M�dia
Onde o poder da grande mídia não chega
O
acesso às novas tecnologias e as facilidades de filmar, gravar,
produzir sons e imagens e distribuí-los a baixo custo nas próprias
comunidades periféricas, cria novos "espaços públicos" externos e fora
do alcance da grande mídia.
Por Venício Lima Publicado no Observatório da Imprensa
Os
incríveis índices de aprovação do presidente Lula e do seu governo e a
expectativa de que a candidata por ele apoiada vença as eleições ainda
no primeiro turno – agora confirmada pela unanimidade dos institutos de
pesquisa de "opinião pública" – vem deixando muita gente boa
desorientada.
Teóricos de ocasião e autodesignados "formadores
de opinião" estão perdidos diante do insucesso da cobertura de oposição
sistematicamente praticada pela grande mídia nos últimos anos – aliás,
confirmada pela presidente da ANJ em março passado – e têm oferecido
explicações sem sentido para salvar as aparências.
Quem forma a "opinião pública"? Afinal
o que é opinião pública? Qual é o papel da grande mídia na sua
formação? Quem são os seus formadores? Qual é o papel da mídia – e,
portanto, dos jornalistas – na democracia representativa liberal?
A
opinião pública tem sido objeto de estudo e reflexão desde pelo menos o
século 18 e, no século 20, passou a fazer parte do debate conceitual e
teórico na academia. Mais do que isso, seu significado se tornou objeto
da própria disputa política de vez que serve aos interesses privados da
grande mídia (a) defini-la como resultado das pesquisas que financia ou
faz; (b) atribuir a si mesma o papel de "falar em nome da opinião
pública"; e, sobretudo, (c) ser considerada como sua principal
formadora.
O que está envolvido em tudo isso, por óbvio, é a disputa pelo poder: o enorme poder de "fazer a cabeça" das pessoas.
Descartada
pelo marxismo clássico como falsa consciência e ideologia que mascara o
interesse de classe, a opinião pública ocupa um papel central nas
chamadas democracias consentidas liberais (G. Sartori), pois é
considerada, no plano das idéias, o equivalente ao "preço das
mercadorias", uma e outro resultantes da livre competição racional no
mercado.
A opinião do cidadão informado e esclarecido surgiria
do confronto plural de idéias no processo racional de debate público
informado pela mídia. O sujeito da opinião, portanto, não seria o
membro alienado de uma "massa", mas o cidadão esclarecido de um
"público".
Na perspectiva liberal, caberia à mídia, acima dos
interesses em jogo, o papel de fornecer ao público a pluralidade e a
diversidade das informações necessárias à formação de sua opinião e,
claro, à tomada de decisão política, em geral, e eleitoral, em
particular. A liberdade da imprensa seria, portanto, a garantia do
fluxo livre de informações, responsável pelo funcionamento do mercado
de idéias e, em última instância, da própria democracia representativa.
Os excluídos despertam... Como
explicar, então, que, apesar de estar sendo "bem informada", a maioria
da opinião pública brasileira esteja se formando politicamente com
opinião oposta àquela explicitamente defendida pela grande mídia, ou
seja, favorável não só ao presidente Lula, mas ao seu governo e à sua
candidata?
Tenho argumentado a algum tempo que a grande mídia
insiste em não enxergar a nova realidade (ver, por exemplo, neste
Observatório, "A velha mídia finge que o país não mudou"). Certamente são muitas as explicações para o que vem acontecendo em relação à opinião pública brasileira.
Entre
elas, com certeza, está a maior diversidade de fontes de informação
política hoje disponível [internet] e o crescimento às vezes
imperceptível do nível de consciência de camadas significativas da
população sobre a mídia comercial, seu enorme poder e seus interesses.
E ainda: a crescente consciência de que a comunicação é um direito
fundamental da cidadania.
Jovens da periferia de Brasília Essa
longa reflexão vem a propósito de rápido, mas intenso contato que tive
com grupos de jovens e educadores populares da periferia de Brasília,
discutindo com eles sobre as relações entre a mídia e a violência
durante o seminário "A juventude quer viver: diga não à violência e ao
extermínio de jovens", realizado na Universidade Católica de Brasília,
no último fim de semana.
O acesso às novas tecnologias e as
facilidades de filmar, gravar, produzir sons e imagens e distribuí-los
a baixo custo nas próprias comunidades periféricas, cria novos "espaços
públicos" externos e fora do alcance da grande mídia.
Um
exemplo: chega a ser surpreendente o conteúdo de músicas hip-hop que
artistas populares criam descrevendo criticamente o padrão de cobertura
que a grande mídia oferece sobre o jovem da periferia dos centros
urbanos. Basta a esses artistas o confronto da sua realidade cotidiana
com o que se escreve, se fala e se mostra a seu respeito. Revela-se
comparativamente para milhões de jovens como o seu cotidiano é omitido
ou grosseiramente distorcido. Eles são de fato excluídos e assim se
consideram.
Para esses jovens, restrições à liberdade de
expressão são uma realidade histórica, só que praticadas não pelo
Estado, mas exatamente pela grande mídia que não oferece a eles o
acesso e o espaço que deveria ser seu de direito [direito de antena].
Novos tempos Essa
realidade começa a ser mudada, todavia, pelos próprios jovens. E sem
qualquer participação da grande mídia: são rádios comunitárias, shows
de hip-hop, portais na internet, vídeos e outros recursos que começam a
formar redes alternativas de comunicação comunitária a serviço da
liberdade de expressão de milhares e milhares de jovens da periferia.
Nestes
"espaços públicos" a grande mídia não interfere na formação da opinião.
Aqui o conteúdo dos jornalões, das revistas semanais e das redes
dominantes de rádio e televisão serve, na verdade, para confirmar a
exclusão social e cultural, além de alimentar a crítica
conscientizadora.
Talvez esteja aí – nas comunidades organizadas
de jovens das periferias das grandes cidades – uma das explicações para
o retumbante fracasso da grande mídia na formação da opinião pública em
relação ao presidente Lula, ao seu governo e à sua candidata à
Presidência.
O tempo dirá.
................................. Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de
Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e
Democracia, Publisher, 2010.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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