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Violência em remoção de comunidade no Recreio dos Bandeirantes no Dia Internacional dos Direitos Humanos
Publicado em 12.12.10 - Por Rede Contra a Violência
Os Jogos Olímpicos de 2016, que ainda nem começaram, já estão
deixando seus legados pela cidade. Não necessariamente positivos. As
obras viárias previstas (algumas em andamento), a princípio importantes
para a mobilidade urbana, têm provocado o deslocamento maciço de
inúmeras comunidades, que se encontram no traçado original dos
projetos. É importante mencionar que estes nunca foram discutidos com
os moradores destas localidades. É o caso do corredor Transoeste, que
ligará a Barra da Tijuca a Santa Cruz. Atualmente, três comunidades do
Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro, têm sofrido as
consequências perversas desta obra: Restinga, Vila Harmonia e Vila
Recreio II. Uma quarta praticamente deixou de existir recentemente: a
comunidade Notre Dame.
Não apenas não se discutem alterações no traçado do projeto, como a
alternativa habitacional quase sempre não é digna do nome: a única
"alternativa" é a "escolha" de um apartamento construído pela
prefeitura, com recursos federais do programa Minha Casa, Minha Vida,
nos bairros de Cosmos e Campo Grande. Todo o processo de remoção das
comunidade se inicia com um rápido e eficiente processo de
convencimento de parte dos moradores de uma dada localidade.
Entretanto, neste caso, convencimento vem quase sempre atrelado de
coação e ameaças, tornando-se quase sinônimos. Frequentemente, são
funcionários da subprefeitura local que realizam este processo.
Importante lembrar que o atual prefeito deu autonomia operacional a
estas administrações regionais para que fizessem parte das ações do
programa de remoções municipal em curso.
Em alguns casos, as equipes
das subprefeitura ficam responsáveis por todo o processo: do
convencimento à demolição. Foi isto o que ocorreu na Vila Recreio II ao
longo dos últimos meses, uma localidade que fica próxima a Avenida das
Américas, alvo da obra de duplicação no projeto Transoeste.
Funcionários da subprefeitura da Barra foram à comunidade diversas
vezes e, alegando uma suposta prática democrática, foram convencendo,
através de coação, muitos moradores a aceitarem a "alternativa". Em
alguns casos, indenizações de valores irrisórios também foram
ofertadas.
Moradores da Vila Recreio 2 são pressionados a deixar suas casas
Há algumas semanas a retirada das pessoas e as demolições
das casas começaram. Na última sexta-feira, dia 10 de dezembro (aliás,
Dia Internacional dos Direitos Humanos) ocorreu mais um capítulo dessa
trágica novela. A aceleração da derrubada das casas se iniciou durante a última
semana. Funcionários da prefeitura retornaram à comunidade para
pressionarem os moradores. Estes funcionários teriam dito a eles que
fossem imediatamente à Secretaria de Habitação (SMH) para pegarem "o
cheque", pois a intenção da prefeitura era derrubar todas as casas até
sexta-feira. Muitos moradores, com medo de perder os seus pertences,
saíram da comunidade diante da ameaça de que não haveria tempo para
retirarem os seus bens. Estes mesmos funcionários ainda questionariam
alguns moradores sobre uma ação judicial existente que reivindica uma
indenização mais justa. Estes moradores, diante de tais
questionamentos, afirmaram que estavam preocupados em sofrer alguma
represália pelo fato de terem ajuizado a ação.
Após estas intimidações, os agentes do poder público passaram,
então, a marcar as casas que ainda não possuiam a inscrição da SMH.
Isto deixou os moradores consternados e preocupados, posto que o trecho
da comunidade exigido para a realização das obras já havia sido marcado
e aquela ação não fazia sentido. Os funcionários da prefeitura que lá
estiveram foram questionados sobre tal atitude, mas disseram não saber
o motivo da marcação. Entretanto, estes mesmos agentes apontaram que
desta vez não haveria tempo para que uma equipe de assistentes sociais
fosse à comunidade fazer o cadastramento.
No dia 10, uma equipe da subprefeitura, composta pelos responsáveis
pela negociação e demolição, realizou a maior derrubada de casas até
então. Um fato interessante, entre os escombros e a poeira, chamou a
atenção dos presentes: tanto a retroescavadeira, quando o capacete de
alguns operários e do chefe de obras tinham a inscrição "Odebrecth".
Embora o chefe de obras tenha retirado o adesivo que indicava o nome da
referida empresa, ficou claro que os operários (que estavam com o
uniforme com a logomarca da secretaria de obras da prefeitura carioca)
e a retroescavadeira utilizada estavam sob responsabilidade da empresa
que comanda toda a obra da Transoeste: a construtora Odebrecth.
Importante destacar que todo o procedimento de demolição não
respeita nenhuma norma de segurança, isto é, não garante a proteção nem
dos moradores que se encontram no local, nem dos próprios operários
responsáveis pela derrubada das casas. Além disso, ao deixar o rastro
de destruição, deixa também fios elétricos expostos, vidros de janelas
espalhados, vergalhões a mostra, além de deixar a comunidade exposta a
proliferação de doenças transmitidas por animais como o rato.
