Entrevistas
Marilena Chauí: Sem comunicação não há democracia
Mais uma vez a professora Marilena
Chauí, filósofa e titular da Universidade de São Paulo, é a entrevistada
da capa da Caros Amigos. Em 1999 e em 2005, ela proporcionou aos
leitores excelentes análises sobre universidade, democracia e eleições.
Agora, a renomada professora retoma a análise da última campanha
eleitoral e, mais uma vez, critica a atuação da grande imprensa
empresarial, que, segundo ela, ignorou ou criminalizou a candidatura de
Dilma Rousseff. Vinculada ao PT desde os anos 80, defensora entusiasmada
dos governos Lula, Marilena Chauí apresenta a sua visão sobre o atual
momento de transição, as questões mais candentes em relação à necessária
e urgente democratização da comunicação.Participaram Bárbara Mengardo, Baby Siqueira Abraão, Cecília
Luedemann, Débora Prado, Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza,
Lúcia Rodrigues, Otávio Nagoya, Renato Pompeu, Tatiana Merlino, Wagner
Nabuco. Fotos: Jesus Carlos.
Em 2006, a senhora ficou profundamente descontente com a postura da
mídia durante o período eleitoral, e agora a imprensa teve novamente um
comportamento bem complicado. A gente ueria que a senhora começasse
falando sobre a sua avaliação da cobertura da mídia nas eleições
presidenciais. Marilena Chauí – Eu diria que não houve
cobertura. Houve a produção midiática da campanha eleitoral e das
eleições. Cobertura significaria mostrar o que efetivamente estava se
passando no primeiro turno com todos os candidatos e no segundo turno
com os dois candidatos que restaram. E não foi isso que aconteceu. A
candidata Dilma não teve em instante nenhum a sua campanha coberta pela
mídia. Ela teve a sua campanha ou ignorada, ou deformada ou
criminalizada.
Do lado do candidato Serra também não houve uma
cobertura da campanha dele. Porque se tivesse havido uma cobertura da
campanha dele, o que a mídia deveria ter mostrado? Essa coisa
extraordinária que eu nunca vi acontecer em lugar nenhum de um candidato
se autodestruir. Primeiro, o vice, ele não conseguiu escolher o vice e
depois deu uma escolha que não foi feita por ele e insignificante. Em
seguida, ele começa a campanha descendo a lenha no governo Lula, o qual,
entretanto, numa pesquisa de opinião, tinha tido quase 90% de ótimo e
bom, e, provavelmente, as pessoas que acompanhavam o programa do Serra,
aquelas que opinam, devem ter dito que não era uma boa, aí ele passou a
dizer que ia fazer o que o Lula estava fazendo, mas melhor. Aí, quando
ele começou a explicar o que era melhor, começou a fazer propostas
completamente alucinadas, foi uma alucinação que ele propôs.
Bom, mas
quando nós chegamos nesse ponto, você tem a entrada em cena do segundo
turno. Ora, na hora que entra em cena o segundo turno, o que é que vem
como uma avalanche? O famoso dossiê. O dossiê que foi atribuído ao PT,
disseram que a Dilma tinha mandado fazer, que foi o famoso dossiê que o
Aécio fez. Foi o dossiê que invadiu todos os planos da vida do Serra, e
mais, atingiu diretamente a filha dele, que eles tinham dito que o PT
que tinha violado a menina, a Verônica. Foi uma completa produção do
Aécio, em Minas. Ora, isto que destruiria qualquer candidatura em
qualquer tempo e lugar, o servilismo da mídia foi tal, que isto, ou não
apareceu, ou apareceu em pequenas notícias e de uma maneira tão confusa
que ninguém sabia do que se tratava.
E, depois, quando entrou em cena o
aborto, em primeiro lugar a mídia nunca disse que quem introduziu o tema
do aborto foi a Marina, que fez um discurso conservador dos evangélicos
para os evangélicos, introduziu os temas religiosos e o tema do aborto.
Como ela não entra no segundo turno, o Serra se apropria desse tema.
