Por NPC
Beto Almeida: Precisamos fazer nascer no Brasil uma mídia alternativa à ditadura midiática privada
O jornalista Beto Almeida, da Telesul e da TV Comunitária de Brasília, falou sobre o futuro do jornal impresso no 16° Curso Anual do NPC. Nessa entrevista, ele defendeu um jornal público de massas e de grande tiragem. Segundo o jornalista, a experiência negativa que tivemos com a mídia nessas eleições e os exemplos positivos da mídia pública na América Latina revelam essa importância.
Por Marina Schneider
Por que neste momento precisamos de um jornal público de massas, de grande tiragem? A televisão tem um estilo de mensagem altamente comunicativa, mas não é muito favorável à reflexão. Já o jornal permite uma leitura muito mais aprofundada. Possibilita, inclusive, que a pessoa faça uma experiência em casa, no trabalho, que é superior àquela vivida com a televisão. O leitor pode pegar o jornal, mostrar, reler, pesquisar sobre, confirmar informações, escrever uma carta, citar um trecho... Ele permite uma experiência político-intelectual mais aprofundada nesse sentido. A televisão e o rádio são bem descontextualizados, porque a norma hoje dominante no rádio e na TV é a notícia muito rápida. Com isso você não aprofunda a compreensão do fato.
O segundo motivo é que há problemas de tal complexidade e de tal gravidade na contemporaneidade – na sociedade brasileira e no mundo inteiro -, que você precisa dar uma explicação mais detalhada para as pessoas. Com a leitura do jornal é possível promover uma atitude cidadã diante dos fatos, fazendo da pessoa um ator político mais capacitado, pela própria qualidade da informação. Mas, é claro que se você tem hoje entre o nada – porque o que nós temos é o nada, as pessoas não têm um jornal – a pessoa vai fazer isso pela televisão. Até que o povo brasileiro tem se comportado bem, porque não se deixou se levar pelas últimas campanhas... A inteligência do povo prevalece. Mas você tem no jornal uma ferramenta muito importante para fazer a formação de cidadãos capacitados para transformar, aperfeiçoar a realidade e construir outro tipo de sociedade.
Daí a necessidade de uma política pública que contemple também a área da comunicação, que é o que tem tentado a EBC, mesmo com as ressalvas sobre a qualidade do jornalismo, apontadas por você durante a palestra? [Durante a mesa “O futuro do jornal em debate”, realizada na manhã do dia 26/11, no 16º Curso de Comunicação do NPC, Beto Almeida afirmou que o jornalismo da Empresa Brasil de Comunicação muitas vezes deixa a desejar, tratando a notícia da mesma maneira que emissoras comerciais o fazem]
Sobre o jornalismo, é só um problema de mudar a orientação. A EBC deveria ter uma atitude agressiva, no bom sentido, de disputar a audiência. Você não vai disputar a audiência se, em Brasília, no final da Asa Norte, a TV Brasil não pega porque o transmissor é velho. Eles não querem disputar a audiência. Não querem incomodar a Globo. Por que é necessária a política pública? Porque o mercado não resolve. Alguém pode questionar ‘por que o jornal público só é possível com política pública?’. O jornal privado também teve apoio público. Não se dizia que havia, mas ela existia. Eles foram favorecidos pelo financiamento, pelo ‘creditismo’. O coronelismo creditício que suportou o crescimento desses jornais. Quero afirmar que esses jornais - por exemplo, o grupo Globo -, não se transformaram em grandes conglomerados de comunicação por excelência e competência empresarial. Pelo contrário, foi por apoio estatal e por ausência de concorrência. A audiência é uma coisa que você compra. É claro, se só eu transmito futebol, eu vou ter audiência. Se só eu faço novela, eu vou ter audiência.
Quais as possibilidades de mudanças na distribuição de publicidade estatal e no financiamento, no crédito para a comunicação agora no próximo governo? Que outras políticas públicas são necessárias para que a informação chegue às pessoas, assegurando este direito que está na Constituição? A mudança nos critérios de publicidade é totalmente possível, tanto é que já houve uma mudança no governo Lula. Mas é preciso ir mais além. Por exemplo, as rádios e TVs comunitárias só agora, muito recentemente, começaram a receber alguma mídia institucional.
Isso sem falar no tratamento dado às rádios comunitárias... Isso continuou. Tem um problema aí que é parte de uma contradição não resolvida. O governo Lula não é um governo revolucionário que tomou o poder, é um governo de composição, teve avanços e limites. No caso das verbas para os jornais, já houve uma pequena mudança. Ele descentralizou e regionalizou mais, o que é importante. Está longe do ideal, mas houve um avanço, tanto é que os barões da mídia sentiram e reclamaram. A Judith Brito, da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), disse que os jornais devem fazer o papel que a oposição não faz porque é muito fraca. Quando diz isso, a mídia está reagindo ao governo Lula porque o governo está tomando medidas favoráveis à democratização. Mas é tanto que ainda falta por fazer...
Principalmente se compararmos a outros países da América Latina? O Paraguai está lançando um jornal público gratuito. A Bolívia tem um jornal público, que já é o maior jornal do país. Este não é gratuito, mas custa 20 centavos de soles enquanto o segundo maior, La Razon, custa um sole. Tem que haver uma política pública. Eu acho que o novo governo tem tudo para fazer um jornal público porque a Dilma viveu a experiência, na campanha, da tentativa de demolição de sua imagem por ter lutado contra a ditadura – que é algo do qual ela deve se orgulhar. Entre as possibilidades está a regulamentação. Acho que se deve caminhar por aí.
Mas por onde começar? Mandando um projeto de lei para regulamentar o que já está escrito na Constituição. Esta é a primeira coisa. Depois, você vai estimular, por exemplo, que a EBC tenha coragem para ter um jornal. Isso foi aprovado no último congresso da Fenaj, contra a visão da diretoria da Fenaj - recomendar à EBC ter um jornal impresso -, quer dizer, essa causa começa a avançar, começa ganhar a idéia. Quando Lula diz que vai fazer um jornal online temos que lembrar que, mesmo para fazer um jornal online você tem que ter jornalismo, reportagem, fotógrafo, diagramador... Tem que fazer jornalismo, não é blog. Fazer apuração com critério de jornalismo de missão pública. É diferente. É outra ideologia da notícia que nós estamos propondo. É, por exemplo, diante dos fatos que estão acontecendo no Rio [a entrevista foi concedida na sexta-feira, 26/11, após a ocupação do Complexo do Alemão por policiais militares, civis e federais], analisar as causas históricas, o contexto, a falência das políticas de segurança pública, necessidade de recuperação do papel do Estado. O neoliberalismo destruiu a capacidade do Estado de ter presença em todos os lugares. E na ausência do Estado com políticas públicas, chega o crime organizado e toma conta, claro.
É preciso ter políticas públicas, é possível ter, eu acredito que vai avançar. Não acredito que vai avançar rapidamente, mas a Argentina é um grande sinal.
Dá para comparar a nossa realidade com a da Argentina? Lá houve uma ampla discussão com a sociedade para formular e aprovar a Lei dos Meios. É possível fazermos isso no Brasil neste momento ou em um futuro próximo? É possível. Cada país tem seus ingredientes políticos. Na Argentina, por exemplo, o nível de sindicalização é muito mais elevado, o nível de leitura muito mais elevado que aqui, mas tem problemas também. Vastos segmentos da esquerda não compreendem a Cristina [Kirchner], acham que não tem uma ala de esquerda no peronismo. E tem uma ala popular e peronista de transformação, que a Cristina representa. Lá eles fizeram audiências públicas nacionais. Discutiram, se não me engano, durante dois anos. O Estado percorreu o país inteiro, foi nas escolas, nos sindicados, nas associações de moradores, esteve junto aos militares, aos cientistas, aos artistas... Depois, essa comissão voltou e elaborou um anteprojeto com aquilo que tinha sido discutido. Isso foi remetido para a presidente, que mandou a lei para o Congresso, que aprovou.
O que nós temos que fazer aqui? O governo Dilma agora tem maioria no Congresso. É uma maioria complicada, claro, talvez não passe uma lei muito de esquerda, mas você tem condições hoje de aprovar uma lei que coloque as TVs comunitárias em sinal aberto digital, que coloque o financiamento público para comunicação comunitária, sindical, cooperativa, que coloque a possibilidade de que a mídia pública educativa seja instituída em todo o território nacional. Isso é perfeitamente possível. Que se crie uma lei estimulando a massificação da leitura e edição de um jornal. As gráficas já existem. É preciso ter dinheiro, financiamento público. Acho que esse é um caminho possível no governo Dilma e tenho esperança de que ela vá tomar alguma medida de avanço mais além do que o Lula fez.
Que balanço você faria da comunicação no Brasil hoje? Para nós comunicadores, esse ano foi repleto em experiências que comprovaram aquilo que nós chamamos de malignidade intrínseca da mídia capitalista, mostrando, portanto, a necessidade de construirmos meios de comunicação próprios. Quando Lula disse "o que essa mídia faz é um absurdo", ele faz um diagnóstico correto, mas é necessário a gente ultrapassar e construir alavancas de comunicação para fazer a disputa com eles. E aí nós temos uma outra comunicação. Esse ano comprovou uma série de teses e expectativas e nós podemos dizer que mais uma vez a mídia foi derrotada no Brasil porque ela defende visões que são contra o interesse do povo brasileiro. E é exatamente porque o povo brasileiro está participando mais da política que nós temos que oferecer a ele a oportunidade de ser protagonista, de ele próprio fazer comunicação popular, sindical, de bairro, de associação de moradores.
Hoje 8% dos municípios têm cinema. Então está tudo por ser feito. Nós estamos recuperando desde a indústria naval até a possibilidade de ter cultura – com o "vale cultura" -, até a possibilidade de as pessoas comerem regularmente. Precisamos ir naquilo que nunca foi enfrentado, que é o direito de ter um jornal decente, informativo, de missão pública, com olhar cidadão, que faça parte do dia a dia das pessoas. Creio que a experiência negativa que nós tivemos com a mídia e a experiência positiva que estamos tendo com a mídia pública na América Latina revelam que o Brasil deve se posicionar por aquilo que está na Constituição. Artigo 223: complementaridade entre mídia pública, estatal e privada. Nós precisamos fazer nascer aqui no Brasil uma mídia alternativa à ditadura midiática privada.
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