Publicado em 26.11.2010 - Por Kátia Marko - NPC
O historiador e jornalista Marco Morel, neto do repórter Edmar Morel, autor do livro A Revolta da Chibata, a primeira obra publicada sobre o tema, em 1963, participou da homenagem aos 100 anos da revolta e a João Cândido, o Almirante Negro, no final da tarde desta quinta-feira (25).
O historiador e jornalista Marco Morel, neto do repórter Edmar Morel, autor do livro A Revolta da Chibata, a primeira obra publicada sobre o tema, em 1963, participou da homenagem aos 100 anos da revolta e a João Cândido, o Almirante Negro, no final da tarde desta quinta-feira (25).
Marco Morel apresentou uma série de fotografias históricas para resgatar a rebelião que envolveu 2.300 marinheiros em 1910 com o objetivo de acabar com os castigos corporais contra os marujos na Marinha de Guerra brasileira. Segundo ele, foi seu avô, o escritor e jornalista cearense Edmar Morel (1912-1989), que pela primeira vez retratou a vida do líder da revolta, o marinheiro negro e filho de escravos João Cândido Felisberto (1880-1969). Apelidado de “Almirante Negro”, sua história inspirou a música Mestre-Sala dos Mares, de João Bosco e Aldir Blanc, composta na década de 1970.
Segundo Morel, naquela época, os marinheiros, formados em sua maioria por pardos e negros, ainda apanhavam de chibata, mesmo depois da assinatura da Lei Áurea, em 1888, que pôs fim à escravidão no Brasil. Muitas foram as tentativas pacíficas de acabar com a violência, mas nenhum sucesso foi obtido. Então os marujos se organizaram, e no dia 22 de novembro de 1910, sob a liderança de João Cândido, tomaram os principais navios de guerra da Marinha e apontaram os canhões para a cidade do Rio de Janeiro e para o palácio de governo, exigindo o fim dos castigos. O movimento foi vitorioso.
Curiosidades
Nos idos de 1957, o jornalista Edmar Morel (1912-89) foi até o cais da Praça 15, no Rio de Janeiro, onde lhe garantiram que acharia o ex-marujo. João Cândido carregava cestos de peixe na beira da baía de Guanabara, palco da inédita rebelião na qual ele comandara. O encontro modificou a vida de ambos e gerou a escrita de um capítulo então obscuro da história do Brasil: a Revolta da Chibata, título que Morel criou para seu livro (no qual teve a colaboração do personagem principal) e que batizaria, a partir dali, o movimento.
“Uma das curiosidades dessa história é que tanto o autor do livro quanto o personagem principal foram perseguidos por seus feitos. Após a vitória do movimento, o gaúcho João Cândido foi preso por um tempo, sofreu torturas e foi expulso da Marinha. Morreu aos 89 anos, pobre, trabalhando na Praça XV, no Rio de Janeiro. Edmar Morel tornou-se um dos mais famosos jornalistas brasileiros, mas depois da publicação do livro, sofreu perseguições e foi impedido de ser repórter com o advento do golpe de 1964”, contou.
Para redigir o livro, Edmar reuniu uma série de documentos oficiais, jornais, publicações e também entrevistou várias testemunhas, inclusive João Cândido, de quem se tornou amigo. O material pesquisado pelo jornalista está guardado na Biblioteca Nacional.
No lançamento da 2ª edição, em 1963, autor e personagem compartilharam estande no Festival do Escritor (antecessor da Bienal do Livro). O velho marujo, calejado de perseguições e da luta contra o açoite, foi cumprimentado por Jorge Amado, Rubem Braga, Clarice Lispector, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira e outros. Ao fim da sessão, não havia mais transporte para a Baixada Fluminense, onde morava o "Almirante Negro", numa rua sem calçamento, esgoto e luz elétrica.
Morel foi hospedá-lo num hotel no centro. Tentarem 12 estabelecimentos; os recepcionistas de plantão, após olharem a figura simples e altaneira de João Cândido, repetiam: "Não há vagas". Racismo aberto e não declarado. Finalmente, conseguiu abrigo no Hotel Globo, na rua do Riachuelo, na Lapa.
Segundo Morel, João Cândido possuía aparência modesta, mas altiva. Alto, esguio e enérgico. “Era um herói da plebe e vivia entre os pobres, sem intimidar-se diante dos poderosos ou dos letrados. O hábito de leitura impregnava seu cotidiano. Polido, reservado, recolhia-se quando não conhecia ou confiava no interlocutor. Mas, se o verbo fluía, a memória transbordava em detalhes precisos. Sisudo, há poucas fotos suas sorrindo, mas era bem-humorado: às vezes, escapava um sorriso discreto do rosto vincado de anos e sofrimentos. Não expressava ódio ou ressentimento, compreensíveis num guerreiro com suas experiências. A face angulosa, nitidamente esculpida, apresentava um toque cândido. Tinha a dignidade de um mestre-sala dos mares.”
Censura
Morel destacou que Mestre-Sala dos Mares foi a primeira música censurada por discriminação racial. “A música foi censurada e alterada, onde diz navegante negro era almirante. E onde fala santos era negros. Os censuradores alegaram que havia muito a palavra negro na letra. Na época, a letra original foi publicada em jornais alternativos.”
“A Revolta da Chibata foi um movimento que nasceu dentro da corporação para acabar com a chibata, mas que ganhou um sentido muito mais amplo e até hoje incomoda”, acredita Morel.
A homenagem foi encerrada com a música do Almirante Negro cantada a capela pelos bravos participantes que resistiram até o final.