Direitos Humanos
O Estado não pode lavar as mãos diante de mortes anunciadas
Publicado em 30.05.2011 - por CPT
A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) reputa como muito
estranhas as afirmativas de representantes da Secretaria Estadual de
Segurança Pública do Pará, do Ibama e do Incra que disseram no dia 25 de
maio desconhecer as ameaças de morte sofridas pelos trabalhadores José
Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva,
assassinados a mando de madeireiros no dia 24, em Nova Ipixuna (PA). O
ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, chegou a afirmar
que o casal não constava de nenhuma relação de ameaçados em conflitos
agrários, elaborada pela Ouvidoria ou pela Comissão Nacional de Combate à
Violência no Campo.
A CPT, que desde 1985 presta um serviço à
sociedade brasileira registrando e divulgando um relatório anual dos
conflitos no campo e das violências sofridas pelos trabalhadores e
trabalhadoras, com destaque para os assassinatos e ameaças de morte,
desde 2001 registrou entre os ameaçados de morte o nome de José Claudio.
Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. E nos relatórios
de 2004, 2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa, Maria do
Espírito Santo. Pela sua metodologia, a CPT registra a cada ano só as
ocorrências de novas ameaças.
Também o nome de Adelino Ramos,
assassinado no dia 27 de maio, em Vista Alegre do Abunã, Rondônia,
constou da lista de ameaçados de 2008. Em 22 de julho de 2010, o senhor
Adelino participou de audiência, em Manaus, com o Ouvidor Agrário
Nacional, Dr. Gercino Filho, e a Comissão de Combate à Violência e
Conflitos no Campo e denunciou as ameaças que vinha sofrendo
constantemente, inclusive citando nomes dos responsáveis pelas ameaças.
No
dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou ao ministro da Justiça, Luiz
Paulo Barreto, os dados dos Conflitos e da Violência no Campo,
compilados nos relatórios anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Um
dos documentos entregue foi a relação de Assassinatos e Julgamentos de
1985 a 2009. Até 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186
ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de
apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes condenados somente
Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do
assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.
As mortes no
campo podem se intitular de Crônicas de mortes anunciadas. De 2000 a
2011, a CPT tem registrado em seu banco de dados ameaças de morte no
campo, contra 1.855 pessoas. De 207 pessoas há o registro de terem
sofrido mais de uma ameaça. E destas, 42 foram assassinadas e outras 30
sofreram tentativas de assassinato. 102 pessoas, das 207, foram ou são
lideranças e 27 religiosos ou agentes de pastoral.
O que se
assiste em nosso país é uma contra-reforma agrária e é uma falácia o tal
desmatamento zero. O poder do latifúndio, travestido hoje de
agronegócio, impõe suas regras afrontando o direito dos posseiros,
pequenos agricultores, comunidades quilombolas e indígenas e outras
categorias camponesas. Também avança sobre reservas ambientais e
reservas extrativistas. O apoio, incentivo e financiamento do Estado ao
agronegócio, o fortalece para seguir adiante, acobertado pelo discurso
do desenvolvimento econômico que nada mais é do que a negação dos
direitos fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza. Isso
ficou explícito durante a votação do novo Código Florestal que melhor
poderia se denominar de Código do Desmatamento. Além de flexibilizar as
leis, a repugnante atitude dos deputados ruralistas, que vaiaram o
anúncio da morte do casal, vem reafirmar que o interesse do grupo está
em garantir o avanço do capital sobre as florestas, pouco se importando
com as diferentes formas de vida que elas sustentam e muito menos com a
vida de quem as defende. A violência no campo é alimentada, sobretudo,
pela impunidade, como se pode concluir dos números dos assassinatos e
julgamentos. O poder judiciário, sempre ágil para atender os reclamos do
agronegócio, mostra-se pouco ou nada interessado quando as vítimas são
os trabalhadores e trabalhadoras do campo.
A morte é uma
decorrência do modelo de exploração econômica que se implanta a ferro e
fogo. Os que tentam se opor a este modelo devem ser cooptados por
migalhas ou promessas, como ocorre em Belo Monte, silenciados ou
eliminados.
A Coordenação Nacional da CPT vê que na Amazônia
matar e desmatar andam juntos. Por isso exige uma ação forte e eficaz do
governo, reconhecendo e titulando os territórios das populações e
comunidades amazônidas, estabelecendo limites à ação das madeireiras e
empresas do agronegócio em sua voracidade sobre os bens da natureza.
Também exige do judiciário medidas concretas que ponham um fim à
impunidade no campo.
Goiânia, 30 de maio de 2011.
A Coordenação Nacional da CPT
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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