Entrevistas
Brasil de Fato entrevista Tom Morello, do Rage Against the Machine
Por Ana Maria Straube, Rodrigo Salgado e Vinicius Mansur Brasil de Fato
Nascida em 1991 na Califórnia, EUA, a banda Rage Against The Machine
(RATM) se consolidou no cenário mundial da música com uma rara mescla
de rap, variantes do rock and roll pesado e crítica política furiosa e
constante. Na trajetória da banda, pedradas ao capitalismo, ao
belicismo estadunidense, ao racismo, ao etnocídio dos nativos da
América, à violência machista. Homenagens aos zapatistas, à Liga
Anti-Fascista da Europa, à organização Women Alive, aos presos
políticos Leonard Peltier e Múmia Abu-Jamal. Para todos estes, a
banda realizou shows, revertendo todo o dinheiro para a defesa das
causas. O RATM também tocou em protestos contra o Nafta (Tratado
Norte-Americano de Livre Comércio) e a Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), fez dois shows contra à guerra (2000 e 2008) às portas da
Convenção Nacional do Partido Democrata, provocou o fechamento da Bolsa
de Valores de Nova York por algumas horas ao tentarem gravar um clipe,
dirigido por Michael Moore, em frente à instituição, e, também, foi
censurado pela emissora NBC por exibirem a bandeira dos EUA de cabeça
para baixo em uma apresentação. Depois dos atentados de 11 de
setembro de 2001, a emissora Clear Channel criou a lista de “músicas
com letras questionáveis”, na qual o RATM foi a única banda a ter todas
as suas músicas incluídas. De 2000 a 2007, a banda esteve
separada, mas, em outubro deste ano, aterrissou e “aterrorizou” pela
primeira vez em solo sul-americano, passando por Brasil, Argentina e
Chile, homenageando o MST, as Mães da Praça de Maio, Víctor Jara e
Salvador Allende. Passada a turnê, o guitarrista do RATM, Tom Morello,
concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Os fãs da América do Sul esperaram muito tempo por uma
apresentação do RATM. Vocês gostaram da recepção do público? Tom Morello –
Nós ficamos muito extasiados com o público brasileiro. Nós temos
grandes fãs no Brasil e é uma vergonha termos demorado 19 anos para
tocar no país. Mas valeu a espera. Foi realmente uma noite para ser
lembrada.
O RATM é uma banda
claramente anticapitalista. Porém, percebemos, no show do Brasil, que
parte considerável dos seus fãs não se interessa pelo conteúdo político
ou até mesmo tem aversão a posicionamentos de esquerda. Como vocês
interpretam isso? O RATM é uma banda que se preocupa
em agir amplamente. Tocamos nossa música para atingir uma ampla
variedade de pessoas, independentemente de suas inclinações
ideológicas. Estou tranquilo com isso. Nós não somos uma banda elitista
que toca exclusivamente para pessoas que compartilham exatamente nossa
pauta política. O que nós percebemos ao longo destes anos é que muitos
jovens que antes eram apáticos ou possuíam opiniões políticas
diferentes foram expostos a um novo conjunto de ideias através de nossa
música e, em alguns casos, isso os ajudou a mudar sua forma de pensar. Um
jornalista chegou a publicar que vocês foram usados pelo MST no Brasil,
colocando-os como “gringos bonzinhos nas mãos de pessoas más”. O que
você tem a dizer sobre isso? Minha hipótese é que o
jornalista que diz sermos marionetes nas mãos do MST possivelmente
discorda da postura política do movimento. Isto é uma crítica comum que
encontramos aqui nos Estados Unidos. Quando a mídia de direita critica
artistas por se posicionarem politicamente é geralmente porque eles
discordam do ponto de vista dos artistas. Eu aprendi sobre o MST com o
Zack, que conhece bastante sobre os movimentos políticos de toda a
América Latina e nós temos orgulho de prestar solidariedade ao MST na
sua luta por justiça no Brasil.
