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Por NPC
Silvio Mieli defende cultura digital rica e mais humana

Entrevista com o jornalista e professor da Faculdade de Filosofia e Comunicação da PUC-SP, Silvio Mieli, que participou da mesa “A comunicação digital e a batalha hegemônica”.

Por Marina Schneider

Em sua fala no curso, você falou que a relação com a tecnologia hoje está naturalizada e é vista como inevitável. É possível promover uma reflexão sobre isso que possa provocar alguma mudança?

Eu dei o exemplo de um artigo que saiu em uma revista da mídia corporativa [Super Interessante], mas ao mesmo tempo foi escrito por um setor da tecnologia de ponta exatamente para mostrar como se dá esse cruzamento: um pesquisador que trabalha com tecnologia da informação escrevendo para a mídia corporativa sobre essa tecnologia. Assim, a gente pode ter uma idéia das características dessa percepção a partir do ponto de vista de quem faz pesquisa. Eu vejo essa naturalização a partir desse texto. O que precisa ser enfatizado é que é a nossa cultura que, em geral, naturaliza. Mas naturaliza ou vendo a tecnologia como algo que está acima de nós ou vendo como algo que está abaixo. Quando ela vê como algo que está acima, são as máquinas que vão tirar os empregos, com quem a gente não consegue falar... Somos incapazes de ver que há uma lógica por trás das máquinas, que na maior parte das vezes é uma lógica binária: ou é sim ou é não.

Uma cultura digital rica, qualitativa e mais humana deveria considerar como primeiro ponto uma relação homem-máquina de igual para igual. Nem olhar a tecnologia muito acima, como um ciborg, e nem como um conjunto de escravos que têm que nos servir, fazer as coisas como nós gostaríamos. Precisamos reencontrar aquele caminho de que a tecnologia é um projeto nosso. Somos nós que estamos construindo os objetos técnicos. Se você olha para a tecnologia como algo que não é seu, é claro que aquilo vai se confrontar com a sua cultura. Portanto, se estamos construindo uma cultura digital, seria interessante fazer com que ela partisse da gente, em primeiro lugar - daí uma visão humana da tecnologia -, mas que houvesse um diálogo homem-máquina, porque as máquinas definitivamente ampliam a nossa percepção do mundo. Olhemos para a fotografia, para o cinema, e por que não para o computador? Se pensarmos no filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a cena dos macacos mexendo naquele totem mostra como nós olhando para a tecnologia. Ora, aquilo é nosso! É fruto da nossa luta, fruto do avanço lógico-racional, portanto, vamos construir com aquilo uma nova sociabilidade. Eu acho que uma nova política é impossível sem a tecnologia. Agora que tipo de política a gente quer construir? Que tipo, inclusive, de relação física, corporal? Se a gente se deixa levar para as redes sem levar o corpo junto, que mundo a gente vai construir?


Nesse contexto entra a questão da comunidade? Por exemplo, comunidades do Orkut, em que você não interage como em uma comunidade não virtual?

Viver essa dimensão de comunidades virtuais é fundamental, até para relacionar com as outras comunidades. Na minha fala no curso eu tentei perceber as várias dimensões de realidade que a própria tecnologia está mostrando que nós temos: o virtual, o atual, o tecnológico, o social, o sindical... São essas as várias lutas que no fundo nós, jornalistas, temos que circular e dar sentido para elas. Acho que o fato de a nossa cultura estar desacertada com a tecnologia é um ponto fundamental. A gente nunca consegue ver a máquina de igual para igual. É claro que a máquina não é um ser humano, mas qualquer projeto tecnológico humano tem que construir com a máquina.

 

Essa relação que nós temos com a máquina é o que dificulta a politização da tecnologia?

Acho que uma boa politização e uma nova cultura digital devem partir, em primeiro lugar, dessa relação de igual para igual, vendo que a máquina é uma construção. Na minha fala na mesa, usei uma palavra importante que é “construtivismo”. Não existe nada dado. E os artigos que saem desses tecnólogos fazem parecer que “surge” o grande evento, “surge” a Amazon, o Google, o Bill Gates... Não! Eles são frutos de um longo processo de opção política tecnológica e de investimento do capital. Se nos definimos como a sociedade da informação, deveríamos ensinar no ensino fundamental e médio filosofia da técnica e crítica à comunicação. As escolas deveriam aproximar a máquina do jovem, ensinar como se deu a construção do computador, o que eles podem acrescentar naquilo, e às vezes, até deixar as crianças soltas com as máquinas para que elas possam construir a própria linguagem que quiserem. Não adianta colocar alguém que já está além, no uso, para voltar atrás e ficar fazendo software de matemática. Para a questão da politização é legal formar criticamente o jovem em relação ao computador. Se não eles vão entrar – como já estão entrando -, naquelas redes da Disney, como “Clube do Pinguim”,  para gastar dinheiro. Aí os pais têm que se matar para explicar que aquilo não é sociabilidade nenhuma, que os pingüins na Argentina estão morrendo na realidade enquanto eles brincam com pinguins no computador.


O que é educomunicação e qual seu papel?

