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Desafios da Reforma Psiquiátrica
Por Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Há
mais de 10 anos, o Brasil busca mudar a percepção sobre os direitos e o
tratamento dos pacientes psiquiátricos. Daqui para frente, quais são os
desafios?
Em 6 de abril de 2001, foi promulgada a lei 10.216,
que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
A partir daí, o Brasil fechou com mais velocidade leitos em hospitais
psiquiátricos e, ao mesmo tempo, começou a colocar em funcionamento
novas estruturas de tratamento a partir de uma perspectiva comunitária.
Dez anos depois, movimentos sociais, especialistas e o próprio
Ministério da Saúde avaliam que a política é acertada, mas que precisa
avançar.
Para entender como se estrutura hoje a atenção em saúde mental, é
preciso voltar algum tempo na história. Já na década de 1980, começa-se a
pensar em mudanças no atendimento psiquiátrico. Na cronologia descrita
pelo Ministério da Saúde sobre a Reforma Psiquiátrica em sua página
eletrônica, dois fatos são considerados importantes para estabelecerem
as condições institucionais para a implantação de novas políticas de
saúde, inclusive de saúde mental: a Constituição de 1988 e a criação do
SUS. No final dos anos 1980, surge o Movimento Nacional de Luta
Antimanicomial, com uma postura claramente contrária aos manicômios e ao
tipo de tratamento oferecido nessas instituições. Desde então, diversos
setores da sociedade começam uma grande batalha no campo da saúde
mental, exigindo um conjunto de mudanças que acabam sendo amparadas pela
lei 10.216/2001. A partir daí, a orientação passa a ser a de que o
atendimento dos pacientes com transtornos mentais seja feito nos Centros
de Atenção Psicossocial (Caps), em Residências Terapêuticas,
Ambulatórios, Hospitais Gerais e Centros de Convivência, em substituição
aos hospitais psiquiátricos. Conforme explica o Ministério da Saúde, a
reforma psiquiátrica "significa a mudança no modelo de tratamento: no
lugar do isolamento, o convívio com a família e a comunidade".
A médica psiquiatra e professora-pesquisadora da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Maria Cecília Carvalho, lembra
que, na implementação da reforma psiquiátrica, o Brasil segue um caminho
já apontado internacionalmente. "É uma tendência irreversível mundial,
o Brasil não está na vanguarda no sentido temporal. É verdade que a
Reforma Psiquiátrica aqui tem um modelo muito respeitado lá fora, mas do
ponto de vista temporal ela é posterior a outros movimentos", diz. A
pesquisadora lembra que desde a década de 1980, nos Estados Unidos e na
Europa, há muitos estudos sobre pacientes jovens, crônicos e com
problemas graves. "Trinta anos atrás, nesses países, essaas pessoas já
não estavam mais em regime de internação, como estariam em décadas
anteriores. Quando se tratava uma pessoa com transtorno mental grave em
regime de isolamento e de exclusão em um hospital psiquiátrico, de certa
forma, aquilo deixava de ser um problema para a sociedade e se
constituía um problema individual, pessoal. Então, existem muitos
estudos fora do Brasil sobre essa categoria de paciente que não vai mais
estar ‘fora da sociedade, mas vai circular na sociedade constituindo
um desafio para a saúde mental nas suas comunidades", relata.
Para o médico psiquiátrico Domingos Sávio, ex coordenador de Saúde
Mental do Ministério da Saúde, houve importantes mudanças, especialmente
nas últimas décadas. "O modelo antigo do hospital psiquiátrico não
domina mais. Tanto que o número de leitos que no fim da década de 1980
era de 86 mil, hoje é um terço disso, cerca de 32 mil leitos",
exemplifica. Para ele, a rede dos hospitais psiquiátricos está em
declínio ideológico, técnico e de legitimação social e Reforma está
prestes a se consolidar, apesar de serem necessários ainda muitos
avanços na visão dominante na sociedade sobre as pessoas com transtornos
mentais. "Digo que a reforma está 70% consolidada porque a cobertura
dos Caps e outros serviços comunitários no país tem uma cobertura de 70%
e o Caps é o serviço estratégico que substituiu o hospital
psiquiátrico. Estamos perto da meta de um Caps para cem mil habitantes.
Do ponto de vista normativo, também somos francamente hegemônicos.
Então, do ponto de vista assistencial, essa é a fotografia do momento,
mas do ponto de vista cultural, temos muito a alcançar. Apesar das
fortes mudanças nos últimos dez anos, ainda há estigma em torno das
pessoas com transtornos mentais", avalia.
