1.
"O livro morreu." Errado: são impressos a cada ano mais livros que no
ano anterior. Até agora, foram publicados um milhão de novos títulos em
2011, no mundo inteiro. Na Grã-Bretanha, em um único dia – a "super
quinta-feira", 1º de outubro de 2010 – foram publicadas 800 novas obras.
Em relação aos Estados Unidos, os números mais recentes só cobrem 2009 e
não fazem distinção entre livros novos e novas edições de livros
antigos. Mas o número total – 288.355 – sugere um mercado saudável e o
crescimento em 2010 e 2011 provavelmente será muito maior. Além disso,
estes números, fornecidos por Bowker, não incluem a explosão na produção
de livros "não-tradicionais" – mais 764.448 títulos produzidos por
edições dos próprios autores ou editados, a pedido, por microempresas. E
o negócio de livros também está crescendo em países emergentes, como a
China e o Brasil. Qualquer que seja a forma de avaliar, a população de
livros está crescendo, não decrescendo e, com certeza, não está
morrendo.
Deterioração dos textos digitais
2.
"Entramos na idade da informação." Este anúncio normalmente é entoado
com solenidade, como se a informação não existisse em outras épocas. Mas
toda era é uma era da informação, cada uma à sua maneira e de acordo
com a mídia disponível nesse momento. Ninguém negaria que os modos de
comunicação estão mudando rapidamente, talvez tão rapidamente quanto na
época de Gutenberg, mas é um equívoco interpretar essa mudança como sem
precedentes.
3.
"Agora, toda a informação está disponível online." O absurdo dessa
afirmação é óbvio para quem quer que já tenha feito pesquisa em
arquivos. Somente uma mínima fração do material arquivado já foi lido
alguma vez, muito menos foi digitalizado. A maioria das decisões
judiciais, assim como a legislação – tanto estadual, quanto federal –,
nunca apareceu na web. A imensa divulgação de regulações e relatórios
por órgãos públicos permanece, em grande parte, inacessível aos cidadãos
a quem diz respeito. O Google avalia que existem no mundo 129.864.880
livros e afirma ter digitalizado 15 milhões deles – ou cerca de 12%.
Como conseguirá preencher a lacuna se a produção continuar a se expandir
a uma média de um milhão de novas obras por ano? E como será divulgada
maciçamente, e online, a informação em formatos não-impressos?
Metade dos filmes realizados antes de 1940 sumiu. Qual o percentual
do atual material audiovisual que sobreviverá, ainda que numa aparição
fugaz, na web? Apesar dos esforços para preservar os milhões de
mensagens trocadas por meio de blogs, e-mails e instrumentos manuais, a
maior parte do fluxo diário de informação desaparece. Os textos digitais
deterioram-se muito mais facilmente que as palavras impressas em papel.
Brewster Kahle, o criador do Internet Archive, avaliava, em 1997, que a
média de vida de uma URL era de 44 dias. Não só a maioria das
informações não aparece online, como a maioria das informações que
alguma vez apareceu provavelmente se perdeu.
Transição para a ecologia digital
4.
"As bibliotecas são obsoletas." Biblioteconomistas do país inteiro
relatam que nunca tiveram tantos clientes. Em Harvard, nossas salas de
leitura estão cheias. As 85 bibliotecas vinculadas ao sistema da
Biblioteca Pública de Nova York estão abarrotadas de gente. As
bibliotecas fornecem livros, vídeos e outro tipo de material, como
sempre fizeram, mas também preenchem novas funções: acesso a informação
para pequenas empresas, ajuda nos deveres de casa e atividades
pós-escolares das crianças e informações sobre emprego para
desempregados (o desaparecimento dos anúncios "precisa-se" nos jornais
impressos tornou os serviços da biblioteca fundamentais para os
desempregados).
Os biblioteconomistas atendem às necessidades de seus clientes de
muitas maneiras novas, principalmente guiando-os através dos mistérios
do ciberespaço para material digital relevante e confiável. As
bibliotecas nunca foram armazéns de livros. Embora continuem a fornecer
livros no futuro, também funcionarão como centros nervosos para a
informação digitalizada – tanto em termos de vizinhança, quanto dos campi universitários.
5.
"O futuro é digital." Relativamente verdadeiro, mas equivocado. Em 10,
20 ou 50 anos, o ambiente da informação será esmagadoramente digital,
mas a predominância da comunicação eletrônica não significa que o
material impresso deixe de ser importante. Pesquisa feita na História do
Livro, disciplina relativamente recente, demonstrou que novos modos de
comunicação não substituem os velhos – pelo menos no curto prazo. Na
verdade, a publicação de manuscritos se expandiu após Gutenberg e
continuou progredindo por três séculos. O rádio não destruiu o jornal, a
televisão não matou o rádio e a internet não extinguiu a TV. Em cada
caso, o ambiente de informação se tornou mais rico e mais complexo. É
essa a experiência por que passamos nesta fase crucial de transição para
uma ecologia predominantemente digital.
