Por NPC
Orlando Zaccone: “Nós precisamos aproximar a polícia da sociedade”
O delegado
Orlando Zaccone foi um dos painelistas da mesa “A década
do medo: mídia, violência e UPP”, um dos temas mais esperados pelos
participantes do 16º Curso Anual do NPC, já que o tema violência não saiu das
páginas dos jornais cariocas, principalmente nos dias do curso.
Autor do livro
Acionistas do nada: quem são os traficantes de
drogas,
Zaconne é responsável pelo Núcleo de Controle de Presos da Polícia Civil do Rio
de Janeiro, setor que coordena as políticas junto às unidades carcerárias da
Polícia Civil.
Por Katia Marko e Ana Lúcia
Ribeiro
O que você achou de participar de um encontro
que reúne militantes sindicais e populares? Orlando Zaconne - Foi maravilhoso. Só de ter o meu nome lembrado
e como policial ser convidado para um evento ligado aos movimentos sociais e
sindicais já é uma grande honra. Pois é um reconhecimento de que a polícia
também pode ter uma participação junto aos interesses populares. Eu penso que
essa é a grande virada que a gente tem que dar. Não existe sociedade, dentro
dessa forma de organização que nós estamos hoje, sem polícia. Pode até ter
Estado sem exército, agora Estado sem polícia não existe. Então, se é uma
instituição presente na forma de organização das nossas sociedades, nós temos
que aproximá-la da sociedade e não do Estado. Acho fundamental os policiais
participarem dos debates dos movimentos populares e dos sindicatos. Porque a
polícia é estado de exceção puro. Ela tem a decisão, e a decisão da polícia
também pode ser, em algum momento, favorável aos interesses populares, eu
acredito nisso.
Mas essa visão é uma exceção na polícia? Zaconne - É, mas as exceções podem virar regra.
Historicamente a polícia reproduz o "status quo". As forças armadas também,
mas a gente já teve em vários momentos na história do nosso país, as forças
armadas se aliando aos interesses populares, participando de movimentos
populares.
Mas as pessoas têm medo da
polícia... Zaconne - Sim, mas isso depende hoje de uma luta interna
de nós policiais no sentido de começarmos a nos aproximar desse outro jogo, que
não é do jogo dos interesses das razões do Estado, dos grupos dominantes, mas
sim dos interesses populares. Eu acredito que isso é possível. Até porque os
policias são oriundos das classes populares. Eu mesmo, meu pai é filho de
imigrante italiano que veio para o Brasil pobre. E os policiais hoje são
recrutados nos mesmos setores populares dos criminosos. A grande maioria dos
policiais militares, principalmente os que estão na base da corporação, os
soldados, os cabos, são oriundos das favelas.
Depois do Tropa de Elite 1, o pessoal da favela dizia que a meninada não queria
mais ser traficante, queria ser soldado do BOPE. O quanto é real essa
atratividade da polícia e do BOPE pra essa galera? Zaconne - É lógico que a violência e os armamentos
representam poder. Tem o aspecto da subjetividade que atrai, mas agora a questão
é a seguinte: esses garotos vão querer ser policiais pra quê? Pra trabalharem em
beneficio das populações dos guetos, de onde eles vieram, ou contra? Então, a
questão é essa, o importante não é o fato deles serem oriundos desse ambiente, é
o que, quais são as funções que eles vão exercer na polícia. Por isso que eu
falei no debate que pra mim hoje pior do que o desvio das funções da polícia são
as funções da polícia. Quando se fala em desvios da função, como a corrupção, é
preciso dizer que a corrupção policial está inserida na corrupção da estrutura
do Estado. Corrupção na polícia é coisa de criança. Prostituição, jogo, droga,
perto do que a gente sabe que existe de corrupção na estrutura do Estado não é
nada. Mas se reforça sempre o discurso de purificação das corporações através do
combate da corrupção justamente para colocar o desvio como problema, quando na
verdade o problema da polícia não é o desvio, o problema da polícia é a função.