A psicóloga Beatriz Adura, militante do Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial, concorda que houve um avanço significativo nas políticas
públicas de saúde mental com os serviços abertos. "Nesses dez anos nós
temos uma política de saúde mental que antes não tínhamos . Na verdade o
que tínhamos era uma política de depósito de pessoas. Mas a reforma
psiquiátrica é um processo, vamos tendo demandas e a política tem que se
adaptar a elas", observa.
Para o atual coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, Roberto
Tykanori, a reforma está se consolidando e o Brasil fez uma mudança que
poucos países conseguiram. "Na maior parte dos países existe um
problema da concentração de recursos em poucos lugares. Quando o modelo é
concentrado nas estruturas hospitalares, ali fica o dinheiro, as
pessoas e os profissionais, e isso significa um modo de atendimento em
que a pessoa basicamente será atendida quando estiver em uma situação de
muita gravidade. E um eixo fundamental da reforma é desconcentrar
recursos, profissionais e pacientes. Então, é uma mudança de referência:
nós deixamos de atender apenas no momento mais agudo para concentrar o
atendimento no cotidiano", afirma. Para comprovar esse resultado, o
coordenador cita como exemplo a balança dos recursos para a saúde
mental. "Há 25 anos, 95% dos recursos do Ministério da Saúde com saúde
mental eram gastos nos hospitais; em 2005, a balança equilibrou e a
partir daí, nós temos cada vez menos recursos nos hospitais e cada vez
mais recursos na rede extra-hospitalar", garante.
Mudança de cultura
De acordo com a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, 3%
da população sofre com transtornos mentais severos e persistentes; mais
de 6% apresenta transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de
álcool e outras drogas; e 12% necessita de algum atendimento em saúde
mental, seja ele contínuo ou eventual. Diante desse quadro, os dados
apresentados pelo Ministério acerca das iniciativas do campo da saúde
mental revelam de fato mudanças significativas. O volume de prestação de
serviços, que inclui atendimentos nas estruturas criadas e expandidas
após a aprovação da lei, como os Caps, e residências terapêuticas, por
exemplo, aumentou aproximadamente 50 vezes. Em 2002, foram realizados
450 mil procedimentos; já em 2010 esse número saltou para mais de 20
milhões, só que grande parte deles desconcentrados nos territórios.
"Trocamos as paredes por pessoas e por encontros. Esses números mostram
que o caminho da Reforma está se consolidando", diz Tykanori. O
coordenador ressalta que, entretanto, a reforma psiquiátrica é uma
mudança não só de estrutura de atendimento, mas de toda uma lógica de
entendimento sobre como a sociedade lida com pessoas que têm transtornos
mentais. "A ambição da Reforma, que é maior do que aumentar a
quantidade de oferta, é outro aspecto que diz respeito a que lugar na
sociedade essas pessoas têm. E isso implica não só certos atendimentos,
mas também uma questão cultural que se materializa na vida concreta das
pessoas: se elas podem morar de uma forma digna, participar do processo
produtivo, da educação, da política, como sujeitos plenos. E isso não é
algo que se materializa sem que haja instituições que deem essas
condições", analisa.
Beatriz Adura reforça a importância de se perceber a ‘loucura não
apenas sob a ótica da assistência. "Precisamos de políticas na cultura,
na geração de renda, na educação. Não consideramos que a saúde mental
tem que ficar restrita ao Ministério da Saúde, por mais que o ministério
seja responsável pela aplicação da lei 10.216. A rede de atenção deve
ir além da rede de saúde mental, incorporando as escolas, os parques,
para que possamos dar conta desses sujeitos", diz. Ela lembra que com o
Ministério da Cultura há, por exemplo, parcerias importantes, como o
projeto ‘Loucos pela Diversidade, que disponibiliza editais que
financiam a arte feita por pacientes psiquiátricos. Mas, para a
psicóloga, ainda é preciso uma forte luta contra o estigma. "Há uma
briga muito difícil contra a mídia, que é responsável pela divulgação de
psicopatias que generalizam a violência como se as pessoas que têm
sofrimento mental fossem violentas", critica.
Para Domingos, a reforma psiquiátrica tem um cunho ideológico justamente
porque, entre outros aspectos, precisa desconstruir esse estigma sobre
as pessoas que sofrem com transtorno mental. "A questão do estigma, da
intolerância com a diferença é ideológica. O Basaglia [Franco Basaglia,
psiquiatra] falava do duplo da doença mental‘, referindo-se ao fato de
que, além de ter a doença, a pessoa perde os direitos civis. Mudar isso
também é uma questão ideológica. A pessoa não pode sobrepor a privação
da sua cidadania à sua doença", diz.
