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Confira o artigo de Venício Lima: Direito à comunicação: o "Fórum" e a "Ciranda"
Publicado em 13.06.11 – Por Venicio A. de Lima,* na Carta Maior
Seria
difícil imaginar dois eventos com a participação de pessoas de status
sociais tão distintos e de visões tão diferentes em torno, basicamente,
do mesmo tema: o direito à comunicação. Um deles teve ampla cobertura da
imprensa; o outro, foi completamente ignorado.
No mesmo dia 27
de maio em que acontecia o “Fórum Internacional Liberdade de Imprensa e
Poder Judiciário”, no suntuoso prédio do Supremo Tribunal Federal (STF),
na Praça dos Três Poderes, em Brasília, cerca de 50 quilômetros dali,
no modesto Centro de Formação Vicente Cañas, distrito Jardim Ingá, na
periferia de Luziânia, GO, também se realizava a “IVª Ciranda de
Educação Popular”.
Seria difícil imaginar dois eventos com a
participação de pessoas de status sociais tão distintos e de visões tão
diferentes em torno, basicamente, do mesmo tema: o direito à
comunicação.
O Fórum
Realizado no STF e promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), pela Sociedad Interamericana de Prensa
(SIP), e com o apoio da Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM), o Fórum teve a participação de “ministros, juristas,
jornalistas, publishers, executivos, advogados e estudantes, além de
membros de organizações internacionais que representam a imprensa”.
O
mote principal do encontro foi dado logo na abertura dos trabalhos pela
presidente da ANJ que afirmou: “A liberdade de expressão está sob
ameaça em alguns países da América Latina. Eu cito aqui o caso da
Venezuela, o caso mais antigo de Cuba e o caso da Argentina, que era um
país com tradição democrática e que, nos últimos tempos, tem vivido
processo preocupante de reversão” [cf. programação do Fórum em
http://www.anj.org.br/sala-de-imprensa/noticias/stf-recebe-forum-internacional-sobre-liberdade-de-imprensa/].
Repete-se a equação da liberdade de expressão com a liberdade
de imprensa e desloca-se, ainda uma vez mais, do cidadão para as
empresas, o sujeito das liberdades e dos direitos.
No Fórum, o jornal “El Clarin”
recebeu o “Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa” pelo reconhecimento da
“luta pela liberdade de informação travada na Argentina”. Na verdade, o
maior grupo empresarial de mídia argentino tem feito o enfrentamento à “Ley de Medios”
elaborada com base no Sistema Internacional de Direitos Humanos, no
Sistema Interamericano de Direitos Humanos e de declarações conjuntas de
organismos internacionais como a OEA e as Nações Unidas, com o apoio de
mais de 73% dos jornalistas argentinos e aprovada pelo Congresso
Nacional em 2009.
A lei argentina criou um marco regulatório que
promove a diversidade e a pluralidade de idéias e opiniões e combate os
oligopólios midiáticos. Exatamente aquilo que os grandes grupos de mídia
tentam, com sucesso, há décadas, impedir que ocorra no Brasil [cf.
“Cristina fez o que Lula não fez”].
O Fórum recebeu cobertura da grande mídia, inclusive longa matéria no Jornal Nacional da Rede Globo.
A Ciranda
O
local de realização da Ciranda foi o “Centro de Formação Vicente Cañas”
da Pastoral Indigenista, vinculada ao Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O
nome do Centro é uma homenagem ao missionário Jesuíta Vicente Cañas, que
nasceu na Espanha, em 1939, e foi assassinado durante o processo que
levaria à demarcação da terra dos índios Enawenê-Nawê, ao norte do
Estado de Mato Grosso, em 1986.
A Ciranda foi promovida pela Rede
de Educação Cidadã (RECID), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos
que se define como “uma articulação de diversos atores sociais,
entidades e movimentos populares do Brasil que assumem solidariamente a
missão de realizar um processo sistemático de sensibilização,
mobilização e educação popular da população brasileira e principalmente
de grupos vulneráveis econômica e socialmente (indígenas, negros,
jovens, LGBT, mulheres, etc), promovendo o diálogo e a participação
ativa na superação da miséria, afirmando um Projeto Popular, democrático
e soberano de Nação” [cf. http://www.recid.org.br/ ].
Participaram
da Ciranda duas centenas de educadores populares dos mais variados
pontos do país. Os temas de discussão foram, dentre outros, as políticas
públicas de comunicação, o modelo brasileiro de comunicação e o papel
que a internet desempenha nos processos de democratização política. Além
disso, foram realizadas oficinas sobre blog e Hip-Hop; ferramentas para
criação de sítios na internet; vídeo popular; comunicoteca e
cineclubismo; cordel; teatro do oprimido e fotografia.
Estiveram
presentes, dentre outros, representantes do Ministério das Comunicações e
de entidades como o Intervozes, a Associação Brasileira de Rádios
Comunitárias, o Centro de Mídia Independente e o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação.
A IV Ciranda, por óbvio, não recebeu qualquer cobertura da grande mídia.
O direito à comunicação
As
diferenças entre o Fórum e a Ciranda são emblemáticas e, na verdade,
expressam o abismo que ainda prevalece entre boa parte da população
brasileira e, não só a grande mídia, mas algumas instituições políticas e
elites no poder.
Para os participantes do Fórum, os grandes
grupos de mídia são os representantes do interesse coletivo e da opinião
pública, ou como diria a presidente da ANJ, eles “fazem a nação falar
consigo mesmo”.
Já os participantes da Ciranda se vêm como os
infans identificados pelo Padre Antonio Vieira – outro jesuíta – como
aqueles aos quais “se tolheu a voz”. Eles constituem a significativa
parcela da população que está deixando de viver na “cultura do silêncio”
e, através da organização popular e dos recursos que as TICs colocam à
sua disposição, começa a criar formas alternativas de participar do
debate público e de fazer ouvir a sua voz.
O que de fato está em
jogo no Fórum e na Ciranda são visões opostas do direito à comunicação,
um direito social tão fundamental e importante como os direitos à saúde e
à educação e contra o qual, no entanto, existem resistências históricas
por parte daqueles que se habituaram a excluir a voz da maioria em nome
de direitos dos quais se consideram os únicos sujeitos.
*
é professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e
autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de
Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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