Ora, uma imprensa que está defendendo a liberdade de expressão, como é que ela pode embarcar
na entrada em cena como tema eleitoral de uma questão que pertence ao
espaço privado, e é uma questão de religião, que é o aborto? A plena
cobertura que foi dada a isso, contradizendo o próprio significado
daquilo que a imprensa deveria de entender por coisa pública, espaço
público, opinião pública e liberdade de pensamento e de expressão!
Bom,
então, depois, no caso da Dilma, é mais interessante do que a não
cobertura da campanha do Serra, porque no caso da Dilma, tentou-se
primeiro a guerrilheira. É a guerrilheira, a guerrilheira... E eu tinha
dito a uns amigos, este é um caminho perigoso. É um caminho perigoso,
porque, em termos de história pessoal, é muito paralela à história do
próprio Serra. Se você pega o comício dos cem mil, no Rio [de Janeiro],
em 1961, o discurso mais radical do comício não foi o do Jango, não foi o
do Brizola, não foi o do Julião, foi o do Serra como presidente da UNE.
Ele fez o discurso afirmando... o núcleo do discurso do Serra em 1961
foi revolução armada. Então, eu dizia [é] um perigo, porque se eles
enveredarem pela figura da Dilma guerrilheira, eles vão ter que dizer
que o Serra pregou em 1961 para cem mil brasileiros a revolução armada.
A senhora acha que foi diferente essa cobertura da cobertura de 2006 e da cobertura de 1989? O que há de diferente? Eu acho que a diferença não é de
natureza, a diferença é de grau. Eu diria que, desta vez, tudo aquilo
que se realizou num grau um pouco menor, um pouco mais prudente, desta
vez, o véu caiu de uma vez só e atingiu o grau máximo de procedimento.
Então, eu diria, não é diferente se eu considerar o modo de proceder,
mas é diferente se eu considerar o grau em que isto foi feito.
Você levantou alguns elementos que usaram para difamar a campanha
dela. E aí você colocou que um, que durou inclusive até o final, foi que
parecia que ela estava à sombra do Lula o tempo inteiro. Você acha que
qualquer candidato teria isso ou você acha que foi por ela ser mulher? Ah, qualquer candidato teria. Teria sido
isso, pelo seguinte, porque a gente não tem analisado muito o que
aconteceu com a figura do Lula, já quase no final do segundo turno.
Quando se percebeu que a possibilidade de vitória da Dilma era grande, e
havia as pesquisas de opinião sobre o governo e sobre o próprio Lula, a
mídia, e quem começou isso foi a própria Globo com uma clareza... Ela
começou a produzir a figura mítica do Lula. E é através da mitificação
da figura do Lula que se vai, agora, falar da Dilma.
Então, eu diria que
é preciso fazer operar juntos o tratamento dado à Dilma com a mudança
no tratamento dado ao Lula: “Isso é o Lula, isso é o mito do Lula, ele a
não vai poder, porque isso é o Lula que é capaz.” Isso é o analfabeto
beberrão. Durante oito anos era o analfabeto beberrão, que agora é o
mito político inigualável que ninguém é capaz de alcançar. Mas, ao lado
disso, você tem o que? Durante oito anos, nós tivemos que aguentar que
era um problema o Lula aparecer nos lugares os mais diferentes e
improvisar. Tinha mania de improvisar os discursos e aí dizia muita
bobagem. Quanta bobagem ele disse por causa de improvisar. Então, Dilma
ganha e vai à televisão, leva um discurso e lê. O que você vê nos
comentadores da televisão, nos comentadores do rádio e no dia seguinte
nos jornais? “Ah, não tem a capacidade de improviso do Lula, ela precisa
ler, coitada, tudo dela é preparado... Você vê, ela teve que vir
preparada, ela não é capaz de improvisar.” Eu tinha vontade de
atravessar os fios eletrônicos e bater nas pessoas, porque chegou num
grau de perversidade, num sentido psicanalítico do termo.
No nível do
discurso, não dá mais, porque quando você vira na direção da perversão, a
primeira característica da perversão é a de que ela é impermeável ao
discurso. O grande problema da terapia psicanalítica na hora em que ela é
impermeável ao discurso, porque a psicanálise opera no nível da
linguagem. E você tem um evento que está ou aquém ou além do discurso.