É uma formação para mídia e tecnologia. É a introdução para essa cultura digital e para essa nova relação com a técnica, que pressupõe uma relação de igual para igual. Uma formação básica. Eu falo em filosofia da técnica, mas não é dar autores sofisticados como Sócrates e Platão para jovens de ensino médio. Já existe uma metodologia muito desenvolvida no Canadá e nos Estados Unidos. No Canadá, se não me engano, a disciplina é obrigatória no ensino médio e se chama Media Literacy (equivalente a ‘alfabetização em mídia’). Imagina se você pega um garoto e começa a perguntar para ele se ele se enxerga nos programas. No Brasil, a VejaCarta Capital. Mas esses são projetos específicos para cada revista. O que tem que existir é como ler a mídia: como ler revistas, como ver televisão, contextualizar a questão da Globo, explicar porque tem tanto poder... É uma questão política, assim como foi uma política incluir a sociologia no ensino médio. tem um projeto para ser lida no Ensino Médio e outras revistas muito melhores também têm, como a

 
Em que pé está essa questão no Brasil?

Está muito atrasada e essa questão é muito importante. A gente luta politicamente para muitas coisas, mas a gente está perdendo o pé talvez do essencial, ainda mais agora que começa uma nova rodada de poder no Brasil, com uma mulher. Acho que a gente tem condições de levar a sério a obrigatoriedade de uma preparação para a mídia e para a tecnologia. Deveríamos discutir mais e seriamente um projeto coletivo – com todo o movimento social e, particularmente, com quem milita na área de comunicação -, para começar a esboçar um projeto desse ensino nas escolas públicas e privadas. Seria formação crítica para mídia e filosofia da técnica: o que é a tecnologia, como ela surge, qual a relação do homem com a máquina e como ela se deu através dos tempos. Como a máquina hoje é vendida como algo libertador, e, na verdade, está fazendo o contrário, mas que podemos subverter isso.

Às vezes surgem comentários de como nós passamos muito tempo diante do computador. Não quer dizer que a gente não deva usar o computador, mas talvez a gente tenha que analisar em quais circunstâncias não devemos usá-lo. Em que circunstâncias deveremos pesquisar numa relação entre uma ação em que o corpo está presente e uma ação onde o Twitter, Facebook etc. estão ativos? Essa relação é que cria uma cultura digital e uma cultura tecnológica, e não a primeira rede social que surge nova...

Existe gente que começa a trabalhar com a educomunicação. Esse nome está crescendo no Brasil como área de crítica da tecnologia e da mídia, mas essa área pode ter outros nomes,  como “formação para a mídia”. Ela não deve ser mais uma disciplina para empurrar nos alunos. Eu acho que eles têm que fazer jornais, fazer sites, têm que experimentar na prática o meio de comunicação, mas há uma teoria envolvida também. Como surgiu o computador? Na Segunda Guerra. Para quê? Para construir a bomba atômica... Você cresce vendo que a tecnologia é uma forma de poder, de controle. As pessoas se esquecem que o controle contemporâneo se dá pelo computador.

A Internet,acho que para muita gente do movimento social, é uma maravilha porque você começa a botar o seu bloco na rua. Só que não podemos esquecer que a matéria prima que a gente coloca na Internet é capital, é matéria, é mais valia, é energia para o sistema. Sei que não existe mais o ‘fora’, tudo está dentro desse sistema, mas quais são suas características hoje? Esse sistema hoje fala de uma máquina, que é o computador, e de uma rede, que suga tudo o que a gente coloca nela. Temos que trabalhar com esse dado. E não é só com o olhar crítico, mas também com projetos que impeçam certas coisas, nos quais você não se entregue de corpo e alma.


Se não houver uma conscientização sobre até que ponto devemos nos expor em redes sociais, por exemplo, o que pode acontecer?

Acho que a gente perde uma possibilidade riquíssima de criar uma nova cultura. A política é um novo redesenho social e a tecnologia pode ajudar nisso. A política pode ser uma nova forma de reorganizar as pessoas no território, uma nova forma de sociabilidade. A gente pode estar perdendo, no digital, uma possibilidade grande de fazer esse redesenho, que deve ser uma construção coletiva e envolver um estudo pesado de sociologia, de comunicação, de cognição, de muita teoria.  Essa questão não é ensinada nem nas faculdades de tecnologia. Ensina-se a construir pontes, fazer edifícios, mas não a pensar sobre qual projeto tecnológico está por trás. A grande armadilha é que vemos a técnica como um impacto, algo que vem e te derruba, te paralisa. A politização da tecnologia deve ser ensinada desde cedo. Até eu perceber isso também via a tecnologia como “impacto”. Esta é a palavra que mais se usa: ‘vamos analisar o impacto da internet nos negócios’. Quando você está analisando o impacto, você já está despolitizando, pois ele é um bloco que cai em cima da sua cabeça e te impede de pensar.

Essa é uma questão importante e temos que parar um pouco e pesquisar sobre isso com aporte crítico. Às vezes parece que quem tenta fazer esse exercício é negativo, quer impedir que a tecnologia avance. Mas é o sistema capitalista que não quer que a gente analise criticamente as coisas. Não é incompatível pesquisar a internet, pesquisar as tecnologias e, paralelamente, fazer um estudo profundo de como isso está sendo desenhado, trazendo um aporte teórico da sociologia, da economia e da filosofia. Há poucas pessoas, nos últimos 50 anos, que analisaram esses fenômenos bem. Mas elas existem, nós temos que ir atrás. Temos que incentivar mais o movimento social a fazer a crítica. É pegar a última descoberta e usar, pesquisar e estudar. Acho que existe um campo de politização da área tecnológica que vai pavimentar a cultura digital do movimento social no Brasil. Essa discussão é importantíssima e diz respeito a questões práticas.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge