MÃdia
América Latina: por que no Brasil é diferente?
Ao contrário do que ocorre em outros países na América Latina,
aqui não se conseguiu avançar na regulação do setor da comunicação. Os dois
governos do presidente Lula esbarraram nessa barreira histórica e, não há
indicações, até agora, de que o governo Dilma conseguirá vencer os “poderosos
interesses” mencionados pelo Ministro das Comunicações.
Venício Lima/Carta
Maior
Em conversa recente com o professor da Universidad
Torcuato Di Tella, Philip Kitzberger, que realiza pesquisa comparada sobre
políticas de comunicações na América Latina, insisti que a grande diferença do
Brasil em relação aos outros países que estuda – Argentina, Bolívia, Equador e
Venezuela – é que aqui, no período posterior ao regime militar, apesar da
eleição e reeleição de um governo categorizado como “populista de esquerda”, não
houve mudanças em relação aos interesses que são atendidos na formulação da
política pública do setor. Continuam a prevalecer os grandes empresários
privados, aliados a grupos familiares e oligárquicos da velha política regional
e local.
Propostas sequer se tornam projetos
No Brasil, antes
mesmo de se transformarem em projetos de lei, minutas de propostas que não
atendam aos interesses dominantes, têm sido vigorosamente combatidas e logo
abandonadas pelo governo. Os exemplos mais conhecidos – mas não os únicos – são
o “pré-projeto” [vazado na imprensa] de transformação da ANCINE em ANCINAV, em
2005, e o até agora inédito pré-projeto de novo marco regulatório para a
radiodifusão, que teria sido elaborado na SECOM-PR ao final do governo Lula
(dezembro de 2010).
Quando, eventualmente, “projetos” são apresentados
ao Congresso Nacional, como o de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, a
reação contrária é tão formidável que nem a tentativa de substituí-lo por outro,
de criação de um Conselho Federal de Jornalistas – a exemplo de conselhos
existentes para outras profissões como, por exemplo, advogados e engenheiros –
se concretizou. O projeto original foi arquivado sem que seu mérito fosse de
fato debatido, como seria de praxe nas democracias representativas chamadas de
liberais.
Mesmo assim, analistas conceituados argumentam que os dois
exemplos acima fazem parte de um “encorpado caldo de cultura contra a mídia”
existente no Brasil e foram não só “iniciativas do governo federal na
administração de Luiz Inácio Lula da Silva (...) que pretendiam aumentar o
controle da mídia”, como “quase [sic] se concretizaram”.
Outra
característica que diferencia o Brasil de outros países latino-americanos é que
aqui, historicamente, os grupos dominantes têm (a) impedido a regulamentação de
normas e princípios constitucionais e/ou, (b) quando regulamentadas, as normas
são impedidas de funcionar e/ou (c) até mesmo o debate sobre o tema tem sido
interditado publicamente, isto é, só merece a atenção da grande mídia para ser
satanizado.
Quais as perspectivas de futuro?
Diante dessas
afirmações, a pergunta natural para um observador externo é: quais são as
projeções para o futuro? Há alguma perspectiva de alteração desse quadro? Quais
são os indicadores mais recentes que apontam para onde o Brasil caminha neste
setor?
Registro três exemplos.
1. A Audiência Pública conjunta de
cinco comissões, realizada no Senado Federal, no dia 16 de junho, para discutir
projeto que tramita no Congresso Nacional desde 2007 e que pretende regulamentar
a televisão paga. A audiência confirmou:
(a) as divergências entre as
teles e as empresas de radiodifusão, que se tornaram públicas desde a definição
do sistema de TV digital, quando os radiodifusores venceram a disputa; (b) as
divergências internas entre as próprias empresas de radiodifusão. Representantes
da Globo, do SBT e da Record falaram em nome da ABERT e expressaram posições
diferentes; (c) a exclusão de representantes da sociedade civil organizada do
debate, impedidos de participarem da audiência; (d) o conflito entre o Congresso
Nacional e alguns grupos empresariais com a ANATEL, acusada de tentar “legislar”
sobre televisão paga; (e) a ameaça de judicialização de uma eventual regulação
aprovada pelo Congresso Nacional feita pelo representante da Associação das
Programadoras. Em resumo: não se vislumbrou qualquer consenso. De certa forma,
fica paralisado o andamento de um projeto de lei que tramita há mais de quatro
anos e tenta apenas a regulação parcial do setor.
2. A exposição do
Ministro das Comunicações no IIº Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas,
Brasília, em 17 de junho.
Falando como se o tema “marco regulatório”
fosse uma questão nova, o ministro reafirmou que a regulação do setor “envolve
poderosos interesses econômicos” e, indiretamente, deu a entender que entende
regulação como sendo a regulamentação de normas que já estão na Constituição de
1988 e, mesmo assim, com muita calma e cautela (23 anos depois!).
3.
Apesar de várias constituições estaduais haverem incluído, desde o final da
década de 80 do século passado, artigos sobre a criação de conselhos estaduais
de comunicação – a exemplo do artigo 224 da Constituição Federal – a exceção da
Bahia, nenhum outro estado conseguiu até hoje, regulamentar esses artigos.
Apesar do importante apoio de entidades representativas como a CBJP/CNBB, a
própria OAB-Nacional, manifestou sua oposição à regulamentação dos artigos que
prevêem a criação desses conselhos, em outubro de 2010.
A diferença do
Brasil na América Latina
Ao contrário do que ocorre em países nossos
vizinhos na América Latina, aqui não se conseguiu avançar na necessária
regulação do setor de comunicações. Os dois governos do presidente Lula
esbarraram nessa barreira histórica e, não há indicações concretas, até agora,
de que o governo Dilma conseguirá vencer os “poderosos interesses” mencionados
na fala do Ministro das Comunicações.
A novidade(?) é que organismos
internacionais e atores dominantes no Brasil passaram recentemente a defender a
“autorregulamentação” como alternativa para a regulação do setor de
comunicações.
Essa é a diferença brasileira.
*Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB
(aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História,
poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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