Então, a perversidade e a perversão dos comentários sobre o fato de ela
ter o discurso escrito foi tal que eu falei: Já temos aqui o que serão
os próximos quatro anos. Os próximos quatro anos vão ser um inferno como
foram os oito do Lula, e sobretudo os quatro primeiro anos do Lula. Vai
ser um inferno e não tem jeito.
Como é que a senhora explica que o PT tenha ido mais para a direita,
ele fez alianças com partidos de direita, com o Sarney, com Maluf, com
Renan Calheiros, com Jader Barbalho? Não, eu acho que é uma coisa
interessantíssima que é... E isso é um elemento curioso da origem
sindical do Lula e dos seus próximos. E que foi muito criticada:
“Sindicalista nunca é radical, sindicalista gosta de negociar, é um
negociador, faz concessão...” É verdade. A peculiaridade, entretanto, do
sindicalista negociador é que ele negocia com duas características: ele
negocia, mas deixa uma ponta sem negociar para a ação seguinte que ele
vai realizar. Ele não negocia por completo, ele deixa outra por negociar
para exigir mais. O segundo traço, ele não negocia sem o aval da
classe.
Bom, então, vamos pegar o governo de um sindicalista. A primeira
coisa é: fez todas essas alianças. Por que? Desde 2005, desde a
maldição do mensalão (eu não aguento mais bater nessa tecla), já falei
muito isto: se você não fizer uma reforma política, se você não mudar o
sistema político-partidário do Brasil, essas alianças permanecerão para
sempre, porque o sistema partidário está montado de tal maneira que quem
tem a maioria no poder executivo nunca terá a maioria no poder
legislativo.
Lúcia Rodrigues - Por que? Por causa do sistema da representação.
Você tem super-representação, você tem a sub-representação. Você tem a
proliferação de siglas de aluguel, você tem a desigualdade regional. E
uma série de outros pequenos mecanismos no interior do sistema
partidário. Eu não me conformo, porque foi um sistema deixado pelo
Golbery [do Couto e Silva], quando percebeu que a ARENA corria o risco
de perder para o PMDB. Ele deixou um sistema que, primeiro, fazia algum
sentido ao bipartidarismo, mas que não faz nenhum sentido no
pluripartidarismo. E que, além disso, tem uma série de traços deixados
pela ditadura que tornam inviável você operar, efetivamente, com a
representação que tem um alicerce no seu respectivo partido. Isso pegou
todos os presidentes da República: Tancredo, Sarney, Collor, Fernando
Henrique e Lula.
Eu diria que é um elemento de distorção institucional e
de freio na democracia, sem falar nas práticas republicanas que são
postas em jogo. Porque, o núcleo da democracia que o Executivo e o
Legislativo negociem: eu faço x e você faz y. É constitutivo de uma
democracia que haja essa negociação contínua. Mas, no nosso caso, você
vai da negociação para a negociata, porque o sistema é tal que há um
hiato entre o Executivo e o Legislativo. Tem que fazer a reforma
política. Eu estou muito contente, porque eu estou ouvindo a Dilma dizer
que vai fazer. Vamos examinar as realizações do governo Lula e ver se o
sistema político que forçou essas alianças impediu as coisas essenciais
do governo Lula. Não impediu. Você tem 18 milhões que saíram da linha
da miséria, 32 milhões que saíram da linha da pobreza, 40 milhões de
empregos novos com elevação salarial. Você tem 73 Conferências Nacionais
com 70 mil pessoas participando para decidir sobre todos...
Mas, no caso da Comunicação, as 672 propostas não saíram do papel até agora... Nós vamos chegar lá, nós vamos chegar
lá, espera um pouquinho. Você pega o modo como a economia foi concebida,
de demanda interna, de crescimento interno, de impedir o processo de
desindustrialização que tinha sido iniciado, de controlar o poder
financeiro e de investir pesadamente no conjunto das políticas sociais
que produzem a inclusão econômica.
Para ler a entrevista completa e outras matérias confira a edição de dezembro da revista Caros Amigos, já nas bancas.
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