O que a gente tem que discutir são as funções da polícia e eu acho que esse
debate interno entre os policiais pode ajudar a que as forças policiais se
coloquem, é lógico, a policia não vai fazer uma
revolução...
Mas esse debate já está
existindo? Zaconne - Existem policiais debatendo, eu sou um exemplo
disso. Eu tenho notícias de haver um debate no Maranhão, no Rio Grande do Sul.
No território nacional tem policiais que estão com esse questionamento. E eu
acho que uma hora, esses policiais vão conseguir se reunir pra tentar um novo
projeto.
É mais difícil um debate dentro da polícia? Tem
um sistema de repressão interna? Zaconne - Tem, porque foram feitos mecanismos que
esvaziaram o debate da polícia. Os primeiros sete anos da academia de polícia
entendeu o policial como uma máquina de guerra. Ele não é visto como uma pessoa
que vai pensar a segurança pública, até porque se
apropriaram.
Mas eles podem falar? Porque tenho a impressão
de que eles têm medo de falar... Zaconne - Sim, eles têm medo. O policial não tem uma rede
de proteção, como um promotor, um juiz. O juiz e o promotor têm garantias
constitucionais, coisas que o policial não tem. O policial por uma decisão
política pode ser retirado a qualquer momento da função que ele ocupa, ao
contrário de um juiz. Então, acho que também são questões a serem discutidas,
porque há todo um debate pra uma lei orgânica das policias, aos moldes do que
acontece com a Lei Orgânica da Magistratura do Ministério Público que vá buscar
também algumas garantias de proteção aos policiais frente ao poder político. Mas
isso também é um perigo, imagina no dia em que a polícia tiver uma certa
autonomia em relação ao poder político? Agora, quem tem que brigar por isso,
quem tem que enxergar que isso é bom não são só os policiais, é a
sociedade.
Nós vemos uma reatividade dos movimentos
sociais à polícia... Zaconne – Mas isso é justamente pela falta de visão de
que a polícia é necessária na forma de sociedade que temos hoje. E não tenho
nada contra as utopias, eu também sonho com uma sociedade sem estado. O que nós
temos que pensar é que polícia nós queremos. A sociedade precisa debater a
importância da polícia como uma aliada da sociedade.
Mas nós vemos toda uma ação policial que leva a
essa reação negativa. Como que se constrói dentro da polícia essa visão de
criminalização da pobreza? Zaconne – Essa é a função da polícia. Não é o desvio. A
função da polícia é justamente fazer essa separação do que é ilegal e o que é
legal. Essas funções é que precisam ser debatidas. Por que hoje a grande maioria
dos presos são acusados por tráfico e roubo? Será que existe só tráfico e roubo?
Mas aí podemos entrar em outra discussão. Então vamos ampliar esse poder
punitivo para as classes sociais que não são atingidas por esse processo
seletivo ou vamos fazer uma redução de danos? Que é o que eu proponho. Por
exemplo, eu fui em um debate em que um deputado que já atuou na área de
segurança, não quero citar o nome, disse que iria propor no Congresso uma lei
para aumentar a pena de pessoas com nível superior como uma forma de isonomia
nessa seletividade que é desigual. Eu disse que isso não resolveria, pois seria
muito pouco aplicado. O melhor seria fazer o contrário, uma proposta de lei que
reduzisse a pena daqueles que não têm ensino fundamental. Mas aí também é o
canto da sereia onde, as vezes, os movimentos sociais ficam iludidos. Essas
políticas repressivas, muitas vezes, são questionadas pela esquerda somente pela
seleção desigual como se aumentássemos a repressão para outros setores a questão
estaria resolvida. A repressão não é a única forma de controle social. Nós temos
que começar a discutir na sociedade outras formas não repressivas de controle
social. Existe um fetichismo de que a polícia vai resolver toda a desordem e
isso é no mundo inteiro. Ninguém questiona isso. Mas as áreas sociais e
econômica do Estado também têm que ser questionadas. A polícia não vai dar conta
de todo o desmonte que foi feito. Então, essa aproximação da sociedade com a
polícia também é para acabar um pouco com esse fetichismo. Nós não somos
salvadores da pátria.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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