Entrevistas
Marcos Dantas: O governo nunca quis fazer política de universalização
Publicado em 21.06.2011 - Por Pedro Caribé / Observatório do Direito à Comunicação
Lançado em maio de 2010 o Plano Nacional de
Banda Larga ainda gera dúvidas em diversos de seus quesitos, como a
definição dos serviços públicos, o preço de acesso a massificação ou
universalização do acesso. O professor do programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos Dantas,
reconhecido por transitar bem dentro dos movimentos sociais, governos e
até segmentos empresariais, avalia o desempenho do governo até o momento
e os novos rumos sinalizados pela nova gestão do Ministério das
Comunicações.
As últimas intervenções do governo no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) têm frustado a sociedade? Estou
sentindo nas pessoas que a expectativa otimista, inicial, caiu
bastante. Existe o sentimento que o governo teria recuado nos seus
propostos originais. Particularmente, sempre fui crítico de como o PNBL
foi formulado. Tenho impressão que agora estamos caindo na realidade
sobre o plano. O pessoal ficou muito entusiasmado, o que se
justifica. O fato do governo ter uma política para ampliar o acesso da
banda larga merece aplausos de todos. E acabou por permitir uma
articulação social e política favorável. Mas o plano tem problemas
sérios, antes, ainda no governo Lula, e continua tendo.
Quais são os principais problemas? O
principal problema é a não definição do plano em regime público. Isso é
uma questão estrutural. Minha expectativa é que do jeito que está
formulado teremos dois tipos de atendimento a banda larga. Os que podem
pagar vão ter acesso as melhores condições. E quem só pode pagar R$
35,00 vai acessar um sistema de má qualidade. O que é muito típico de
nossa sociedade. É a mesma situação que temos na educação. Os pais que
podem pagar escola, acreditando que dará melhor formação aos filhos,
pagam! Só vai para a pública quem não tem condições e sabemos que a
escola pública no Brasil é de péssima qualidade.
O
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acena para ampliar a
concorrência no mercado, como forma de acelerar o Plano, quais as
consequências desta iniciativa? As iniciativas do Paulo
Bernado vão resultar num aprofundamento do modelo herdado por FHC. Qual
foi o modelo? Tem um serviço em regime público (a telefonia fixa) que
vai acabar. Uma porção de tecnologias está nascendo, algumas bem
visíveis, como o celular e internet, outras coisas vão surgir, como o
wi-fi. Tudo que surgir daqui pra frente será resolvido pelo mercado por
ser regime privado. E o regime público acaba por morte.
Poderíamos
esperar que os governos Lula e Dilma restaurassem o princípio do regime
público. Mesmo que continuasse o regime privado em muitas áreas, as que
fossem consideradas essenciais para sociedade ou estratégicas para o
país, serem de regime público. O celular é um exemplo: hoje ele não é
mais apenas de elite. Mas a maioria das pessoas usa pela metade. Como os
celulares pré-pagos têm tarifas proporcionalmente mais caras que os
pós-pago, acaba fazendo com que o rico pague menos que o pobre. Numa
situação dessa é preciso uma política que aponte regime público,
tarifário, universalize e acabe a necessidade ter três ou quatro
telefones para receber ligação.
A Telebrás não está
citada no documento “Brasil Conectado” – publicação do Governo com o
diagnóstico e estratégias do PNBL. Porém ocupa espaço relevante na
agenda política em relação aos rumos do Plano. Como você enxerga o papel
da Telebrás? A Telebrás, por ser ferramenta que criaria
essa dicotomia (usuários que podem pagar acesso de qualidade x usuários
com internet de má qualidade por falta de renda) já é passível de
questionamento. Qual o principio dela? Fomentar a concorrência.
Primeiro, não se faz política de universalização através de
concorrência. O governo nunca quis fazer política de universalização:
ele propõe massificação, ampliação do acesso. Ao permitir essa
massificação, a Telebrás teria um papel de dar acesso a quem só pode
pagar R$ 35,00.
Quais os impactos da saída do Rogério Santana da Telebrás? Isso
é disputa de poder. Não é essencial. É muito mais aquela coisa: “dois
bicudos não se beijam”. O mais importante nessa história é manutenção da
concepção de que é preciso aumentar a concorrência para gerar
massificação e a repulsa do governo em discutir o regime público para a
banda larga. A decisão da Anatel de considerar o backhaul
um bem reversível é demonstração de que a Agência tem avançado para
ações mais progressistas? Lamento, acho que não. Todas
as críticas que a sociedade faz às concessionárias são justas, mas elas
deviam ser endereçadas a Anatel. A concessionária é uma empresa privada
que detém concessão do Estado para executar determinadas tarefas. O
conceito é de uma empresa que está fazendo algo por delegação do Estado.
Cabe ao Estado, que tem o poder de delegar, acompanhar pra saber se os
concessionários estão cumprindo as tarefas.
Havia
hipertrofia no papel da Anatel, ao formular e executar a política, isso
tem sido atenuado pelo Ministério das Comunicações (Minicom)? O
Minicom está querendo assumir o protagonismo na formulação. Para isso,
ele precisa ter capacidade de pensar, coisa que rigorosamente não tem.
Porque foi esvaziado no governo Fernando Henrique Cardoso e não foi
reconstruído no governo Lula. Então a Anatel acaba cumprindo esse papel.
A Agência, tem hoje, mal ou bem, uma equipe técnica que lhe permite
pensar em algumas coisas.
Atualmente não dá pra afirmar que o
Minicom irá se reconstruir e assumir o papel formulador, parece que tem
essa intenção, mas não dá para afirmar. Daqui um ou dois meses, será
possível um diagnóstico melhor.
Esse problema não está ligado
apenas ao esvaziamento do Minicom, o problema também está na lei (Lei
Geral de Telecomunicações) criada no governo Fernando Henrique. Ela dá
ao Executivo poder de fazer decretos sob algumas minimas questões, como
criar uma modalidade de serviço público. Na verdade, nas condições que a
lei está, o poder executivo só pode baixar o decreto se receber da
Anatel um estudo necessário. O que deixa o Minicom refém da iniciativa
da Agência, quando deveria depender apenas dele. Deveria ter a máquina
trabalhando para formular política. Infelizmente no governo Lula não se
avançou nisso. Vamos ver o que a Dilma pretende fazer de fato.
O PNBL tem realmente revitalizado o parque tecnológico brasileiro na indústria das tecnologias da informação e comunicação? Isso
foi o grande positivo deste projeto: utilizar o poder de compra do
Estado brasileiro para desenvolver a industria nacional. Nas primeiras
licitações da Telebrás, tentou-se aplicar esse princípio: isso é fato.
Tentou-se organizar os remanescente dos antigos membros da área, para
que pudessem entrar na disputa. Até onde eu saiba, existe um esforço
nesse sentido. Se esse esforço vai pra frente, é uma questão a se
avaliar mais pra frente. Mas tenho expectativa que isso avance.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
—
Voltar —
Topo
—
Imprimir
|