O papel dos hospitais
Na década de 1990, o Brasil chegou a ter mais leitos psiquiátricos do
que de pediatria e de clínica cirúrgica. De acordo com dados do
Ministério da Saúde, em 1988, enquanto os leitos de pediatria e de
clínica cirúrgica representavam respectivamente 14% e cerca de 12%, os
leitos psiquiátricos do SUS somavam 19%. "Tem um preceito em saúde
pública, uma regra não escrita, que diz que você só deve deitar uma
pessoa quando ela não pode ser tratada de pé. Então, não faz sentido
tantos hospitais. Por isso, o professor Luiz Cerqueira cunhou o termo
‘período da indústria da loucura, que é como foi conhecido o final das
décadas de 1960 e 1970", comenta Domingos Sávio. Ele mostra também como
essas mudanças têm história. "O princípio da internação psiquiátrica de
Pinel foi um benefício para doentes mentais há 200 anos, porque tirou as
pessoas das masmorras e aplicou um ‘tratamento que era moral,
disciplinar, mas que era uma forma de tratamento que existia na medicina
até então. Pouco tempo depois, o isolamento dos pacientes psiquiátricos
era justificado muito com base na descoberta de Pasteur. Aplicou-se aos
doentes mentais aquilo que se aplica às bactérias, que é isolar para
conhecer. Duzentos anos depois, isso não faz mais sentido", defende.
Os dados revelam ainda que a substituição dos leitos dos hospitais
psiquiátricos pela rede de atenção extra-hospitalar avançou
significativamente, sobretudo de 2005 para cá. No entanto, ainda há
denúncias de violações aos direitos humanos em hospitais que recebem
pacientes atualmente. A região de Sorocaba, no interior de São Paulo, é
um caso emblemático. De acordo com um dossiê preparado pelo Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas)
, permanecem em funcionamento no local sete hospitais psiquiátricos,
seis deles privados e um gerenciado por entidade sem fins lucrativos.
Segundo pesquisa desenvolvida pelo grupo, de 2006 a 2009 morreram 459
pessoas nos manicômios da região. "Os indicadores mostram, em seu
conjunto, uma situação gravíssima, em todos os aspectos investigados.
Entre eles ressaltamos o número de leitos cinco vezes superior ao que a
legislação recomenda, o alto índice de pacientes-moradores
indocumentados (mais de duas vezes superior ao do restante do estado), o
número de funcionários inferior à metade do que é determinado pela
legislação e o número de mortes elevado (uma a cada três dias) - mortes
estas na maior parte dos casos por motivos evitáveis e mal-esclarecidos,
que dobram nos meses mais frios e que ocorrem em idade
significativamente mais precoce do que nos outros hospitais
psiquiátricos do estado de São Paulo", concluiu o relatório.
De acordo com Tykanori, com a denúncia do grupo Flamas, que procurou a
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, foi
realizada uma auditoria nos hospitais da região, cujo relatório ainda
não foi concluído. Além disso, foi formado um grupo de trabalho no local
com presença de representantes dos hospitais, da defensoria pública,
dos militantes do grupo Flamas, de representantes do poder municipal e
com acompanhamento do Ministério da Saúde para propor ações no sentido
de interferir no cenário da região. O coordenador afirma que apesar de
haver diversos níveis de controle sobre os manicômios, o mais direto é
do próprio município. Ele lembra, que, no entanto, a meta da reforma é
acabar com essas instituições. "A meta realmente é a de que a sociedade
não precise recorrer a esse tipo de instituição para lidar com as
pessoas com transtorno mental e para isso estamos fazendo a implantação
dessa rede alternativa a esse modelo. O que propomos é um modelo
centrado no território e na pessoa", reforça.
Domingos Sávio concorda que, ainda que haja iniciativas de fiscalização
dos hospitais, como o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de
Saúde (Pnass), só com o fim dessas instituições será possível um maior
controle público sobre a saúde mental. "Enquanto houver hospício é
difícil ter um controle. O hospital psiquiátrico é o lugar do silêncio
institucional", completa.
Internação ou acolhimento?
