Por NPC
Brigadas Populares de MG dão exemplo da importância da comunicação para as lutas sociais
Por Sheila Jacob
Em Belo Horizonte existem, desde 2005,
as Brigadas Populares, grupo autônomo criado para contribuir com as diversas
lutas populares de Minas Gerais. Como explica a jornalista e a militante da
Frente de Comunicação das Brigadas, Carina Santos, as Brigadas começaram com a
defesa do direito à cidade e à moradia, e hoje atuam junto às ocupações urbanas
não apenas da capital. Além a luta por habitação, a organização criou frentes
de ação em diversas áreas: saúde, juventude, sistema prisional, mulheres,
formação, integração latino-americana e, a mais recente, mídia popular. Segundo
Carina, foi importante criar uma frente de comunicação, pois a cobertura da
mídia tradicional em relação às ocupações e outras lutas urbanas é baseada no “espetáculo”,
seguindo a seguinte fórmula: famílias invadiram
terreno em bairro tal. “Não adianta só falar que uma ocupação aconteceu. Precisamos
falar sobre a política habitacional do Estado, questionar a especulação
imobiliária, entender o porquê de o direito à moradia estar somente na
constituição etc”.
Confira a entrevista. Explique um pouco sobre a criação das Brigadas Populares.
As Brigadas Populares é uma
organização política, autônoma, que existe desde 2005. O embrião foi um Núcleo de Estudos Marxistas, mas a partir da reflexão
sobre nossa realidade fomos vendo a necessidade de criar outras formas
de contribuir na prática com a luta popular. Somos uma organização
popular, militante e de massas. Portanto, aberta a todas e todos que
querem lutar na construção de uma Nova Maioria Política, a caminho da
emancipação da classe trabalhadora. A estrutura das Brigadas se divide
em Brigadas Territoriais (espaços como comunidades/ ocupações onde
construímos um trabalho politico, de acordo com a realidade de cada um
desses lugares); Núcleos formados a partir de pautas específicas, como
Núcleo de Saúde, de Juventude, Anti-Prisional, Núcleo Ikatu (formado no
espaço da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, com pautas em
torno da Universidade e Cidade) e, mais recente, Núcleo de Mídia
Popular.
Há ainda as Frentes de Trabalho, a partir das quais
desenvolvemos um planejamento de lutas específicas, de acordo com a
linha política das Brigadas. Como as Brigadas iniciaram sua construção em
torno das ocupações urbanas, uma das primeiras e mais fortes Frentes
foi a de Moradia, que hoje se consolidou em Frente pela Reforma Urbana. É
uma Frente que ampliou sua atuação em torno das contradições da cidade,
que vão para além da questão da moradia; mas coloca em questão o
direito à cidade. Ainda temos outras Frentes de atuação hoje: Frente de Juventude, Frente de Comunicação, Frente Anti-Prisional,
Frente de Mulheres e Frente de Formação; além da Brigada especial "Nossa
América", que debate questões em torno da integração latino-americana.
Para saber sobre a ação de cada uma das Frentes, é só acessar o site www.brigadaspopulares.org
Quais são as principais bandeiras das Brigadas? 1) Contribuir para a
organização do povo, superando a dispersão e o individualismo presente
no sistema capitalista. Organizar para emancipar.
2) Contribuir para a
elevação do nível de consciência política do povo, estabelecendo a
consciência de classe explorada, superando a ideologia burguesa,
alienante, que impede a compreensão da realidade e das necessidades dos
trabalhadores e das trabalhadoras.
3) Contribuir com a elevação do
nível de luta, "somente a luta muda a vida". Para que as demandas do
povo brasileiro sejam solucionadas é necessária a luta direta,
organizada e consciente.
Vocês acompanham ocupações urbanas só na capital, em Belo Horizonte, em todo estado de Minas? Pode nos falar rapidamente sobre as lutas que vem acompanhando?
