Entrevistas
Inácio Neutzling: religião, futuro e eco-economia
Inácio Neutzling é um teólogo jesuíta fundador do Instituto Humanitas, da Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande de Sul. Trata-se de uma das iniciativas mais ousadas e criativas da Igreja nos últimos tempos. O projeto, ainda em fase de experimentação, reúne alguns dos maiores pensadores do mundo que não acreditam mais no crescimento econômico como saída para os problemas da humanidade.
Inácio Neutzling alerta para o perigo de a economia ter dominado todas as esferas da vida social, política e cultural nesses tempos. O Instituto Humanitas faz parte de uma rede universal de organizações que defendem uma eco-economia, um novo jeito de pensar o futuro da humanidade que leva em conta, antes de tudo, a qualidade de vida de todos os seres que habitam o planeta.
Nesta entrevista, Inácio Neutzling levanta uma questão alarmante: "Ainda há tempo de devolver ao planeta o equilíbrio roubado ao longo de séculos de abuso e depredação"?
Confira abaixo trechos da entrevista e no áudio acima a entrevista completa.
Marco Lacerda: Para quê ter uma religião?
Inácio Neutzling: Ter uma religião é uma opção. Muitas pessoas no mundo, atualmente, não têm religião. Depende da opção e das circunstâncias existenciais de cada pessoa.
A religião pode ser algo importante, mas não é necessário, me parece, que todas as pessoas sigam alguma.
Lacerda: Mas você acha possível tornar-se um ser humano realizado e feliz sem uma religião?
Neutzling: É perfeitamente possível. Há tantas pessoas que não têm religião e são plenamente realizadas. A felicidade não depende, exatamente, de ter ou não uma religião.
Existem muitas pessoas atéias que são eticamente felizes e têm comportamento exemplar. Ou seja, a moral, a ética e o ser feliz não dependem da religião. Agora, ter uma religião pode ajudar a ser feliz.
Lacerda: Qual é, em sua opinião, o motivo da diminuição do número de católicos e do desinteresse crescente entre o pessoal mais jovem pela religião?
Neutzling: Parece-me que, entre os mais jovens, há uma descrença maior no cristianismo e no catolicismo. No entanto, há uma busca pelo sagrado, pelo religioso - é uma constatação que podemos fazer hoje. Pelo desencantamento, chegaram a dizer que a religião acabaria, o que certamente não é constatado. Há uma grande procura pelo religioso.
Agora, quanto ao catolicismo, há sim uma diminuição do interesse das pessoas. É uma religião com dois mil anos de história (ou mais, se considerarmos a sua raiz judaica), que sobreviveu a muitos entraves e desafios.
Creio que haja de fato uma crise – o catolicismo vai ter que se (re)situar neste novo contexto cultural que estamos vivendo. Estamos fazendo uma passagem de um tipo de civilização essencialmente religiosa para o que talvez seja a primeira sociedade não-religiosa da humanidade.
Lacerda: A primeira encíclica de Bento XVI chama-se “Deus é amor”. Como entender um amor que recusa a dar comunhão a casais separados e a homossexuais professamente católicos?
Neutzling: É uma contradição, realmente. Há um problema difícil, bem complicado, que a Igreja Católica ainda enfrenta. Outras igrejas cristãs tentam resolvê-lo de maneira mais dialogal, consoante à compaixão e à misericórdia de Jesus de Nazaré, e acolhem todas as pessoas à mesa eucarística.
A Igreja Católica ainda enfrenta o preconceito forte contra os homossexuais, por exemplo, enquanto outras igrejas do cristianismo, como a Igreja Anglicana, tentaram resolver isso de uma maneira mais de acordo com o Evangelho.
Agora, acredito que a Igreja Católica precisa de mais tempo para não criar uma grande cisão, como aconteceu na Igreja Anglicana. Este é o nosso desafio, por isso há muitas reticências e receios em abrir a comunhão para pessoas casadas em segundas núpcias e aos homossexuais.
A Igreja Católica já teve vários cismas na sua história, mas para um futuro, não tão próximo, esta questão certamente terá que ser revista.
Lacerda: Por que motivo a teologia da libertação, que alguns chegam a considerar velha, continua provocando tanta inquietação?
Neutzling: Jon Sobrino é um sacerdote e teólogo jesuíta que vivia em San Salvador, importante expoente da Teologia da Libertação. Há 20 anos, seus colegas jesuítas foram assassinados em El Salvador. Ele deveria estar no meio, mas estava em uma conferencia em Bancoc, na Tailândia.
Por pouco foi poupado desta chacina, que culminou com o assassinato de seis jesuítas ligados à teologia da libertação, que dirigiam universidade comprometida com os pobres e com a causa da transformação social.
O surgimento da teologia foi importante, criou muitos espaços de ação social e de intervenção mais clarividente dos cristãos da América Latina. Foi fundada exatamente sobre os ensinamentos de Jesus, com toda uma perspectiva de uma leitura da realidade a partir das ciências modernas, especialmente das ciências sociais.
A partir da conferência de Medellín, em 1968, foi incentivada uma teologia profundamente eclesial, vinculada à tradição da Igreja. No entanto, o confronto que ela criou fez com que houvesse receios, inclusive com o apoio de políticos conservadores, no caso o governo norte-americano - eram medos de que a Igreja estivesse se envolvendo demais no campo social.
Veio, então, uma reação forte, que de certa forma perdura. No entanto, muitos dos elementos da teologia da libertação perduram. Por exemplo, a posição de Bento XVI na abertura da conferência de Aparecida, quando afirma que a opção preferencial pelos pobres é cristológica, me parece redescoberta pela teologia da libertação.
Muitos documentos, como na última encíclica de Bento XVI, retomam elementos da teologia da libertação e, ao mesmo tempo, contestam aspectos da doutrina de Jon Sobrino. Fica claro que ainda há algo em disputa.
Agora, o grande problema hoje da Igreja não é mais tanto a teologia da libertação, mas sim a teologia do diálogo inter-religioso, ou seja, como pensar a relação do cristianismo com as outras grandes religiões da humanidade.
Entrevista realizada pelo jornalista Marco Lacerda no programa FrenteVerso, que vai ao ar aos domingos, às 21h, pela Rádio Inconfidência FM (100,9), de Belo Horizonte.
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