Por NPC
Soninho: "Não adianta substituir o domínio nas favelas. É preciso ter controle social e participação popular"
Um dos participantes do 16º Curso Anual do NPC, que ocorreu no final de novembro deste ano, foi o historiador Guilherme Marques, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ). Soninho, como é conhecido, falou sobre a relação entre mídia, cidade e megaeventos, lembrando que no período de grandes acontecimentos, como a Copa e as Olimpíadas que ocorrerão no Rio, cria-se uma espécie de “estado de exceção”, com aprovação de medidas que muitas vezes se distanciam de um caráter democrático.
O pesquisador conversou rapidamente com o BoletimNPC sobre os eventos recentes no Rio de Janeiro, assunto que ocupou a mídia de todo o país. Soninho avaliou as megaoperações na cidade, criticou a ideia de que o Rio está em guerra e defendeu que haja melhorias de fato nas comunidades, ao invés da substituição do domínio do tráfico pelo da polícia. “É aquela velha história: ‘Paz sem voz não é paz, é medo’”, observou. Confira a entrevista.
Por Tatiana Lima
Como pesquisador ligado às favelas, como você avalia essa “megaoperação” da polícia no Rio? Acho que não existe nenhuma evidência de que essas megaoperações deem certo, tenham qualquer ponto positivo. As outras vezes no Rio que nós já vimos operações desse tipo, inclusive lá no próprio Morro do Alemão, não resultaram em nada. Ou melhor: não resultaram em nada de positivo, seja no fim do tráfico, seja na melhoria das condições de vida das pessoas, de segurança, nada. Resultaram, na verdade, em mortes causadas pelo que chamamos de “bala perdida”, mas na verdade essas balas saíram de dentro de um revólver que foi fabricado por uma classe, que é a classe dominante, o gatilho foi acionado por alguém que é contratado por essa mesma classe, e essa tal “bala perdida” sempre é achada dentro do corpo de outra classe, que é a do povo trabalhador, dos pobres.
Falou-se muito em “guerra” nesses últimos dias. Você concorda que o Rio de Janeiro está em guerra? Eu não vejo como uma guerra. Sempre que a gente fala em guerra existe a ideia de tentar ganhar apoio. Então a gente vê historicamente que os governos em crise promovem guerras para ganhar apoio: vimos isso na Ditadura da Argentina com as Malvinas; vimos com Hitler e outras vezes. Ou seja: sempre que se instaura a ideia de guerra é quando se precisa de apoio, e quem é crítico acaba sendo visto como o “outro lado” dessa guerra, como alguém que deve ser criminalizado. Nesses dias um correspondente internacional, quando questionado sobre o mesmo assunto, lançou alguns questionamentos. Primeiro: será que os chefões do tráfico são mesmo aqueles meninos de bermuda, sem camisa e sem chinelo? Será que esses são os verdadeiros bandidos no Brasil? Segundo: é interessante pensar como esses bandidos todos não oferecem qualquer risco de alteração da ordem capitalista, da ordem do Estado. Então me parece que esse discurso é apenas uma peça de propaganda que espalha o medo e garante que se possa entrar em favela, matar pobre, remover famílias, criminalizar os favelados e os movimentos socais e ainda ter apoio popular pra isso. Por quê? Porque quem se coloca contra a guerra não é patriota.
Você falou que eles não oferecem risco à ordem social, mas a polícia tem acusado o tráfico promover ataques orquestrados. Como você vê isso? Quando falo em ordem social quero dizer que eles não parecem lutar contra o Estado. A gente ouve sempre falar dos acordos todos do tráfico com a polícia. As milícias, por exemplo, me parecem oferecer muito mais risco à ordem social instalada e aos direitos dos cidadãos pelo controle da vida das pessoas, da venda de terreno, tudo. E não existe nem UPP e nem ocupação policial desse tamanho todo em área de milícia Me parece que o que está em jogo não é isso: a verdade é que é importante acabar com o domínio do tráfico, das milícias e até da polícia. Não podemos apenas trocar o domínio de um por outro. É preciso ter controle público e participação popular: escola, saúde, transporte. Os ônibus não sobem na favela, só a polícia. Não basta apenas trocar quem faz o controle; é preciso promover emancipação para as pessoas poderem viver em liberdade. Isso seria a verdadeira paz. É aquela velha história: “Paz sem voz não é paz, é medo”.
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