Hoje, além da ocupação Dandara, acompanhamos algumas ocupações
espontâneas, que hoje estão correndo risco de despejo. É caso da Vila
Recanto (na região da Pampulha), Comunidade Pastoril Canaã (em
Governador Valadares) e Comunidade Drummond (Itabira). Também estamos na
construção do "Comitê Popular dos Atingidos pela Copa" (http://atingidoscopa2014.wordpress.com),
que junto a outros movimentos e forças sociais está criando um espaço para discutir sobre esta Copa de 2014, seus reflexos na cidade e como
podemos pensar em uma forma popular de superar as ações já pensadas do
Estado, como despejos, privatizações, etc.
Como vocês avaliam a cobertura da mídia local sobre as ocupações e demais lutas sociais?
As
ocupações urbanas e outras lutas só têm espaço na mídia porque não pode
ser negado que é um fato; faz parte dessa "agenda jornalística". Mas
infelizmente, a forma como a Mídia aborda esses assuntos é baseado no
"espetáculo": "Famílias "invadiram" terreno em bairro tal"...
A cobertura jornalística não dá espaço para isso ser apresentado e
contextualizado para a sociedade. Não adianta só falar que uma ocupação
aconteceu; precisamos falar sobre a política habitacional do Estado,
questionar a especulação imobiliária, entender o porquê do direito à
moradia estar somente na constituição e, por fim, refletir se esse
Estado aí é que de fato não promove a segregação. Mas a mídia não tem
profundidade e interesse em debater essas questões. E as consequencias,
já sabemos. Cada dia que passa, cria-se um senso comum em torno dessas
questões. Ainda é muito comum ver as lutas serem criminalizadas e a
propriedade sendo defendida a unhas, dentes e no discurso, mesmo por
aqueles que são explorados neste sistema.
E às vezes, a cobertura fere
principios do própria lógica prática-acadêmica do Jornalismo. Como
ocorreu em março desde ano: o Jornal O Tempo soltou uma reportagem com
dados totalmente equivocados sobre a comunidade Dandara, informando que
moradores estavam vendendo lotes e que isso era comum na ocupação. É
claro que existe uma intenção por trás de uma reportagem dessas. Os
grandes jornais andam de acordo com os passos do Estado. Nesse caso, por
exemplo, soltamos uma carta resposta, que felizmente teve uma boa
repercussão principalmente na internet. Mas é revoltante saber que
muitas pessoas ficaram com essa visão destorcida apresentada pelo
Jornal.
Quais são as estratégias de comunicação do
movimento para divulgar as lutas das comunidades? Por que acham que
elas são importantes?
A Comunicação está presente
desde o início da Organização. Entendemos que a hegemonia dominante hoje
se mantém muito por conta dos mecanismos de informação criados pela
sociedade capitalista: o senso comum, o espírito conformista, a defesa
da propriedade, a aversão às lutas. Por isso tentamos fortalecer ações de contra hegemonia, mesmo sendo
dificil "disputar" com a força dos grandes meios. Temos uma concepção
bem gramsciana; disputar os espaços hoje dominados, colocar em pauta a
ideia da luta e da revolução; não deixar que se tenha essa hegemonia
capitalista como a linha final.
Tentamos construir espaços de debates na cidade (Universidades, outros
espaços de luta, sindicatos); além de ver que na internet também podemos
divulgar sobre o cotidiano das nossas lutas. Além do blog das Brigadas,
temos blogues de cada uma das estruturas, inclusive da Ocupação
Dandara, em que são atualizadas as ações, postamos vídeos, outras
notícias e informações sobre as pautas, além de usar o instrumento das
redes sociais. No útimo ECR (Encontro de Comunidades de Resistência,
evento que realizamos todo ano) lançamos também uma ação que busca
disseminar mais a prática e a reflexão sobre comunicação de resistência:
É o Mídia Popular. Com a contribuição de grupos e movimentos envolvidos
com a cultura e comunicação, fortalecemos a ideia de criar formas de
levar para as comunidades, ocupações e outros espaços; a construção da
nossa própria mídia: alternativa e popular; falando sobre nossa própria
realidade. Inclusive no dia 16/07, teremos um evento chamado "Fala,
Juventude!", em uma das comunidades da região metropolitana, em que
vamos construir um espaço de Midia Popular.
