Pol�tica
Os escândalos políticos midiáticos
Não
seria exatamente a tentativa de controlar a esfera propriamente
política o último recurso que a grande mídia – declaradamente
oposicionista pela voz da presidente da Associação Nacional dos Jornais
(ANJ) – estaria a exercer na construção de escândalos políticos
midiáticos a poucas semanas das eleições?
Por Venício Lima Observatório da Imprensa
Tão
logo as pesquisas revelaram que uma das candidatas à presidência da
República havia atingido índices de intenção de voto difíceis de serem
revertidos, e que os resultados indicavam a possibilidade de decisão
ainda no primeiro turno, a grande mídia e seus "formadores de opinião"
reagiram prontamente. Insistiram eles que fatos novos poderiam ocorrer
e que ainda era muito cedo para cantar vitória.
Um exemplo: sob o título "Festa na véspera", a principal colunista de economia do jornal O Globo escreveu em sua coluna "Panorama Econômico" do dia 31 de agosto:
"Então
é isso? Uma eleição cuja campanha começou antes da hora acabou antes
que os votos sejam depositados na urna? (...) Fala-se do futuro como
inexorável. O quadro está amplamente favorável a Dilma Rousseff, mas é
preciso ter respeito pelo processo eleitoral. Se pesquisa fosse voto,
era bem mais simples e barato escolher o governante."
Simultaneamente,
a poucas semanas do primeiro turno das eleições, os jornalões, a
principal revista semanal e a principal rede de televisão abriram
fartos espaços para a divulgação de "escândalos" com a óbvia intenção
de atingir a reputação pública da candidata favorita.
O
primeiro, diz respeito a vazamento de informações sigilosas da Receita
Federal ocorridos em setembro de 2009 [antes, portanto, da escolha
oficial dos candidatos e do início da campanha eleitoral]. O
"escândalo" foi imediatamente comparado com o caso Watergate, que levou
à renúncia o presidente dos EUA Richard Nixon, em 1974, e também à
prisão de integrantes do PT em hotel de São Paulo, em 2006. A narrativa
midiática logo passou a referir-se a ele como "Aloprados II" e/ou
"Receitagate".
O segundo, que surge tão logo o primeiro parece
não ter atingido os objetivos esperados, faz um incrível malabarismo ao
tentar incriminar a candidata favorita através de ações de lobby e
tráfico de influência atribuídos ao filho de sua ex-auxiliar. Um
exemplo: a manchete de primeira página da Folha de S.Paulo de domingo (12/9): "Filho do braço direito de Dilma atua como lobista".
O que estaria acontecendo na grande mídia brasileira?
Controle e dinâmica Em abril de 2006, no correr da "crise do mensalão", escrevi neste Observatório [ver "Escândalos midiáticos no tempo e no espaço"]
sobre o conceito de "escândalo político midiático" (EPM) desenvolvido
pelo professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, John B.
Thompson, em seu aclamado O escândalo político – Poder e visibilidade na era da mídia (Vozes, 1ª edição, 2002).
O momento é oportuno para retomar os ensinamentos de Thompson.
Os
EPM surgem historicamente no contexto do chamado jornalismo
investigativo, combinado com o crescimento da mídia de massa e a
disseminação das tecnologias de informação e comunicação. E, sobretudo,
no quadro das profundas transformações que ocorreram na natureza do
processo político, ainda dependente, em grande parte, da mídia
tradicional. Envolve indivíduos ou ações situados dentro de um campo
ligado à aquisição e ao exercício do poder político através do uso,
dentre outros, do poder simbólico. Fundamentalmente, o exercício do
poder político depende do uso do poder simbólico para cultivar e
sustentar a crença na legitimidade.
O poder simbólico, por sua
vez, refere-se à capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de
influenciar as ações e crenças de outros e também de criar
acontecimentos, através da produção e transmissão de formas simbólicas.
Para exercer esse poder, é necessário a utilização de vários tipos de
recursos, mas, basicamente, usar a grande mídia, que produz e transmite
capital simbólico – vale dizer, controla a visibilidade pública. A
reputação, por exemplo, é um aspecto do capital simbólico, atributo de
um indivíduo ou de uma instituição. O que está em jogo, portanto, num
EPM é o capital simbólico do político, sobretudo sua reputação.
Como
a grande mídia se tornou a principal arena em que as relações do campo
político são criadas, sustentadas e, ocasionalmente, destruídas, a
apresentação e repercussão dos EPM não são características secundárias
ou acidentais. Ao contrário, são partes constitutivas dos próprios EPM.
Escândalo
político midiático, portanto, é o evento que implica a revelação,
através da mídia, de atividades previamente ocultadas e moralmente
desonrosas, desencadeando uma seqüência de ocorrências posteriores. O
controle e a dinâmica de todo o processo deslocam-se dos atores
inicialmente envolvidos para os jornalistas e para a mídia.
Jogo de poder Na
verdade, a grande mídia ainda detém um enorme poder de legitimar a
esfera propriamente política através do tipo de visibilidade pública
que a ela oferece. Os atores da esfera política dependem de
visibilidade na esfera midiática para se elegerem e/ou se manterem no
poder. Através desse poder, próprio da esfera midiática, a grande mídia
tenta submeter e controlar o processo político, em particular os
processos eleitorais. É aí que surgem os EPM.
Não seria
exatamente a tentativa de controlar a esfera propriamente política o
último recurso que a grande mídia – declaradamente oposicionista pela
voz da presidente da ANJ – estaria a exercer na construção de EPM a
poucas semanas das eleições?
Será que o Brasil de 2010 é o mesmo de 2006, quando tentativa semelhante levou as eleições presidenciais para o segundo turno?
O
que está realmente em jogo é o poder da mídia tradicional – e, por
óbvio, dos grupos dominantes do setor – em tempos de profundas
transformações nas comunicações. Em tempos de internet.
Quem viver verá.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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