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Por NPC
Jornalista Martin Granowsky, do Página 12, participou da mesa “A comunicação digital e a batalha hegemônica"

O jornalista Martin Granowsky participou da mesa “A comunicação digital e a batalha hegemônica” no 16º Curso do NPC. Granowsky é licenciado em História e jornalista. Esteve de 1987 a 2005 no jornal argentino Página/12, onde foi desde redator até o cargo de subeditor. De 2005 a 2009, presidiu a Agência Nacional de Notícias da Argentina (Telam). Hoje está de volta ao Página/12 como colunista, tem um programa de rádio e estreia em breve a apresentação de um programa de televisão.

BoletimNPC- Como foi o processo de construção da Lei do Audiovisual na Argentina?

Por Marina Schneider

Martin Granowsky - Foi um processo popular, de construção social. A iniciativa original, há pelo menos cinco anos atrás, não foi do governo. Foi de uma coalizão social, chamada Coalizão dos 21 pontos, que reuniu 21 princípios de democratização do espaço audiovisual. Contou com rádios comunitárias, especialistas, universidades, artistas etc. Foi uma coalizão social, não de indivíduos, mas organizada. Foi uma base organizada com alguns indivíduos importantes, mas não individual, que insistiu com paciência. Foram realizadas muitas palestras, pequenas e grandes, percorrendo a Argentina para fazer explicações práticas e não só recolhendo assinaturas. Por exemplo, explicavam aos artistas quais seriam as conseqüências práticas para cada um na sociedade. Isso foi feito setor por setor, mostrando, neste caso, por exemplo, que envolver mais conteúdos de produção nacional traria mais trabalho aos produtores, artistas, pessoas do teatro, do cinema... A possibilidade de mais canais de televisão significaria mais possibilidade de produção.

Essa explicação funcionou como mobilização. Ao mesmo tempo, os princípios fundamentais foram a diversidade e o ‘não’ aos monopólios, porque monopólios atentam contra a diversidade. E a Argentina é um país diverso socialmente, etnicamente, do ponto de vista dos interesses culturais, é um país complexo etc. Essa é a realidade. Não é que você tenha que fazer uma revolução e depois adaptar a realidade a essa revolução. Não. Essa é a realidade que você tem e esta realidade não está satisfeita com os meios de comunicação social audiovisual. Não é difícil mostrar essa realidade diversa porque ela existe, as pessoas vivem, experimentam, não é uma teoria. O problema da teoria pura nas lutas da comunicação social é que são teorias muito abstratas, em geral, muito difíceis de compreender. Se você começa a falar de teoria da manipulação... Eu não acredito na efetividade disso. Não é que eu não pense que não existe.

Existe, mas para mobilizar, o fundamental são objetivos propositivos, palpáveis e alcançáveis que vão ter conseqüências no cotidiano das pessoas. Porque a realidade já tem conseqüências, e com a possibilidade de as pessoas exercerem uma forma de expressão diversa, elas sabem exatamente que terão mais chegada, mais impacto. Porque a Argentina tem, ao mesmo tempo, um processo muito importante de rádios comunitárias, por um lado, e no começo da democracia, em 1983, 1984, se deu um processo de constituição de rádios pequenas, não legalmente, mas de fato. Mas muitas! Foi um fenômeno muito importante de democratização real: rádios comunitárias e rádios pequenas. Eu, pessoalmente não estou de acordo que a única rádio que vale é a rádio comunitária. Não, para mim é errado. E não estou não concordo também com o ‘ONGismo’. ONG, tudo bem, mas ONGismo é diferente. Levar em consideração povos originários, tudo bem.

Mas ter em conta artistas que de um dia para outro ‘se convertem’ em povos originários para tirar proveito é diferente. Eu respeito ONGs, mas não respeito ‘ONGismo’, que é uma utilização desleal de ONGs. Então, você tem o fenômeno das rádios comunitárias e o das rádios pequenas, que pode ser de uma família, no fundo de casa. Há muitas dessas. Eu não diria que são ilegais, mas não estão aprovadas. A grande vantagem disso é democracia: informação e entretenimento. A outra vantagem é trabalho. Um amigo meu, que morava em uma cidade próxima a Buenos Aires tinha uma rádio, na qual trabalhavam ele e a filha. Era um micro-empreendimento familiar, não tinha crédito, não tinha ajuda. Ele acabou formando, com militantes sociais e estudantes universitários que trabalhavam na rádio voluntariamente, sem receber, dois colégios secundários, que depois, foram aprovados pelo Ministério da Educação. Então você tem uma rede: as rádios, a educação, a contenção social dos mais pobres na grande Buenos Aires, foram muito importantes. Esse tipo de micro-empreendimento é muito importante. Há gente que quer o socialismo e há gente que não quer e você pode querer o socialismo, mas se você quer o socialismo, ele não é para já. Ter que esperar o socialismo abstrato, absoluto sem propriedade privada dos meios de produção? Não, isso é ridículo. Então o critério somente comunitário das rádios, da televisão, dos processos audiovisuais faz com que fiquem fora todas essas experiências, não é suficiente. Essas experiências têm muito esforço porque são micro-empreendimentos, empresas familiares.