Mas a idéia geral é essa! Assim como fortalecemos o dia a dia de nossas
lutas, fortalecer também nossa forma de dialogar com a sociedade;
imprimir um carater popular à comunicação; resistindo com palavras, sons
e imagens.
Você pode apresentar um panorama geral da atual situação da ocupação Dandara, em BH? Há ameaças de despejo?
Dandara possui hoje cerca de 900 famílias, com mais de 95% das
casas construídas em alvenaria, ou seja, deixou de ser uma ocupação para
se tornar uma comunidade consolidada do ponto de vista da apropriação
do espaço. Temos dois centros comunitários, uma igreja ecumêmica e uma
creche em processo de construção por meio de mutirões aos fins de
semana. Porém o fantasma do desalojamento forçado subsiste. Ao longo
desses dois anos (a ocupação foi realizada em abril de 2009), foram idas
e vindas no processo judicial. Conseguimos suspender por vezes ordens
judiciais de reintegração de posse. Atualmente, há decisão do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais determinando reintegrar a Construtora Modelo
na posse do imóvel, despejando as famílias que deram função social ao
terreno de quase 400 mil metros quadrados.
Diante da intransigência da Prefeitura de Belo Horizonte em contribuir para a negociação, será muito difícil realizar uma
composição de interesses para viabilizar algum acordo. Desse modo, o
mais provável é que seja determinada a
expedição do mandado de desalojamento. Mas a omissão das autoridades,
especialmente do Prefeito Márcio Lacerda, pode ter um preço muito alto,
pois a comunidade Dandara é um símbolo nacional e internacional de
resistência popular organizada.
Você comentou que há problemas em outras comunidades,
de outras cidades... Poderia falar melhor sobre elas? Como é a relação
de vocês com essas lutas?
Também estamos participando do processo de resistência de algumas
ocupações ameaçadas de despejo do interior de Minas. Os dois casos mais
importantes são as ocupações Carlos Drummond, em Itabira (120 km de BH),
e Pastoril Canaã, em Governador Valadares (300 km de BH). Quanto à
comunidade Drummond, está em curso neste momento um acampamento inédito e
histórico, montado na porta da Prefeitura de Itabira desde o dia 24 de
maior deste ano (sic!) para pressionar o Prefeito João Izael (PR) pela
negociação. A ordem judicial determinou que cerca de 300 famílias que
vivem há 11 anos na comunidade fossem despejadas sem qualquer
alternativa. O prazo final para o cumprimento da ordem é dia 31 de julho
deste ano. Mas diante da resistência, da organização e da repercussão
da luta heróica das famílias do Drummond no acampamento montado na porta
da Prefeitura (algumas noites, fez frio de 8º graus nas madrugadas de
Itabira!), estamos confiantes de que vamos reverter a situação.
No caso
da comunidade Pastoril Canaã, onde vivem efetivamente 71 famílias, desde
o ano de 2008, tivemos uma vitória importante. Apesar de não
conseguirmos a permanência das famílias na área (por ser de risco e
sujeita à inundação), logramos rancar o compromisso da Prefeita de que
todas as famílias serão reassentadas até setembro de 20121, começando
com 10 famílias que irão receber suas casas no dia 15 de agosto,
conforme cronograma apresentado às Brigadas que ira contemplar as
famílias em projetos habitacionais já contratados e seguindo uma ordem
de preferência conforme os critérios de pobreza e vulnerabilidade
social. Também há outras comunidades em cidades do interior do estado,
como Uberlândia, buscando o acompanhamento jurídico e,
principalmente, político da organização. Infelizmente, nos faltam pernas
para acompanhar tantas violações de direitos.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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