Leituras descontínuas
Menciono esses equívocos porque acho que eles atrapalham a
compreensão das mudanças no ambiente da informação. Fazem com que as
mudanças pareçam muito dramáticas. Apresentam as coisas fora de seu
contexto histórico e em nítidos contrastes – antes e depois, e/ou, preto
e branco. Uma visão mais sutil recusaria a noção comum de que livros
velhos e e-books ocupam os extremos opostos e antagônicos num espectro
tecnológico. Devia-se pensar em livros velhos e e-books como aliados, e
não como inimigos. Para ilustrar esta afirmação, gostaria de fazer
algumas breves observações sobre o mercado de livros – ler e escrever.
No ano passado, a venda de e-books (textos digitalizados criados para
leitura manual) duplicou, respondendo por 10% das vendas no mercado de
livros. Este ano, espera-se que atinjam 15%, ou mesmo 20%. Mas há
indícios de que a venda de livros impressos também aumentou no mesmo
período. O entusiasmo pelos e-books pode ter estimulado a leitura em
geral e o mercado, como um todo, parece crescer. Novos leitores
eletrônicos de livros, que operam como o ATM (protocolo de
telecomunicações), reforçaram essa tendência. Um cliente entra numa
livraria e solicita um texto digitalizado de um computador. O texto é
baixado para o leitor eletrônico, impresso e entregue na forma de uma
brochura em quatro minutos. Esta versão do serviço "impresso-por-pedido"
mostra como o antiquado manuscrito pode ganhar vida nova com a
adaptação à tecnologia eletrônica.
Muitos de nós nos preocupamos com a diminuição da leitura profunda,
reflexiva, de ponta a ponta do livro. Deploramos a guinada para blogs,
fragmentos de texto e tuítes. No caso da pesquisa, poderíamos reconhecer
que os instrumentos de busca têm vantagens, mas nos recusamos a
acreditar que eles possam conduzir ao tipo de compreensão que se adquire
com o estudo contínuo de um livro.
Seria verdade, entretanto, que a leitura profunda diminuiu, ou mesmo
que ela sempre tenha prevalecido? Estudos feitos por Kevin Sharpe, Lisa
Jardine e Anthony Grafton provaram que os humanistas dos séculos 16 e 17
muitas vezes faziam leituras descontínuas, procurando passagens que
poderiam ser usadas nas ácidas batalhas de retórica em juízo, ou pedaços
de sabedoria que podiam ser copiados para livros banais e consultados
fora de seu contexto.
Informação histórica
Em seus estudos sobre cultura entre pessoas comuns, Richard Hoggart e
Michel de Certeau enfatizaram o aspecto positivo de uma leitura
intermitente e em pequenas doses. Em sua opinião, cada leitor comum se
apropria de livros (incluindo panfletos e romances de paixão) à sua
maneira, induzindo-lhes o significado que faz sentido para sua
compreensão. Longe de serem passivos, esses leitores, segundo Certeau,
agem como "plagiadores", pescando um significado daquilo a que têm
acesso.
A situação da escrita parece tão ruim quanto a da leitura para
aqueles que só veem o declínio, com o advento da internet. Um deles
lamenta-se: os livros costumavam ser escritos para o leitor comum;
agora, eles são escritos pelo leitor comum. É evidente que a internet
estimulou a autopublicação, mas o que há de errado nisso? Muitos
escritores, com coisas importantes a dizer, nunca haviam conseguido uma
editora para publicá-los – e quem achar seu trabalho de pouco valor,
pode simplesmente ignorá-lo.
A versão online das publicações pagas pelo autor pode contribuir para
sobrecarregar as informações, mas os editores profissionais se sentirão
aliviados com esse problema e continuarão fazendo o que sempre fizeram –
selecionado, editando, diagramando e negociando as melhores obras.
Terão que adaptar seus talentos à internet – mas já o fazem – e podem
tirar vantagem das novas possibilidades oferecidas pela nova tecnologia.
Para citar um exemplo de minha experiência, recentemente escrevi um livro impresso com um suplemento eletrônico, Poetry and the Police: Communication Networks in Eighteenth-Century Paris
(Harvard University Press). Descreve como as canções de rua mobilizaram
a opinião pública numa sociedade amplamente analfabeta. A cada dia, os
parisienses improvisavam novas letras para antigas melodias e as canções
fluíam com tamanha força que precipitaram uma crise política em 1749.
Mas como é que as melodias alteravam seu significado? Depois de
localizar as anotações musicais de uma dúzia de canções, pedi a uma
artista de cabaré, Hélène Delavault, para gravá-las para o suplemento
eletrônico do livro. Assim, o leitor pode estudar o texto das canções no
livro ao mesmo tempo em que as escuta online. O ingrediente eletrônico
de um antigo manuscrito torna possível explorar uma nova dimensão do
passado, capturando seus sons.
Poderiam ser citados outros exemplos de como a nova tecnologia
reforça velhos modos de comunicação, ao invés de miná-los. Não pretendo
minimizar as dificuldades que enfrentam escritores, editores e leitores,
mas acredito que uma reflexão com base na informação histórica poderia
eliminar os equívocos que nos impedem de usufruir ao máximo da "idade da
informação" – se assim a devemos chamar.
*
Reproduzido de The Chronicle of Higher Education,17/4/2011;
este texto baseia-se numa palestra que o autor fez em março sobre o
"Futuro das Humanidades", no Council of Independent Colleges Symposium,
em Washington; tradução de Jô Amado