Mdia
Notícias internacionais têm pauta única
As agências de notícias tradicionais foram criadas como
empreendimentos para a divulgação de informações financeiras em meados
do século 19. Apoiadas pelos governos dos países onde tinham sede, essas
agências nunca deixaram de ver o mundo segundo a ótica peculiar desses
mesmos países.
Por Laurindo Lalo Leal Filho
Quando a revolta árabe chegou à Líbia,
fornecedora de grande parte do petróleo consumido na Europa, a batalha
da informação tornou-se mais acirrada.
Notícias falsas começaram
a circular pelas agências internacionais de notícias e por algumas
redes de televisão. No Brasil foram reproduzidas sem crítica.
Duas delas:
1) O presidente Muhamar Kadaffi recebe asilo político da Venezuela e segue para Caracas.
2) Kadaffi negocia com rebeldes sua saída do pais. Quer levar a família e grande quantia em dinheiro.
Mentiras
logo esquecidas. Quando o repórter da Telesur relatou, ao chegar a
Trípoli, que a situação era de calma na cidade foi ridicularizado pela
Folha de S.Paulo e por uma de suas articulistas, até com chamada de
capa.
Aquela altura toda a corrente majoritária da mídia
internacional, acompanhada pela brasileira, dava como certa uma rápida
vitória dos rebeldes.
A Telesur mostrava que na Líbia a situação
era diferente do que havia ocorrido na Tunísia ou no Egito. As
manifestações de massa não tinham chegado ao centro do poder e poderia
haver um equilíbrio maior entre os lados em conflito, o que acabou se
confirmando.
A atuação da Telesur, ao lado da Al-Jazira e outras
emissoras árabes, mostra a importância de uma diversidade maior no fluxo
internacional de informações.
As agências de notícias
tradicionais foram criadas como empreendimentos para a divulgação de
informações financeiras em meados do século 19.
A Reuters, de
1851, esteve durante muito tempo a serviço da família Rothschild,
interessada em informações rápidas e precisas sobre os mercados
financeiro e mercantil da Europa.
Apoiadas pelos governos dos
países onde tinham sede, essas agências nunca deixaram de ver o mundo
segundo a ótica peculiar desses mesmos países.
Tanto é que a
UNESCO, nos anos 1970/80, impulsionou o debate por uma Nova Ordem da
Informação e da Comunicação interrompido com ascensão dos governos
Reagan, nos EUA, e Thatcher, no Reino Unido.
Perceberam esses
governantes que uma “nova ordem” informativa implicaria num
enfraquecimento do projeto neoliberal, em fase inicial de implantação no
mundo.
A sonhada circulação de notícias sul-sul, capaz de
quebrar o fluxo informativo norte-sul, foi adiada. EUA e Reino Unido
chegaram a cortar suas contribuições financeiras para a UNESCO como
forma de pressioná-la a deixar de lado o debate sobre a comunicação.
E
foi o que aconteceu. Os anos 1990 assistiram a um perfeito entrosamento
entre a ordem econômica e a ordem informativa, alinhadas no projeto
neoliberal.
Mantinha-se praticamente intacto o fluxo informativo
internacional implantado no século 19 pelas três grandes agencias
internacionais européias (Reuters, Wolff e Havas) e, associado no século
20, às estadunidenses AP e UPI.
A centralidade de poder era tão
grande que notícias da Bolívia só chegavam ao Brasil depois de passar
por Nova York, Paris ou Londres.
Se a UNESCO não conseguiu
romper essa lógica, o surgimento de novas tecnologias da informação e a
visão estratégica de alguns governos, como os da Venezuela e do Qatar,
puseram em cheque a ordem estabelecida.
No Egito, relata Paulo
Cabral, ex-correspondente da BBC Brasil no Cairo, as antenas parabólicas
estão em quase todos os domicílios captando essencialmente emissoras
árabes como a Al-Jazira.
Suas informações – ao longo de muito
tempo – serviram de caldo de cultura para desencadear a revolta,
ampliada a seguir pela redes na internet.
A Telesur, por sua vez, vem demonstrando a importância da existência de pautas alternativas às das grandes agências.
Como
exemplos pode-se citar as cobertura do golpe de Estado contra o
presidente Zelaya, em Honduras; as libertações de reféns pelas Farc na
Colombia e mesmo as reuniões de chefes de Estado sulamericanos, tão
maltratadas pela mídia tradicional.
Infelizmente, no entanto,
imagens da Telesur e da Al-Jazira quase não chegam até nós. No caso da
emissora latina é necessária a compra de um decodificador, ligado a uma
antena direcionada para o satélite por onde trafegam os seus sinais
televisivos.
Mas existem dois caminhos bem mais simples: sua
inclusão no menu das operadoras de TV por assinatura e a utilização dos
seus serviços pelas emissoras brasileiras nos telejornais, como o que é
feito com CNN, Reuters e outras.
Isso só não ocorre porque as
operadoras de canais fechados e as TVs abertas negam-se a veicular
visões de mundo desalinhadas do pensamento único.
E mesmo
emissoras públicas, com poucas exceções, preferem seguir a pauta diária
estabelecida pelas grandes agências internacionais, curvando-se ao
modelo em vigor no mundo desde 1835, quando Charles Havas fundou a
primeira agência internacional de notícias na França.
****** Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e
jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros,
de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão
(Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
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