), e pesquisador da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho
Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). É autor de
20 livros, sendo cinco deles publicados do exterior.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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