E essas famílias têm que viver, têm que jantar. E, naturalmente, essas iniciativas não correm risco de virar monopólios, ao contrário, desafiam cotidianamente os monopólios. Fabricam a rede pensando na comunidade porque partem da comunidade. Há dois tipos de fenômenos: as rádios comunitárias e as chamadas rádios de baixa freqüência. Elas foram muito importantes nos antecedentes da Lei do Audiovisual, na coalizão dos 21 pontos. Elas conheciam perfeitamente a realidade. Elas foram se convertendo naturalmente em quadros políticos e quadros sociais, conhecendo uma realidade mais ampla, foram ao Congresso, ao Parlamento. No princípio eram três ou quatro ‘loucos’ os que foram ao Parlamento, eram tratados como loucos.

Mas você sabe quando o parlamentar tem a sensação de que esses ‘loucos’ sabem sobre o tema, conhecem a legislação, sabem como funciona em outros países... então esse parlamentares sabiam que não podiam falar qualquer coisa e começaram a se despertar para o tema. E eles sabem que algumas dessas pessoas são influentes em suas comunidades, não são ‘loucos soltos’, são ‘loucos lindos’, como se diz na Argentina. ‘Maluco lindo’, ‘louco lindo’ é um aventureiro com coração, com cabeça e que trabalham muito. Não só trabalham, como trabalham socialmente. São, de fato, redes. Começaram a constituir redes de comunicadores. Faziam, congressos, seminários, criando uma rede maior com universidades, com outros países, com experiências latino-americanas, com conhecimento. Outro fator importante, na Argentina, foi o fator sul-americano.

 


BoletimNPC- O que você chama de fator sul-americano? 

Martin Granowsky - Olhar a América do Sul, olhar as experiências e os elementos concretos de cada experiência. Eu tenho uma experiência como presidente da Telam, agência estatal de informação. Fui presidente durante cinco anos, no governo de Nestor Kirchner e de Cristina Kirchner. Um dia o Equador, com o novo governo de [Rafael] Corrêa, pediu cooperação. Nós fizemos o que fizemos também, no Paraguai, a pedido de [Fernando] Lugo.

Primeiro fomos ao Equador. O governo não tinha nada, não só em termos de comunicação. Uma delegação oficial de cooperação foi ao Equador para ajudar na negociação da dívida externa, formar alguns organismos estatais e também a agência de notícias. No Equador, que deve ter cerca de 40% da população de povos originários, e parte deles havia votado em Rafael Corrêa. Eu me lembro que estava falando de computação, de vídeos e de utilização de novas tecnologias, que são mais baratas hoje, em centros urbanos. Aí uma pessoa me interrompeu, pediu desculpas e disse que no Equador não foi assim. Disse que o desenvolvimento dos povos originários no interior do país é comunitário e isso não quer dizer que não tenham nenhum computador ou câmera de vídeo.  

Tem sim, uma ou duas, mas que 50 pessoas vão utilizar. A pessoa disse que foi assim que foi feita a campanha eleitoral de Corrêa. Então, alguns preconceitos que temos desaparecem com isso. A gente acaba aprendendo com a realidade dos outros. Quando você começa a trocar, acaba aprendendo. O tema do uso da Internet, do uso plataforma digital, ela pode ser também comunitária. Pode ser individual, mas pode ser também comunitária. Na Bolívia é o mesmo fenômeno. No passado não havia esses recursos, agora há e as pessoas usam. Você tem essa rede, porque tem a estrutura comunitária dos povos originárias. Esse sistema não é o mesmo nas grandes cidades, por exemplo. Na grande Buenos Aires, Buenos Aires e o cinturão industrial, há 12 milhões de pessoas.

