Entrevistas
Entrevista com Carlos Latuff, o cartunista político
Carlos
Latuff, cartunista brasileiro, retrata em seus cartuns questões
políticas globais como o conflito histórico entre judeus e palestinos;
e, recentemente, desenvolveu uma série de cartuns sobre os protestos
civis contra o ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak. Reconhecido em
diveros festivais de cartum no mundo, Latuff é respeitado pela sua
criatividade e ativismo político. Latuff nos concedeu esta entrevista
exclusiva ilustrada com seus desenhos e com uma matéria da TV Brasil, na
qual veiculou a posse de seus cartuns nas mãos dos manifestantes do
Egito em janeiro de 2011, confira a seguir.
Por Diário Liberdade
Latuff, como era seu interesse pelo desenho em sua infância?
Via
muita TV, nos anos 70, passava horas assistindo desenhos animados de
Hanna Barbera e me entretendo com revistas pra colorir, e claro,
revistas em quadrinhos. Isso tudo me serviu de inspiração. Seguindo
conselho de meu pai, parei de copiar o que via na televisão e comecei a
criar meus próprios personagens, monstros, heróis, etc. Posteriormente,
já nos anos 80, dois programas fizeram muito a minha cabeça, ambos da TV
Educativa (atual TV Brasil): "Plim Plim o Mágico do Papel" com o
artista plástico Gualba Pessanha (infelizmente esquecido pela maioria) e
Daniel Azulay.
Em 1989, o que o levou a iniciar a sua carreira numa agência de publicidade?
A
partir dos 15 anos, quando fui trabalhar como office boy num banco em
Ipanema, pra ajudar em casa, passei bons anos em empregos que nada
tinham a ver com minhas habilidades artísticas. Com o tempo percebi que
deveria buscar e apostar naquilo que eu acreditava. Pedi demissão do
empreguinho que tinha e fui correr atrás de um trabalho onde pudesse
desenhar. E ,depois, de alguns meses desempregado, consegui, graças ao
Robinho do Jornal Balcão (não me lembro mais o nome dele todo, mas dele
não esqueço jamais), uma vaga numa pequena agência de varejo, no centro
do Rio.
Desde os anos 90, você trabalha com a imprensa sindical, você possui liberdade de criação nesse segmento?
Muito mais do que teria trabalhando pra chamada "grande"imprensa, pode apostar.
Em 1999, você conheceu a Cisjordânia, nessa viagem você abraçou a causa palestina?
Sim,
depois de presenciar como o regime israelense vem tratando os
palestinos, me senti movido a por meu trabalho a serviço deste povo, não
só para reafirmar e exaltar sua força e bravura, como também denunciar
os tantos crimes impunes do Estado de Israel. Visitar a Cisjordania ou
mesmo campos de refugiados palestinos é como visitar favelas. É tomar
ciência de incontáveis histórias de abusos e brutalidades contra homens,
mulheres e crianças. Demolições de residências palestinas para dar
lugar a estradas e assentamentos judaicos, checkpoints que restringem o
ir e vir dos palestinos, cortes de água, assassinatos a sangue frio,
bombardeios, bloqueios como os que acontecem em Gaza, a lista é longa.
Em 2006, você foi acusado de ser anti-semita ao ter publicado um
cartum no site Casa da Caricatura do Irã em resposta aos cartuns que
satirizavam maomé na imprensa europeia, como era desenho?
R: Eis o desenho:
Na verdade, a alegação absurda é de que este desenho seria "negação
ao holocausto", o que na verdade se revela exatamente o contrário.
Quando faço esta metáfora, comparando os territórios palestinos ocupados
por Israel a campos de concentração, estou fazendo alusão a um fato
histórico, e portanto, reafirmando a existência do holocausto nazista.
Na TV de Israel há programas que relatam as questões com os
palestinos abertamente. Na sua opinião, por que os judeus temem tanto a
força de um cartum?
No passado, particularmente no século
XIX e XX com a ascensão dos nazistas, charges anti-semitas eram comuns e
aceitáveis socialmente na Europa. Imagens ridicularizando os judeus ou
mesmo os colocando como a origem de todos os males do mundo. Este clima
de desumanização serviu como base para a campanha de extermínio de
Hitler. Portanto, é justificável que as charges sobre Israel tenham esse
impacto sobre a comunidade judaica. No entanto, o que se vê nos dias de
hoje, são organizações, grupos de influência como a Anti Defamation
League, que associam as charges contra o Estado de Israel como ódio aos
judeus, numa tentativa de criminalizar críticas as políticas
israelenses.
Todas as charges que tenho feito são criticas ferozes
sim a líderes políticos, militares, colonos e a Israel enquanto ente
político, e não ao Judaísmo ou etnia semita (onde estão incluídos os
árabes).
Você já foi ameaçado?
Em 2006
um site ligado a uma organização partidária israelense ("Likudnik")
publicou artigo sobre meu trabalho onde conclamava as autoridades e
mesmo internautas a tomarem medidas contra mim. Disse inclusive que
Israel já deveria ter "tomado conta de mim há tempos","de um jeito ou de
outro".
Permite-me fazer uma pergunta delicada: o desenhista Kurt
Wetergaard em 2005, depois de ter publicado um cartum ironizando Maomé
passou a ser perseguido pelo islã, na sua opinião, até que ponto
religioso-cultural um desenho pode chegar?
Creio que é importante uma distinção clara do que é uma crítica e uma agressão.
Se
Wetergaard tivesse feito um líder islâmico com um turbante em forma de
bomba, não haveria essa revolta dos muçulmanos. A dupla Cox&Forkum
fez desenhos assim por anos e nem por isso houve levante popular.
Wetergard,
assim como o sueco Lars Vilks, escolheram deliberadamente o Profeta
Maomé para agredir a fé islâmica, já que para seus seguidores, a simples
representação gráfica do profeta já é ofensivo. Uma coisa é
ridicularizar o papa Bento XVI, líder da fé católica. Outra é chutar a
imagem de Nossa Senhora.
Em janeiro de 2011, seus
desenhos inspiraram os jovens egípcios contra o então presidente
Mubarak, o que você sentiu ao ver suas obras em meio aos protestos em
Cairo?
Dois dias antes dos protestos que culminaram com a
queda do Mubarak, fui contactado via Twitter por ativistas egípcios que
já conheciam meus trabalhos sobre a Palestina e queriam charges para
seus blogs, cartazes e comunidades no Facebook, como a "Somos todos
Khaled Sahid" (blogueiro espancado até a morte pela policia egípcia)
cujo autor fui saber depois era Wael Ghonin, executivo do Google e tido
como uma das lideranças do movimento.
A princípio tinha feito 5
charges. Depois que vi fotos de agências de notícias e de internautas
mostrando manifestantes com as charges pelas ruas do Cairo, continuei
produzindo desenhos até a queda de Mubarak. Fico honrado de ter tido meu
trabalho apropriado por eles.
Sobre a política nacional, você pretende aprofundar a sua criatividade sobre os nossos temas?
Tenho
feito isso cotidianamente, só que para a imprensa sindical de esquerda,
que infelizmente, não tem muita visibilidade. Mas a ela devo minha
carreira e minha existência.
Fale um pouco de seus novos projetos, divulgue e deixe sua mensagem aos seus fãs. Nenhum
projeto em especial, apenas continuar colocando meu trabalho a serviço
das causas populares no Brasil e no mundo. Agradeço a todos que fazem
minhas charges correrem os quatro cantos do planeta.
Vídeo da TV Brasil sobre os cartuns de Latuff no Egito.
Núcleo
Piratininga
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