Por NPC
LUTARMADA: a música para a transformação social
A entrevista do BoletimNPC desta quinzena é sobre um movimento social que escolheu
a música como o seu principal instrumento de luta: o coletivo LUTARMADA. Desde 2004, o grupo atua em
todo o Rio de Janeiro com o hip-hop. Faz muitos anos que o ritmo vem
conquistando seu lugar no mercado, mas o espaço que o LUTARMADA escolheu para
ter é o da militância, da busca por um mundo mais justo e igualitário. Leia a entrevista
descontraída sobre música, sustentabilidade, movimentos sociais e outros
assuntos que fizemos com Gas-PA, de 37 anos, morador de Padre Miguel, e Mimil,
de 21 anos, morador de Costa Barros, ambos participantes do movimento.
BoletimNPC: O que é o LUTARMADA, e quando ele
teve início?
Gas-PA - O
Coletivo de Hip-Hop LUTARMADA é uma união de artistas/militantes do Hip-Hop que
resolveram, uns colocar a sua arte a serviço da luta contra-hegemônica, e
outr@s, além disso, atuar mais diretamente nessa luta. E estamos nessa desde
2004.
BoletimNPC: Além disso, fale quando você
resolveu entrar para este movimento.
Gas-PA - Eu sou um
dos fundadores. Mimil foi um dos primeiros a ser convidado pro coletivo, mas há
pouco tempo se retirou.
BoletimNPC: Como descobriu o mundo da
música, especificamente, o mundo do hip-hop? E o que é o hip-hop? Quando ele
surgiu no Brasil?
Gas-PA - O hip-hop
apareceu no Brasil por volta de 1983 através do Rap e do Break que, naquele
momento, protagonizava até abertura de novela global no horário nobre. Rap (a música),
Break (a dança), Graffiti (a arte visual) e DJ (quem faz a trilha sonora pra
tudo isso acontecer). Naquela época ninguém sabia nada a respeito. Só bem mais
tarde é que os envolvidos vieram a saber que tudo isso era parte de um único
corpo chamado hip-hop. E eu descobri o Rap - e por consequência o hip-hop, porque
eu praticava BMX e o REP faz parte do universo desse esporte. Já tinha curtido
o Rap e o Break no começo dos 80, mas nessa época pra mim era só uma moda.
Mimil - Eu
conheci o hip-hop quando uma irmã minha começou a namorar um cara que tinha
vindo de São Paulo pra morar aqui no Rio. Um dia fui à casa dele com ela e ele estava
ouvindo Rap, o que me fez passar a gostar desse ritmo e de hip-hop desde então.
BoletimNPC: Suas músicas sempre foram voltadas para a questão social?
Mimil – Sim, pois
quando comecei a escrever eu já estava n’O
Levante. Então não tinha como eu seguir outra linha. Até mesmo porque é
melhor fazer música voltada para as questões sociais do que aquelas que não têm
nenhum conteúdo ou que não abrem os olhos do povo para o que está
acontecendo à sua volta.
Gas-PA - Lógico.
Eu sempre curti vários estilos musicais, mas fui conquistado pelo Rap porque
ele se mostrou como algo muito além da música. Se não tivesse o teor político
que tem (ou tinha), ia ser só mais um gênero musical pra eu consumir como os
outros.
BoletimNPC: E o mercado da música, dá espaço
para os cantores que escolhem a militância como fonte de vida? Como é esta
relação?
Mimil - O mercado
não abre espaço, mas a gente consegue fazer a nossa música chegar a muitos
lugares. Se fôssemos querer mesmo fazer
"sucesso" teríamos que mudar nossa forma de fazer letra e
isso não é com a gente.
Gas-PA – E, além
do mais, quem tem que se preocupar com mercado é artista profissional. Nós não
somos profissionais, somos militantes. Os CDs que nós vendemos são pra repor o
que foi gasto na produção e pra lançar outro CD de outro grupo do LUTARMADA. O
próximo, provavelmente, será o do “Dialética”.
BoletimNPC: No seu último CD, você reuniu
acontecimentos e problemáticas que o morador de favela sofre todos os dias,
como é colocar isso em letra de música?
Mimil – Bom isso é
o que nós vivemos no dia-a-dia. Essa é forma diferente de mostrarmos o problema
que enfrentamos.
Gas-PA - Pra mim é
como aqueles cuidados que você tem que ter com a saúde. Ou eu ponho isso nas
músicas d’O Levante, ou eu infarto.
BoletimNPC: Como
são feitas as suas músicas? Como é todo o processo até produzir um CD?
Gas-PA - Ah, pra mim eu vou deixando
a inspiração pintar e vou escrevendo. Depois tem a pesquisa para ver o que
vamos ampliar. Depois produzimos os instrumentais. Mais tarde tem a parte que
pra mim é a mais terrível que é decorar e aprender a cantar a letra. Isso é um
saco. Se a letra saiu da minha mente, por que dá tanto trabalho para voltar pra
lá de novo? Depois é só ir para estúdio e botar a voz. Daí a gente ouve o CD
com calma pra pensar no título e na capa. Ambos têm que refletir, capturar e
informar a essência do que está lá dentro.
BoletimNPC: É possível viver da música?
Gas-PA - Ué! Não
tem um monte de gente que vive?
BoletimNPC: E a juventude, ela é atraída
pelo hip-hop ou ainda é um desafio para os que militam nesta área? Qual é o
público que vocês querem conquistar com este ritmo?
Gas-PA - É que o
hip-hop é como um polígono. Tem várias faces. A nossa corrente é bem pouco
atraente, em comparação com a corrente que eu acredito ser hoje a majoritária. A
que hoje está em todos os canais de TV e estações de rádio mexe com a fantasia
das pessoas. Fala de um mundo de faz de contas e coloca o público em contato
com aquilo que ele aprendeu a almejar no mundo capitalista, povo este muitas
vezes privado do básico e com poucas perspectivas. Esse hip-hop de conto de
fadas é muito sedutor. Tem um cara que gravou seu clipe dentro de uma loja de
carros! Você consegue imaginar isso? Ele vai lá, grava as cenas dentro daqueles
carros caros e depois volta pra casas de Gol bola, ou quem sabe até de ônibus.
Depois ele grava em frente a uma mansão, correndo o risco de o dono da mansão
chamar a polícia com medo do pretinho parado na porta dela. Mas estão lá, a
mansão e o carrão.
BoletimNPC: E o que vocês oferecem de
diferente?
Nós, artistas/militantes, oferecemos a perspectiva
de luta por dias melhores. Só que esses "dias melhores" soam como
algo tão distante (bem mais distante que a mansão e o carrão), e a ideologia
burguesa joga com a ilusão da possibilidade de mobilidade social para todos,
principalmente depois de um retirante ex-operário chegar à presidência. Daí,
geral acha que a mansão está ao alcance de todos, desde que se esforcem pra
isso. A mídia burguesa está a toda hora mostrando exemplos de sucesso
individual. E quem mostra para essa gente exemplos de conquistas coletivas, de
revoluções democráticas, revoluções socialistas, na mesma proporção em que os
casos de sucesso individual aparecem? Então o nosso Rap não será tão atraente
assim paras grandes massas, para essa juventude refém da TV. Quem escuta o
nosso som é quem já está engajado na luta anti-capital. Essas pessoas se sentem
contempladas a cada verso. É como eu digo em uma música do primeiro CD: que (a
nossa música) seja o hino da luta anti-capital.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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