Violência física e simbólica
Chama a atenção a forma truculenta e violenta com a qual os
funcionários, especialmente da subprefeitura, tratam os moradores,
principalmente aqueles que mais resistem à política de remoções da
prefeitura. Violência aqui assume diversas formas: desde a simbólica e
o poder público, através da forma como essas populações são definidas
pelo imaginário coletivo e o poder público, passando pela violência
psicológica, visto que são submetidas a pressões quase diárias, até a
violência física propriamente dita. Este é o modo típico de atuação do
poder público em relação às camadas populares.
Eis, então, o que aconteceu: durante a demolição de casas já
negociadas, um funcionário da subprefeitura, de nome Alex, queria
derrubar de qualquer maneira uma construção que fica às margens da
Avenida das Américas. Disse que ali havia poucas coisas e que se
poderia retirá-las e jogá-las (sic) em qualquer lugar. Tentou
arrombá-la, mas não conseguiu. O morador dono daquela moradia estava
ali próximo e foi chamado às pressas por outras pessoas que observavam
a ação do agente público. Ele foi, então, conversar com o Alex e
explicar o que havia dentro de sua casa. Enquanto isso, algumas
pessoas, entre elas Tiago, morador da comunidade Vila Harmonia (que
estavam ali para prestar solidariedade aos moradores da Vila Recreio
II), estavam registrando o que ocorria na localidade e decidiram filmar
a conversa entre o Alex e o referido morador.
Após alguns instantes, Alex se irritou e agrediu Thiago, segurando-o
pelo colarinho da camisa e o empurrando, chegando até a levantar uma
das mãos como se fosse desferir um soco no jovem. Neste instante, sua
mãe, que estava próximo, moradores da própria Vila Recreio II e outras
pessoas foram ajudá-lo, tentaram tirá-lo das mãos de Alex. Reclamariam
ainda da atitude de Alex, apontando-lhe que não poderia fazer aquilo.
Cercado de guardas municipais, que ameaçaram usar os cacetetes e a arma
de choque (mesmo a agressão tendo partido do agente da subprefeitura),
Alex afirmou que tinha direito sobre sua imagem e que não podia ser
gravado, pois existiria uma lei que lhe garantia isso sem, contudo,
mencionar qual seria esta. Alegando que estava sendo agredido, ameaçou
dar voz de prisão, mas, diante da resistência das pessoas ali presentes
contra arbitrariedade, questionando sua suposta autoridade policial,
recuou. Alex apontou que não entendia por que Thiago e outras pessoas
da Vila Harmonia estavam ali, já que "a questão deles é outra e que,
por isso, não tem que se meter".
Três coisas podem ser ditas sobre
isso: em primeiro lugar, Alex tentou abusar de sua autoridade de
funcionário público, status que, inclusive, não está muito claro, pois
ele costuma circular nas comunidades sem identificação. Em segundo, por
se tratar de uma atividade pública, o registro se faz mais do que
necessário. Afinal de contas, uma das caraterísticas do serviço público
é (e tem que ser) a publicidade. Caso contrário, configura uma ação
ilegal. Em terceiro lugar, faltou ao referido agente público a
compreensão de que há solidariedade entre os moradores de diversas
comunidades ameaçadas de remoção pela prefeitura e que a resistência à
opressão é legítima.
Após Thiago e os demais moradores da Vila Harmonia terem ido à
delegacia prestar queixa, Alex continuou na Vila Recreio II, desta vez,
tentando convencer os moradores de que fora agredido primeiro e de que
os que supostamente o haviam feito eram baderneiros. Posteriormente,
após saber que denúncias contra ele e a ação da subprefeitura estavam
sendo feitas na Defensoria Pública, Ministério Público e Comissão de
Direitos Humanos da Alerj, mudaria a versão contada às pessoas na
comunidade. Afirmou que entendia a situação dos moradores e que "se
pudesse ajudar, até ajudaria". Apontou que quem ordena as demolições é
o subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, Tiago Mohamed Monteiro.
Obviamente tentando se desvencilhar das críticas direcionadas a ele,
disse que o subprefeito quer que se derrubem as casas de qualquer
maneira. Ainda na estratégia de tentar ganhar a confiança dos presentes
e afastar a imagem de truculento que possui (confirmada pelas suas
ações), sugeriu que os moradores se organizem e chamem a imprensa, pois
a prefeitura teria medo desta. Entretanto, apesar de jogar a
responsabilidade para o subprefeito (que, segundo Alex, é aplaudido
pelo prefeito mesmo sem este saber o que está acontecendo), não
conseguiu convencer aqueles moradores que querem continuar e que não
aceitam a forma truculenta como costuma agir.
Para completar a acumulação de violações de direitos destas
populações, o jovem Thiago e os demais moradores da Vila Harmonia não
puderam fazer queixa na 42a delegacia. Nesta, foram informados de que o
depoimento e o registro de ocorrência não seriam feitos, pois "não
daria em nada, nenhum juiz vai querer saber". Contudo, a denúncia foi
feita na Ouvidoria do Ministério Público.
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Piratininga
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