A população total da Argentina é de 40 milhões. A área é pequena, mas há muitas rádios comunitárias e pequenas no noroeste e no nordeste, e o passado é de conversação, articulação, mobilização... Essa experiência é muito interessante e é o mesmo padrão de experiência da luta pelo matrimônio igualitário, que foi triunfante esse ano na Argentina. Foram cinco anos de muita tranqüilidade e a população se mobiliza mais em momentos sem polarização eleitoral – é uma conclusão que estou tirando por esses dias, porque estou entrevistando quem participou. Eles trabalham mais em outros momentos, sem polarização porque estes temas se deformam nessas épocas, são utilizados. A experiência do matrimônio igualitário, a experiência agora pela descriminalização do aborto, também, a tática, olhando também o Brasil, é de desfazer a luta nesses momentos de polarização. Quando você tem a possibilidade de instalar esses temas sem muito perigo de utilização pela polarização, é mais eficaz porque aí o diálogo está menos contaminado, menos contaminado de campanhas de formação da direita... Eles sempre vão fazer, mas menos.


BoletimNPC- No Brasil, você acha que teríamos ‘maturidade’ para fazer uma experiência dessas?

Martin Granowsky - Sim. Nesses dois casos, de movimentos que têm raízes sociais ou políticas, mas que não vêm do Estado, foi preciso que o governo decidisse. Você tem uma equipe, mas alguém tem que decidir, tem que ter um diretor técnico e quem tem possa decidir: agora tem que chutar para gol. E quem tem que fazer isso é a pessoa com poder. É necessário empoderar o poder, porque o poder político também necessita poder, ele está atacado por interesses das corporações. Então, a primeira etapa é a acumulação social e política. A segunda etapa é a articulação com o vértice do Estado, do governo. Porque essas rádios existiam no começo da democracia, mas a Lei dos Serviços Audiovisuais aparece nos governos Kirchner, de Néstor e Cristina.

Então não é suficiente o movimento social. É necessária articulação com o governo. Com o matrimônio igualitário foi igual. Kirchner era deputado e o símbolo foi que ele deixou bem claro que ia jogar pessoalmente, apostar nisso. Com a Lei dos Meios, o processo foi: quando o poder executivo decidiu, em 2008, que iria impulsionar a Lei dos Meios, tomou as propostas da Coalizão dos 21 Pontos, formou uma comissão discreta, de redação concreta de uma lei, com alguns especialistas inclusive que haviam sido os mesmos dos 21 Pontos, e fez um pré-projeto que é um livro, que Cristina [Kirchner] chama de lei anotada. Cada artigo tem uma fundamentação nacional ou internacional. Esse pré-projeto foi apresentado e, após isso, o governo organizou mais de dez audiências abertas, mas formais, convocadas pelo poder executivo. Incorporou as modificações desses fóruns, negociou duramente – foi uma negociação muito dura no Congresso – e o Congresso aprovou no ano passado. Isso não se faz facilmente.

Os temas centrais são diversificação e controle do monopólio, que são princípios antimonopólicos, que tem a ver com a história norte-americana, por exemplo. Na década de 1970 ou 1980, os Estados Unidos romperam com o monopólio que havia – estamos falando dos EUA e não de Cuba - foi muito duro, com interesses, houve prisões, lobbies... Mas eles cumpriram. Falei com muitas pessoas nos EUA e o que eles explicavam é que nos EUA, se não houvesse isso, a ABLI ia ser mais importante que o Estado. Não era um tema de socialismo, era um tema de poder político. Um Estado ou uma corporação? Eles fraturaram a empresa em sete partes. Duramente, mas fizeram. Na Argentina, uma das coisas que a comissão redatora da lei considerou foi esse tipo de experiência. Nos EUA, Holanda, Espanha, Canadá. Não foi a Venezuela. Foi nos países que são modelos do liberalismo, da democracia, da livre concorrência etc. Aqui eu fiz parte do Comitê Federal de Radiodifusão e fomos junto com embaixador argentino nos EUA para uma série de conversas com representantes, equipe, ONGs de usuários, etc, que nos contaram sua experiência.