E no caso de pacientes que por algum motivo precisam de internação? A
resposta a essa questão é polêmica. A Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) afirma, por exemplo, que a desativação dos leitos dos
hospitais psiquiátricos deixaram os pacientes psiquiátricos
desassistidos. "A propaganda alardeada pelos defensores da luta
antimanicomial é de que os manicômios são desumanos, fato com que a
Associação Brasileira de Psiquiatria concorda, mas daí a retirar
qualquer possibilidade de uma assistência humanizada, não podemos
concordar. Precisamos de hospitais psiquiátricos de qualidade que possam
atender os pacientes que necessitam de tratamento adequado", afirma, em
nota divulgada na página eletrônica da ABP, o presidente da entidade,
Antônio Geraldo da Silva.
Já o Ministério da Saúde, o movimento da luta antimanicomial e Domingos
Sávio concordam que as estruturas previstas pela Reforma Psiquiátrica,
se aprimoradas, são capazes de cumprir essa função. Tykanori afirma que é
preciso distinguir as situações. "Quando falamos em internação, estamos
supondo que a pessoa vai para o hospital receber serviços e cuidados
que só são possíveis de serem recebidos dentro do hospital. No caso de
uma apendicite, por exemplo, as pessoas precisam ser internadas para
serem operadas, não se faz isso em um ambulatório e nem no meio da rua.
Então, em situações como essas e outras, como o excesso de uso de
medicamentos, por exemplo, as pessoas precisam ficar internadas. Mas não
quer dizer que esse tipo de cuidado precisa ser feito num hospital
psiquiátrico, pode ser num hospital geral", argumenta. A outra situação,
segundo o coordenador, é a necessidade de acolhimento dos pacientes por
outras razões, função que as instituições previstas na reforma, como os
Caps 3, que funcionam 24 horas, podem cumprir. "É sabido que muitas
vezes é bom para as pessoas se afastarem do ambiente. Por exemplo, todo
mundo sai de férias, se afasta do trabalho, ou, numa situação de
conflito familiar, às vezes a pessoa fica um tempo na casa de uma tia, e
esse afastamento cria condições para um recomeço de conversa. A maior
parte das internações psiquiátricas historicamente é motivada pela
necessidade de afastamento do ambiente, então, confunde-se a finalidade
da existência do hospital, que acaba sendo usado como um espaço de
acolhimento. Só que um espaço de acolhimento onde se concentram pessoas
acaba sendo, a médio prazo, pior do que o próprio ambiente em que a
pessoa estava. E, se afastamento vai se prolongando, as consequências
são mais complicadas ainda", defende.
Beatriz Adura concorda que o que os pacientes precisam, na maior parte
das vezes, é de um acolhimento e que, para isso, o ideal é garantir um
maior número de Caps 3. Ela constata, no entanto, outro problema: um
processo de "precarização interessada" de serviços como o Caps e as
residências terapêuticas. "É de interesse de muitos o manicômio
continuar existindo, então, é de interesse que a precarização seja
efetivada. Lutamos pela não precarização e pela implementação de
residências terapêuticas, que, para nós, são uma das saídas para as
pessoas que já tiveram uma longa internação, perderam o vínculo com a
família, ou ainda mantêm o vinculo mas não conseguem estar na família. E
isso vale também para os Caps 3, que fazem o acolhimento noturno,
naquele momento de crise, que ajuda a pessoa a lidar com a própria
crise, e que é diferente de internação", pontua.
Domingos Sávio reforça a importância de se abrirem mais leitos nos
hospitais gerais e mais Caps 3. "Isso depende de recurso financeiro, de
equipe, de tirar dinheiro de hospital psiquiátrico para passar para os
Caps. Existe uma cultura hospitalar muito forte nas megalópoles. É mais
fácil fechar hospital psiquiátrico num lugar pequeno do que na cidade do
Rio de Janeiro, por exemplo, que tem Instituto de Psiquiatria vinculado
a universidade", afirma.
Depois da lei 10.216, outra legislação, a 10.708/2003
foi elaborada no sentido de se consolidar o caminho contrário ao dos
antigos manicômios. A lei determina o pagamento de um benefício aos
pacientes que tenham ficado internados por um período igual ou superior a
dois anos. O auxílio faz parte do programa ‘De Volta para Casa, que
incentiva o retorno dos pacientes à vida fora dos hospitais
psiquiátricos, para morarem na casa de familiares, repúblicas, ou nas
residências terapêuticas. Segundo o Ministério da Saúde, parte dos
recursos do programa é proveniente do fechamento dos leitos dos
hospitais psiquiátricos. "A ideia é que o recurso investido na moradia
hospitalar seja investido em outra moradia. Por isso, o sentido de que o
recurso segue o paciente. Uma parte deve ser aportada ao município onde
ele irá morar para que os Caps sejam sustentados e outra parte vai
diretamente para o paciente para ajudar no seu dia a dia", explica
Tykanori.
