Teve início nesta quarta-feira, 24 de novembro, o 16º Curso Anual do NPC, que vai até o dia 28. Como esclareceu o coordenador do NPC Vito Giannotti na abertura do evento, serão cinco dias de debates e reflexões sobre o poder da mídia no século 21 e as possibilidades de combatê-la. “Os cursos do NPC são pensados para a melhoria da comunicação nas lutas contra-hegemônicas”, ressaltou Giannotti. Para a abertura foi convidado o MC Fiell, rapper do Morro Santa Marta, que cantou ao lado de Antônio, o Peixe, um dos coordenadores da rádio comunitária da mesma favela, na zona Sul do Rio. A música foi feita em homenagem aos trabalhadores brasileiros, “os verdadeiros protagonistas da nossa história”, como apresentou Fiell. “Sem a força do trabalhador nada é construído, nada é feito, mas eles nunca são lembrados como merecem”, reafirmou.
Mesa de abertura do Curso Anual do NPC debate mídia e hegemonia
Os palestrantes da primeira mesa do Curso foram o professor Dênis de Moraes, do Departamento de Estudos Culturais da UFF, e o jornalista e pesquisador Venício Lima, aposentado pela UNB. A coordenação da mesa foi feita pela historiadora Virgínia Fontes, pesquisadora da Fiocruz, que na abertura ressaltou o papel de “ganso de guarda” da grande mídia proprietária e sua ligação com os grandes setores do capital, hoje transnacionais. Gansos porque, como explicou, eram os animais que guardavam os campos de concentração. Segundo a pesquisadora, os veículos de dominação não se limitam mais a formular o consenso imediato da hegemonia do grande capital. “Controle do consenso e do dissenso é a estratégia à qual devemos estar atentos”, ressaltou. Como ela observou, hoje a atuação da mídia vem no sentido de desqualificar e criminalizar toda a luta contra o capital, ao mesmo tempo em que amplifica a atuação e a dominação desse mesmo capital.
No início de sua intervenção, Dênis de Moraes lembrou os exemplos recentes dados pelos governos progressistas latino-americanos de enfrentamento aos grandes meios de comunicação em seus países, especialmente a Argentina. “Quero começar deixando minha mensagem de esperança pelo exemplo dos nossos países vizinhos, que nos mostram que devemos procurar romper com o cerco midiático e procurar formas de pluralizar esses meios”.
A partir daí, analisou a situação brasileira nesse contexto como uma “vanguarda do atraso”, como definiu o professor ao compará-lo com os outros países do mesmo continente em relação a seu papel frente à comunicação. Segundo Dênis de Moraes, em nenhuma outra época a concentração se apresentou de maneira tão urgente, e isso tem a ver com esse novo cenário tecnológico, que se mantém a serviço do capital e da exclusão e que apenas “secundariamente e lateralmente”, segundo o pesquisador, permite intervenções outras. Como ele analisa, ainda existe resistência dos grandes conglomerados regionais, nacionais e transnacionais em ceder qualquer milímetro do poder que está em suas mãos há anos, e que, infelizmente, vem se reproduzindo nessa era digital. “Cada vez mais vemos as mesmas notícias, as mesmas informações sendo reproduzidas na internet, o que mantém ainda o modelo de concentração anterior, apesar de existiar a possibilidade de multiplicidade e diversidade”, ressaltou Dênis de Moraes.
Ele lembrou que Sartre se referia aos meios de comunicação como “os guardiães da hegemonia”. “Concordo com ele, e acredito que nós temos condições de aprofundar a batalha das idéias, tão valorizada por Gramsci, principalmente apontando tudo aquilo o que a grande mídia silencia”. Essa mídia, segundo ele, ao mesmo tempo em que exerce poder ideológico e cultural, é dominadora do ponto de vista econômico e estratégico. “Os meios de comunicação brasileiros não abrem espaço pra formas regulatórias democráticas e nem querem discutir seu papel na sociedade”, lembrou, terminando com uma homenagem ao ex-presidente da Argentina, Nestor Kirchner, falecido recentemente, que iniciou em seu país um processo de ruptura com o poder sem limites da mídia local. “Estive na Argentina durante parte de seu governo, que deu início a um processo de reorientação e deu para a América Latina a legislação mais avançada anti-monopólica do mundo que é a Lei dos Meios. O objetivo da lei na Argentina é minimizar a concentração de rádio, TV e Internet, sobretudo pelo grupo Clarin, que equivale à TV Globo aqui do Brasil”, concluiu.
Venício Lima fala das novas possibilidades para o país
Já Venício Lima lembrou que nenhuma hegemonia é total e completa, e sempre há espaço para a contra-hegemonia. Para ele, hoje é necessária cada vez mais uma problematização do próprio conceito de mídia, o que antes não ocorria. “Não havia distinção entre mídia eletrônica e impressa; entre mídia pública, comunitária ou privada; e o cenário digital embaralhou ainda mais essa questão”. Como ressaltou Venício Lima, no mundo contemporâneo não tem mais jeito de se escapar da centralidade da mídia na construção de hegemonia. “Apesar de todo esse poder, quero chamar atenção para a oportunidade que temos de exercer o papel da construção permanente da contra-hegemonia”.
Ele deu dois exemplos que vão nesse sentido. O primeiro, já referido por Dênis de Moraes, é o da Lei dos Meios da Argentina, que para Venício deveria ser ensinada nas escolas de comunicação como um modelo a ser construído no nosso país. “Dentre outras questões, essa lei obriga, por exemplo, a emissora concessionária a colocar na tela o tempo que vigora a concessão, o que no Brasil nós não temos nem consciência”. Já o outro exemplo citado é a oposição sistemática, violenta e cotidiana sofrida pelo Governo Lula por parte da mídia comercial, com uma intensidade inédita. “Ainda assim o Governo chegou ao final com mais de 80% de aprovação popular, garantindo a sua sucessora“, ressaltou.
Venício Lima lembrou ainda que, se por um lado há crise da mídia impressa, que vem apresentando um decréscimo considerável de sua tiragem nos últimos anos, por outro há o crescimento dos blogs chamados “progressistas“ que, somados, têm mais leitores do que os blogs hospedados nas páginas dos grandes grupos.
Para finalizar, Venício enumerou alguns pontos interessantes do que deve vir daqui para frente. O primeiro deles é o aumento do papel de regulação do setor da comunicação pelo Estado. “No governo Dilma vai ter que haver uma regulação do setor, não tem mais como escapar”. Em segundo lugar, Venício lembrou a redistribuição dos recursos da publicidade oficial efetuada pelo Governo Lula, provocando uma descentralização sem haver praticamente alteração no volume de recursos. O pesquisador disse esperar que haja a consolidação da TV Pública e a efetivação do Plano Nacional de Banda Larga, que possibilita a universalização do acesso. Ele acredita ainda que cada vez mais o meio sindical vem reconhecendo a importância da mídia; que a tendência é ter cada vez mais rádios comunitárias, “mesmo com a lei que está aí”, destacou; e que, por fim, vai haver um movimento importante de repensar a profissão e as condições do profissional de jornalismo.