Quando contávamos a situação dos monopólios na Argentina eles arregalavam os olhos. A tática dos monopólios da grande mídia foi, primeiro, dizer que estavam cerceando a liberdade de imprensa, a atacando imprensa em geral. Mentira. A lei não estabelece nada para a imprensa escrita, nenhum artigo. Mas se um grupo você tem TV à Cabo, TV aberta, rádio e imprensa escrita, a lei acaba atacando os interesses do grupo. É impressionante, pois eles falam de censura, mas as coisas que escrevia sobre Cristina Kirchner são impossíveis com censura. Vão além do respeito elementar com qualquer mulher ou pessoa. Chamavam ela de égua! Isso era dito nas rádios... ou seja, liberdade de imprensa absoluta. Inclusive para insultar. Eu creio que é um efeito bumerangue. É um tema tático. Se você deixa e não polemiza, isso vai ter efeito bumerangue. A mesma coisa aconteceu com Lula no Brasil. A gente tem que confiar na prática, no cotidiano, nos patamares de consumo... As pessoas, em geral, não lêem editoriais. A batalha foi muito dura. Uma experiência, absolutamente pessoal, porque há muita discussão sobre isso: acho que não é bom taticamente confundir os interesses dos jornais com os jornalistas. Isso não quer dizer que os jornalistas, muitas vezes, não pensem igual aos proprietários dos jornais. Não é conveniente atacar todos. Se o objetivo é atacar os jornalistas, isso é apresentado como ameaça à liberdade de imprensa. Se você fala do interesse pela diversidade, isso é real, não precisa mentir. Em geral, se você segue a agenda da grande mídia você acaba perdendo.

É como disse Pepe Mujica ‘Cuándo álguien publica um artículo que te enoja, se vos te enojáis, perdestes dos vezes’: perdeu pela primeira quando foi criticado e a segunda quando se importou, se irritou. Mujica dizia isso, mas não quer dizer que você tem que ser cínico, frio e não se importar. Temos que saber quando entrar na discussão porque, senão, o que você faz é polarizar todo o tempo. E como sabemos, política tem momentos de polarização e momentos para falar, capitalizar politicamente... Polarização até serve para capitalizar politicamente, porque gera conflito. Mas conflito permanente é perigoso porque nós cansamos. As pessoas, em geral, não são militantes, as pessoas querem viver tranqüilas. O problema com a militância foi que, a obsessão, em um momento, foi somente a crítica da mídia. Agora está mudando.

A lei de serviços de comunicação audiovisual não está plenamente vigente por duas razões: o papel da Justiça. Poderes reais, poderes de fato são muitos incertos na Justiça. Como no Brasil, a Justiça foi pouco democratizada durante a democracia. Então, há muitos juízes permeáveis, simpáticos, ‘sensíveis’ às altas corporações (risos). O problema que temos agora são as medidas cautelares, que vão freando o processo. Se cautelar dura três anos, a cautelar é uma sentença de definitiva. Se cautelar não tem prazo, não é cautelar, é uma sentença de fato. O que a Justiça está fazendo com alguns temas é isso, justamente para frear. Não faz sentenças definitivas, faz cautelares infinitas.  Esse problema é grave. A situação do monopólio do cabo não mudou devido a uma cautelar. Vai ser duro. Não é mágico. A outra razão é o próprio conceito de lei. Muita gente acreditava que a lei era mágica. Uma lei importante como essa, que substitui uma lei da ditadura, quando o cabo estava começando, mas a palavra cabo nem existia na lei, eram ‘serviços acessórios’, não existia internet. A lei nova tem vários propósitos ao mesmo tempo: um é político, com uma lei grande o Estado diz que está projetando um futuro, um futuro com diversificação, sem monopólios. É o Estado que está dizendo isso, e o Estado significa a lei, a regulamentação, aplicação etc, que significa o marco legal.

Para o passado, o que a lei permitirá que seja feito é garantir a organização das freqüências, ordenamento do espectro, que é um processo longo. Outra coisa importante da lei é que agora há o desenvolvimento digital. A lei tem que fazer a democratização do princípio das novas tecnologias. Em cada sinal há possibilidade de vários canais. A lei fixa uma série de limites para garantir a diversificação social, cultural e econômica. Agora, felizmente, na minha opinião, uma coisa para que serviu a lei foi para instalar na agenda pública, que esse não era só um tema de agenda, era um tema de trabalho. Muita gente só falou sobre o tema, mas muita gente se interessou a ir para a parte prática, a se conectar, para o uso inteligente do Twitter, das redes sociais, para fazer pequenos filmes. Após a lei, há outro problema, que não é discutido: o financiamento para as micro, pequenas e médias empresas de mídia. É um debate ainda ausente, está começando... Tem que haver políticas de crédito, de estímulo! Este é um tema chave e, ao mesmo tempo, um tema difícil. O que não pode haver é financiamento de coisas que não existem.