Você faz parte de algum movimento político? Sou
cofundador, junto com Serj Tankian, da banda System of a Down, da Axis
of Justices, uma organização sem fins lucrativos determinada a reunir
músicos, fãs de música e organizações políticas de base para lutar por
paz, direitos humanos e justiça econômica. Também sou membro do IWW
(Trabalhadores Industriais do Mundo, por sua sigla em inglês), uma
organização de trabalhadores radical, fundada no início do século 20 e
que engloba trabalhadores de todos os tipos. Trabalhadores da indústria
do sexo, estudantes, músicos, metalúrgicos, camponeses etc. Qual
a importância para vocês que os jovens apoiem movimentos sociais, como
o MST? No Brasil, atualmente, a juventude raramente se engaja em lutas
sociais. Como ela se comporta nos EUA? É a juventude
que muda o mundo e eu acredito ser de crucial importância que eles
ganhem perspectiva numa larga variedade de ideias e movimentos
políticos que estão abertos para a participação deles em seus próprios
países. Nos Estados Unidos, a juventude foi muito energizada pela
campanha presidencial do Obama e muitos se desiludiram com suas ações
desde que ele foi eleito. Existe muito descontentamento nos Estados
Unidos com a economia e com o prosseguimento das guerras no Oriente
Médio e, infelizmente, os semideuses da direita têm manipulado esse
descontentamento para os seus próprios propósitos. A
vitória dos republicanos nas últimas eleições nos parece um fiel
exemplo disso. Existem movimentos populares nos Estados Unidos capazes
de reverter esse quadro? Durante a administração
Bush, houve um fortíssimo movimento antiguerra. Muito da energia desse
movimento foi canalizada para a campanha do Obama, quem eu considero
uma pessoa decente. Mas acredito que a alta cúpula do governo está
repleta de compromissos. A política nos Estados Unidos é dominada e
operada pelo grande capital e não me surpreende este giro à direita que
tivemos depois de dois anos com Obama. E não é porque sua política
ameaçava a elite em qualquer aspecto. Seu apoio contínuo à guerra do
Afeganistão e o resgate criminoso oferecido aos bancos e à indústria
financeira são uma clara indicação de sua fidelidade de classe. Mas o
que sublinhou o movimento da extrema direita na política estadunidense
foi o desafio às convenções culturais que o Obama representa. Existem
muitos racistas nos Estados Unidos que sequer podem dormir bem sabendo
que existe um presidente negro na Casa Branca. A extrema direita usou
temas como raça, sentimentos antigay e anti-imigrantes para reavivar a
animosidade para com o centrista Partido Democrata, deixando sua pauta
econômica e de poder por detrás e, assim, convencendo a maioria da
classe trabalhadora branca a votar contra os seus próprios interesses. Que visão vocês tem sobre o recente processo político latino-americano? Parece-me
que, enquanto os Estados Unidos focaram sua atenção em nossas guerras
imorais e ilegais no Oriente Médio, a América Latina foi deixada para
seguir seu próprio destino. Eu estou muito satisfeito que, ao longo do
curso da última década, movimentos realmente populares tenham começado
a influenciar a política do Estado e, eventualmente, tenham ascendido
ao poder na América Latina. Governos que explicitamente estão ao lado
dos pobres e da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que a população
de qualquer país deve estar atenta contra a corrupção. Eu acredito que
é um sinal encorajador que os oprimidos tenham, mais do que nunca, voz
na política latino-americana. Entrando na música, mas sem sair tanto da política, como uma banda como o RATM lida com a indústria cultural? Bom,
é bem possível que ninguém no Brasil jamais tivesse escutado o RATM ou
que ninguém se interessasse em ler esta entrevista se não fosse o fato
da música do RATM ser veiculada pela Sony Music. Logo no início da
banda, nós tomamos uma decisão de forma extremamente consciente sobre
como tentaríamos divulgar nossa mensagem revolucionária para o maior
número de pessoas possíveis ao redor do mundo. E, ainda que eu respeite
as decisões de outros artistas em lidar exclusivamente com gravadoras
independentes, nossos objetivos políticos são muito maiores. Nós
queremos que nossa música tenha um impacto mundial. A
influência musical de vocês é bastante vasta. Do RAP ao Rock, passando
pela música negra e até o heavy metal. Ela sempre se pautou pela
atividade política? Minhas preferências musicais são
muito amplas e certamente nem sempre existe um componente político
nelas. Eu adoro heavy metal, como Black Sabbath, Iron Maiden e Rush,
assim como o hip-hop contemporâneo de DMX e Jay-Z e, obviamente, também
gosto de grupos políticos, como Public Enemy e The Clash. No RATM, nós
sempre sintetizamos nossas várias influências musicais para então
preencher com o nosso compromisso político. Algo na música sul-americana é referência para você? Um
dos meus maiores heróis musicais é Víctor Jara, o tremendamente
talentoso mártir do golpe de 1973 no Chile. Sua vida como músico e
ativista é muito inspiradora, especialmente no meu projeto solo, que
leva o nome de The Nightwatchman.
Você apontaria novos talentos na música? Eu
sou um grande fã de Gogol Bordello, The Arcade Fire, Bright Eyes e de
uma banda pouco conhecida fora da cidade de Nova York, que se chama
Outernational. O RATM voltou para ficar? Há previsão para novos trabalhos? Bem,
nós estamos juntos de verdade, como nosso show no Brasil demonstrou.
Atualmente, não existem planos para um novo disco, mas nós continuamos
amigos e fazendo shows. Mas o futuro não está escrito. Vocês têm planos para retornar à América do Sul? Eu
adoraria voltar em breve para tocar mais vezes e explorar o continente.
Nessa viagem, nós estivemos na América do Sul por menos de dez dias, o
que não foi nem de longe suficiente. Eu fui inspirado pelo público daí,
pelo encontro com o MST, pelo ensaio que nós vimos da escola de samba
Vai Vai, por visitar os túmulos de Víctor Jara e Allende no Chile, por
marchar com as Mães da Praça de Maio em Buenos Aires. Essas coisas
serão absorvidas por minha música no futuro. Finalmente, gostaria de
agradecer muito aos fãs do Brasil. Levamos dezenove anos para ir pela
primeira vez, mas garanto que não levaremos outros dezenove anos para
voltar. Nos veremos em breve. QUEM É
Nascido em 1964 no Harlem, em Nova York, formado em ciências políticas na Universidade de Harvard, Tom Morello foi incluído pela revista Rolling Stone como um dos 100 maiores guitarristas de todos os tempos.
Núcleo
Piratininga
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