Leituras
A aventura dos que lutam contra o terrorismo nos EUA
Por Emir Sader - Carta Maior
Mesmo se fosse ficção, a história desses personagens já seria
sensacional. Mas se são reais e se dão no epicentro da guerra fria –
entre Cuba e os EUA, entre Havana e Miami -, com personagens reais, que
têm sua trajetória verdadeira reconstruída com maestria por um dos
melhores escritores que temos - só poderia dar um livro extraordinário.
Fernando
Morais diz que quer, com suas obras, de Olga a Paulo Coelho, passando
por Chatô, entre tantas outras – ajudar a entender o Brasil. Com "A
Ilha" nos ajudou a entender a Cuba, com "Os últimos soldados da guerra
fria", nos permite entender melhor a América Latina, sua relação com os
EUA e, portanto, um dos eixos que articulam o mundo contemporâneo.
O
cenário é uma das duas esquinas da guerra fria – a outra era Berlim
dividida -, que quase levaram a um enfrentamento bélico entre as duas
superpotências. A trama tem a ver diretamente com isso. Daí a
intensidade que ganham as situações de tensão, entre países, refletida
em personagens concretos, reconstruídos com maestria por Fernando.
Cuba
era, literalmente, o “pátio traseiro” dos EUA. Toda a economia cubana
dependia da venda da safra de açúcar ao mercado norteamericano. Cuba era
o destino principal do turismo norteameriano, que dispunha de uma
enorme estrutura de cassinos, cabarés, rinhas de briga de galos,
prostíbulos. Nem precisavam passar pela alfândega, saíam diretamente com
seus iates da Florida e chegavam aos hotéis de Havana.
Os carros
norteamericanos eram primeiro testados em Cuba, antes de serem lancados
nos EUA. A primeira linha aérea internacional da Pan American foi para
Cuba, cenário típico dos filmes de Hollywood.
A ditadura de
Batista, derrubada pelo movimento liderado por Fidel, tinha o apoio
total dos EUA. Desde o começo Washington tramou contra a Revolução
Cubana. Quando foram realizadas a reforma agrária, a reforma urbana, a
nacioanalização da indústria açucareira, os EUA passaram a enfrentar
abertamente o novo governo cubano, decretando o bloqueio do país – ha
meio século -, tentando uma invasão com mercenários e passando a
financiar a oposição a Cuba, localizada basicamente em Miami.
As
ações terroristas foram uma constante ao longo das 5 décadas de poder
revolucionário, da mesma forma que o trabalho de infiltração por Cuba
dos grupos opositores, buscando informações que permitissem evitar essas
ações. Os 5 últimos soldados fazem parte dessas escaramuças.
Já
sob os duros efeitos do fim da URSS e do planejamento econômico
internacional do campo socialista - quando Cuba perdeu todo seu mercado
para a produção de açúcar em troca do petróleo -, o turismo ganhou mais
destaque na resistência cubana para sobreviver à pior crise que tinha
enfrentado desde 1959. As ações terroristas se concentraram então em
locais de turismo, tentando passar a ideia do risco dessa atividade em
Cuba.
Foi nesse marco que Cuba resolveu montar uma operação que
conseguisse penetrar nas organizações que mais diretamente realizavam as
ações terroristas, diante da passividade, da conivência, quando não do
incentivo e do apoio direto do próprio governo dos EUA. A historia
magistralmente relatada por Fernando Morais é a de cinco deles, que
foram presos e ate’ hoje cumprem penas nos EUA, por terem tratado de
fazer o serviço que os EUA não fazem: o de recolher informações junto
aos grupos terroristas no exílio cubano, para tratar de evitar a
proliferação de sua ações criminosas.
O livro começa já com a
descrição da dramática situação de um cubano sempre identificado com a
revolução, que de repente aparece como um “traidor”, que chega a Miami a
bordo de um avião da Força Aerea cubana, que ele mesmo tinha pilotado
na guerra de Angola. Ninguém da sua família sabia, nem mesmo sua mulher,
até ali confidente de tudo, que não podia acreditar que o seu marido e
companheiro de vida está falando para uma rádio de Miami, criticando a
revolução e justificando sua deserção.
Fernando retoma, fio a fio, a saída de cada um deles, suas inserções no meio
de organizações terroristas cubanas na Florida, o clima dessa colônia,
até, finalmente, a prisão de todos e as condições absurdas dos processos
que se armam contra eles, como se estivessem espionando instituições
norte-americanas e não apenas entidades terroristas da oposição cubana,
tarefa que deveria ser feita pelo próprio governo dos EUA.
A
mídia brasileira se sente incomodada diante de um livro com esse teor e
trata de calar sobre ele. Uma que outra nota apenas não impede que o
livro salte para os primeiros lugares nas listas do mais vendidos. Uma
leitura obrigatória para entender como os EUA tratam de manter a guerra
fria nas suas relações com Cuba, porque até hoje nao conseguiram tragar o
fato de que não conseguiram derrubar, por nenhum meio possível, o
regime que mais oposição lhe faz, há mais de meio século. Uma leitura
deliciosa para qume gosta de livros de aventura, de espionagem, de temas
políticos vinculados à ação. E um grande trabalho a favor da libertação
dos cinco cubanos que, lutando contra o terrorismo em território
noteamericano, foram presos e condenados, enquanto terroristas confessos
continuam andando livremente pelas ruas da principal potência imperial
da história.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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