BoletimNPC- Sobre diploma e qualidade do jornalismo

Martin Granowsky - Na Argentina, essa questão é muito discutida. Na minha opinião, qualquer um tem o direito de ser jornalista. Eu sou licenciado em História. Na Argentina qualquer um pode. Em termos concretos, nós jornalistas e militantes da comunicação democrática, temos que ter bons jornalistas e não podemos jogar o jogo de que a qualidade não importa, que isso é um mito do século. Não concordo com isso. O mito do século XIX é melhor que a prática da mídia corporativa do século XXI. Jornalista é aquele que olha a realidade, se pergunta vários ‘por quês’ e escreve de maneira interessante para que o outro leia. Acho que temos – militância, Estado, partidos da coalizão, universidades - que ter uma política de formação concreta. Qual é a melhor forma do uso do Twitter? Qual a melhor forma de usar 140 caracteres para dar um título? A Carta Capital está fazendo isso muito bem, por exemplo. Colocar um título e um resumo. Em alguns casos há espaço para usar o link. Poucas pessoas lêem as matérias todas. Lêem os títulos.

Com Twitter informativo está acontecendo algo similar. Isto não é científico [risos], é intuição profissional. Você vê títulos, títulos, títulos... em alguns casos vê os links. Você tem que fazer muito bem os 140 caracteres, pensando que muita gente não vai entrar no link. Não é fácil. É o mesmo que dar títulos em um jornal, é síntese. Não estou falando de Twitter pessoal ou irônico, isso é outra coisa. Uma grande parte do Twitter agora é jornalístico. Um exemplo do uso: eu tenho um programa de rádio e ninguém havia publicado o aniversário de Vinícius de Moraes na Argentina. Olhando o Twitter eu vi ‘homenagem a Vinícius’. Cliquei e vi um programa de rádio com base nisso. Eu leio muita informação brasileira, normalmente, e retuíto. Significa que eu estou recomendando que leiam. Isso é o mesmo trabalho de um editor de jornal. Tudo isso tem uma certa horizontalidade. Mas assembléia é uma coisa, assembleísmo é outra. Uma assembléia estudantil que dura dez horas e não toma uma decisão final...

Com essas tecnologias acontece a mesma coisa. Assembleia, democracia e, horizontalidade são maravilhosos, mas você tem que tomar decisões. Decisão é seleção, é o propósito de orientar. Você tem o propósito de orientar, qual é o problema nisso? Porque é jornalista, faz política, é militante. Orientar não é manipular, não é ser desonesto.  Você pensando, você acha que outras pessoas têm que ler, têm que ouvir. E você tem que fazer coisas que você tem que ter orgulho de fazer, senão lhe estafa. Esta é a ética do trabalho: você tem que respeitar a pessoa que vai ler, ouvir etc. Se você acha que é interessante, você tem que direcionar isso depois. Temos que capacitar concretamente, na prática, pessoas para isso. Não é suficiente com ordem política. Uma parte dos twitteiros diz ‘força Cristina’, agora com a morte de Néstor. Claro, é liberdade, mas só isso não serve para nada. É convencimento para convencido. Muitas vezes o Twitter pode funcionar como uma agência de notícias diretamente para cidadãos. Cidadãos estão fazendo o velho papel da agência de notícias para cidadãos. Quando você elege um assunto, destaca e coloca no Twitter, você já está fazendo isso. Pela minha experiência profissional, o Twitter passou a ser fonte e às vezes está funcionando mais rapidamente do que agências e televisão. É um problema, porque pode ser como uma droga [risos]. Temos administrar. Nós, jornalistas, em geral, somos adictos à adrenalina da informação. É perigoso. Eu não uso Twitter muito tempo. É uma decisão. Eu me conheço e sei que sou adicto a esta adrenalina.

BoletimNPC- Gostaria que você fizesse um panorama geral sobre a questão política na Argentina, as perspectivas para Cristina agora sem Kirchner.

Martin Granowsky - Argentina tem eleições nacionais em outubro de 2011. Segundo as pesquisas de opinião, se as eleições fossem hoje [final de novembro], Cristina ganharia talvez no primeiro turno. A situação atual é uma boa situação econômica, com previsão de crescimento de 8% para este ano e cerca de 7% para o ano que vem, se as condições se mantiverem. Ao mesmo tempo, há o desenvolvimento de políticas sociais, como a verba universal por filho [Asignación Universal por Hijo]. Milhões de pais recebem um dinheiro todos os meses por filho. É algo parecido com o Bolsa Família. Esse é um dinheiro que vai diretamente para o consumo, para jantar, para se vestir. O responsável tem direito a 80% do dinheiro no momento e os 20% restantes estão vinculados à apresentação de certificados de saúde, freqüência na escola etc. O nível de emprego está crescendo também. Na situação política, não aparece agora um “chalanger” uma figura importante para confrontar Cristina. Antes da morte de Néstor se dizia que o novo presidente seria um Kirchner. Poderia ser Néstor ou Cristina.

