MÃdia
A velha mídia está derretendo
Pesquisa
aponta que quase 60% das pessoas acham que as notícias veiculadas pela
imprensa brasileira são tendenciosas. Oito em cada dez brasileiros
acreditam muito pouco ou não acreditam no que a imprensa veicula.
Quanto maior o nível de renda e de escolaridade do brasileiro, maior o
senso crítico em relação ao que a mídia veicula.
Por Antonio Lassance* Carta Maior
Como
um iceberg a navegar em águas quentes e turbulentas, a velha mídia está
derretendo. O mundo está mudando, o Brasil é outro e os brasileiros
desenvolvem, aceleradamente, novos hábitos de informação.
Um retrato desse processo pode ser visto na recente pesquisa encomendada
pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República
(Secom-P.R.), destinada a descobrir o que o brasileiro lê, ouve, vê e
como analisa os fatos e forma sua opinião.
A pesquisa revelou as
dimensões que o iceberg ainda preserva. A televisão e o rádio
permanecem como os meios de comunicação mais comuns aos brasileiros. A
TV é assistida por 96,6% da população brasileira, e o rádio, por
expressivos 80,3%. Os jornais e revistas ficam bem atrás. Cerca de 46%
costumam ler jornais, e menos de 35%, revistas. Perto de apenas 11,5%
são leitores diários dos jornais tradicionais.
Quanto à
internet, os resultados, da forma como estão apresentados, preferiram
escolher o lado cheio do copo. Avalia-se que a internet no Brasil segue
a tendência de crescimento mundial e já é utilizada por 46,1% da
população brasileira. No entanto, é preciso uma avaliação sobre o lado
vazio do copo, ou seja, a constatação de que os 53,9% de pessoas que
não têm qualquer acesso à internet ainda revelam um quadro de exclusão
digital que precisa ser superado. Ponto para o Programa Nacional da
Banda Larga, que representa a chance de uma mudança estrutural e
definitiva na forma como os brasileiros se informam e comunicam-se.
A
internet tem devorado a TV e o rádio com grande apetite. Os conectados
já gastam, em média, mais tempo navegando do que em frente à TV ou ao
rádio. Esse avanço relaciona-se não apenas a um novo hábito, mas ao
crescimento da renda nacional e à incorporação de contingentes
populacionais pobres à classe média, que passaram a ter condições de
adquirir um computador conectado.
O processo em curso não levará
ao desaparecimento da TV, do rádio e da mídia impressa. O que está
havendo é que as velhas mídias estão sendo canibalizadas pela internet,
que tornou-se a mídia das mídias, uma plataforma capaz de integrar os
mais diversos meios e oferecer ao público alternativas flexíveis e
novas opções de entretenimento, comunicação pessoal e “autocomunicação
de massa”, como diz o espanhol Manuel Castells.
Ainda usando a analogia do iceberg, a internet tem o poder de diluir, para engolir, a velha mídia.
A
pesquisa da Secom-P.R. dá uma boa pista sobre o grande sucesso das
plataformas eletrônicas das redes sociais. A formação de opinião entre
os brasileiros se dá, em grande medida, na interlocução com amigos
(70,9%), família (57,7%), colegas de trabalho (27,3%) e de escola
(6,9%), o namorado ou namorada (2,5%), a igreja (1,9%), os movimentos
sociais (1,8%) e os sindicatos (0,8%). Alerta para movimentos sociais,
sindicatos e igrejas: seu “sex appeal” anda mais baixo que o das(os)
namoradas(os).
Estes números confirmam estudos de longa data que
afirmam que as redes sociais influem mais na formação da opinião do que
os meios de comunicação. Por isso, uma informação muitas vezes
bombardeada pela mídia demora a cair nas graças ou desgraças da opinião
pública: ela depende do filtro excercido pela rede de relações sociais
que envolve a vida de qualquer pessoa. Explica também por que algo que
a imprensa bombardeia como negativo pode ser visto pela maioria como
positivo. A alta popularidade do Governo Lula, diante do longo e pesado
cerco midiático, talvez seja o exemplo mais retumbante.
Em suma,
o povo não engole tudo o que se despeja sobre ele: mastiga, deglute,
digere e muitas vezes cospe conteúdos que não se encaixam em seus
valores, sua percepção da realidade e diante de informações que ele
consegue por meios próprios e muito mais confiáveis.
É aqui que
mora o perigo para a velha mídia. Sua credibilidade está descendo
ladeira abaixo. Segundo a citada pesquisa, quase 60% das pessoas acham
que as notícias veiculadas pela imprensa são tendenciosas.
Um
dado ainda mais grave: 8 em cada 10 brasileiros acreditam muito pouco
ou não acreditam no que a imprensa veicula. Quanto maior o nível de
renda e de escolaridade do brasileiro (que é o rumo da atual trajetória
do país), maior o senso crítico em relação ao que a mídia veicula - ou
“inocula”.
A velha mídia está se tornando cada vez mais
salgada para o povo. Em dois sentidos: ela pode estar exagerando em
conteúdos cada vez mais difíceis de engolir, e as pessoas estão cada
vez menos dispostas a comprar conteúdos que podem conseguir de graça,
de forma mais simples, e por canais diretos, mais interativos,
confiáveis, simpáticos e prazerosos. Num momento em que tudo o que
parece sólido se desmancha... na água, quem quiser sobreviver vai ter
que trocar as lições de moral pelas explicações didáticas; vai ter que
demitir os pit bulls e contratar mais explicadores, humoristas e
chargistas. Terá que abandonar o cargo, em que se autoempossou, de
superego da República.
Do contrário, obstinados na defesa de
seus próprios interesses e na descarga ideológica coletiva de suas
raivas particulares, alguns dos mais tradicionais veículos de
comunicação serão vítimas de seu próprio veneno. Ao exagerarem no sal,
apenas contribuirão para acelerar o processo de derretimento do
impávido colosso iceberg que já não está em terra firme.
* Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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