Mas o movimento da luta antimanicomial reclama que existe uma burocracia
que impede que esse recurso acompanhe o paciente. Beatriz lembra ainda
outro aspecto que dificulta a efetivação dessa proposta. "Para o recurso
acompanhar o paciente, o leito precisa ser fechado e esse fechamento
não ocorre na velocidade necessária", diz Beatriz. O Ministério da Saúde
afirma que o problema acontece muito em função do relacionamento pouco
eficaz entre as esferas governamentais. "Hoje, de fato, o mecanismo é
complicado. Quando o hospital está em determinado município, o recurso
daquele hospital fica na secretaria de saúde daquele município. Se o
paciente vai para outro município, o recurso tem que ser repassado de um
município para outro. E aí existem todas as condições de pactuação
intermunicipal, e muitas vezes isso é bastante dificultoso", reconhece
Tykanori. Para o coordenador, a solução está em uma melhor pactuação
entre os governos. "Está sendo diferente hoje a forma como o ministério
negocia, pactua com estados e municípios, e acho que isso deve
viabilizar mais essa situação, no sentido de que o recurso não dependerá
tanto da relação de município para município, mas de um pacto
tripartite", diz.
Saúde mental e atenção básica
O psiquiatra e também professor-pesquisador da EPSJV Marco Aurélio
Soares considera que um importante passo já em curso para consolidar a
Reforma é a articulação entre a saúde mental e a atenção básica.
Ele explica que há experiências desse tipo em países como Canadá, Cuba e
Nicarágua. "Essa articulação pode ser muito proveitosa porque a porta
de entrada no sistema de saúde não é o Caps, mas a atenção básica. Dessa
forma os casos que chegarem nos Caps vão ser encaminhados para a
atenção básica, quepode dar conta de transtornos mentais comuns, quadros
que possam ser tratados na comunidade. Nesse sentido a saúde mental se
expande para a saúde da família", afirma. O pesquisador avalia também
que a iniciativa do Ministério da Saúde de incluir o médico psiquiatra
nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) ajuda ainda mais a
consolidar essa articulação.
Álcool e drogas
Entre os cinco tipos de Caps
funcionando hoje a partir da lei 10.516, estão os Caps ad, que são
especializados em atender casos de pessoas com problemas decorrentes do
uso prejudicial de álcool e outras drogas. Para Marco Aurélio, esse é
outro avanço na política de saúde mental, mesmo que ainda seja
necessário avançar mais na proposta. "Há alguns anos, com a diminuição
dos leitos de internação psiquiátrica, começaram a se internar pacientes
com problemas de alcoolismo e outras drogas, ainda nesse modelo
hospitalocêntrico, mas com outra clientela. Quando o Ministério assume
essa política de redução de danos, toma para si a responsabilidade de
enfrentamento dessa questão. É um projeto que ainda está caminhando. Não
existe ainda muito conhecimento acumulado em relação a isso, mas é um
avanço", destaca. (Leia a Revista Poli especial sobre Drogas)
Balanço
Maria Cecília considera que existe um desafio para toda a rede de saúde e
também para a saúde mental, que é o acesso dos pacientes aos serviços.
"Esse é um desafio que aparece quando se avança em direção à não
exclusão. É um problema do avanço de um modelo em transformação.
Isolando o paciente psquiátrico, de alguma forma ele era ‘contido, mas
issonão resolvia a situação, nem do ponto de vista sanitário, de saúde
mesmo, nem do ponto de vista dos direitos humanos. A implantação de um
novo modelo traz desafios e, entre eles, o principal é o acesso ao
tratamento", observa.
Segundo o Ministério da Saúde, existem hoje em funcionamento no país,
1.650 Caps. Um balanço da saúde mental do Ministério revela que, em
2010, havia apenas 55 Caps 3, que funcionam 24 horas e possuem leitos.
As residências terapêuticas contabilizavam 570 unidades em funcionamento
em dezembro de 2010 e mais 183 em processo de implantação. O Ministério
reconhece que ainda é preciso avançar bastante na oferta dos serviços
de saúde mental. "Hoje nós não temos cobertura no país todo, não são
todas as pessoas que estão tendo acesso: 70% do território têm alguma
oferta, mas a ideia primeira é que 100% tenha alguma oferta, e depois,
que 100% tenha ofertas que qualifiquem a vida das pessoas. Então, são
dois eixos, um quantitativo e outro qualitativo", conclui Tykanori.
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