Não sabíamos que seria realmente. Agora, Cristina tem as intenções de voto, mas tem que querer. Eu acho que ela vai querer, mas ela não diz nada. Outra coisa é que o Kirchner era não só um ex-presidente, mas um articulador político muito importante, um negociador. O peronismo tem, em geral, a tradição de que não importa tanto o chefe do partido político, o que importa é o chefe político, em geral. Porque há o partido político, organizações sociais, a estrutura sindical, que é muito importante e é peronista... O governo não é somente peronista, o processo não é somente peronista. É peronista com aliados. A hegemonia, a parte mais importante é o peronismo e, pela primeira vez, há um processo longo de peronismo com hegemonia dos setores centro-esquerda e esquerda do peronismo. Cristina está reconhecida como chefa e atuando com chefa. No velório de Kirchner, as pessoas que foram tiveram um momento único, cara a cara com ela. Isso foi reproduzido por toda a televisão. As pessoas ou choravam, ou olhavam, ou falavam com ela diretamente. Essa experiência foi muito forte, em geral. As duas expressões mais faladas foram “Força Cristina” e “Obrigado Néstor”. Em geral, foram jovens, com não mais que 25 anos, e de setores populares, mas muitos de classe média, universitários também. Isso foi muito forte para Cristina e muito impressionante para os que viram pela televisão. Para mim foi sempre assim, mas naquele momento ele foi reconhecido como líder popular.Inclusive os inimigos de Kirchner disseram que foi um dos quatro ou cinco funerais políticos mais importantes da história da Argentina.

Algumas pessoas compararam, inclusive com Eva Perón, em 1952. Eu conversei com muita gente, vi pela televisão e, em geral, o ‘gracias Kirchner’ estava ligado ao trabalho. Muitos respondiam: ‘foi a primeira vez que consegui trabalho’, ‘foi a primeira vez, após 15 anos, que tive a possibilidade de aprender uma nova profissão e me reinserir no mercado de trabalho’. Toda a dimensão concreta e social apareceu na Praça de Maio. A Argentina, em geral, mais do que o Brasil, é um país muito necrofílico, tem uma espécie de amor pela morte. Na Argentina há uma espécie de santificação da morte. Com Kirchner não foi assim, ele não foi endeusado. Foi um mortal, um líder popular de um processo de inclusão social. Ficou como um fenômeno muito vivo que foi muito importante sobre a realidade política. Esse o fenômeno que os teóricos políticos criticam como fenômeno do populismo, como uma das coisas mais terríveis do mundo. A primeira coisa pode ser populismo, mas, depois, quando os partidos políticos, os sindicatos e o próprio peronismo dizem ‘Está bom, Cristina é a chefa’, isso ter um componente místico, mas quando os dias seguem e isso segue, é um fenômeno diferente. Depende da vontade dos atores políticos.

Cristina está em um momento que fala somente de temas de governo, aparece de preto, de luto, fala um pouco de Néstor e chora um pouco. Não é atuação, porque ela não quer chorar em público, essa não é sua característica. Sua característica é uma mulher forte É mais parecida com Dilma do que com Bachelet, por exemplo. Vemos uma presidente que não cai em polêmicas bobas, não entra na briga da mídia e, ao mesmo tempo, o governo está tentando recuperar a popularidade perdida em municípios pequenos devido à crise de 2008 do enfrentamento agrário.

BoletimNPC- Resumindo, como fica, então, o cenário sobre as eleições?

Martin Granowsky - O resultado das eleições no Brasil são um ponto positivo. Outro é a imagem positiva de Cristina Kirchner, apontada pelas pesquisas em 65%, as intenções de voto estão em 45%. E, na Argentina, quem tem mais de 45% nas intenções já é apontado como vencedor. O terceiro ponto positivo é a fragmentação da oposição. O quarto ponto é que na oposição não aparece uma instância superadora à atual, todas são um giro à direita. Outro ponto é o aumento do crescimento e da justiça social, como eu disse antes. Dado tudo isso, se não houver uma crise internacional, se a Argentina se mantiver assim e o governo não cometer erros, o caminho deveria estar aberto para a eleição de Cristina em 2011.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge