Mais de mil pessoas acompanharam as palavras do prêmio Nobel de Literatura de 1998, no anfiteatro do Sesc Pinheiros, em São Paulo, no dia 27 de outubro último. Estávamos lá, representando o NPC, quase na fila do gargarejo. Mas Saramago estava totalmente “inviolável” ao assédio da imprensa, do público e dos fãs. O escritor tomou assento à mesa no centro de um palco totalmente negro. Ele também de preto, como se estivesse de luto. Bem comportado, o escritor português falou para o público por mais de 30 minutos. Fez o público rir. Foi aplaudido várias vezes. E, ao final, foi aplaudido de pé por um público rendido ao ídolo.
Levantou-se, cumprimentou mais uma vez o público e sumiu por de trás do palco entre as cortinas negras. Em frações de segundos. Não deu tempo nem de chegar perto do palco. Saramago já havia sumido. Fez a sua intermitência.
O público deu meia volta. E, como numa procissão, bem devagar, e com certa paciência, seguiu por escadas rolantes até chegar a uma pequena rampa onde aguardou o início da noite de autógrafos. A fila era imensa (será que todos esperaram a sua vez?).
Saramago chegou à mesa de autógrafo logo depois das 22 horas. Com o seu terno preto impecável, andar calmo e firme, ainda consegui parar por alguns segundos o escritor e entregar a agenda “A Comunicação dia-a-dia 2005” do Núcleo Piratininga de Comunicação. Balbuciei algumas palavras...”um presente para o senhor”. O segurança ao lado já logo olhou e fez o caminho ser seguido. Ainda deu tempo de Saramago fazer um gesto de agradecimento com a mão direita. No mais, aquela noite era para os fãs, mesmo à distância. A imprensa apenas pôde fotografar e filmar. A entrevista coletiva seria no dia seguinte, às 10h30, também no Sesc Pinheiros.
No meio de uma frustração, já que queria trazer em primeira-mão uma entrevista exclusiva para os leitores do Boletim NPC, acabei pensando numa alternativa para brindar os nossos amigos. Foi daí que surgiu a idéia de transcrever a apresentação de Saramago naquele dia 27 de outubro.
Saramago escreve sobre um dos temas mais caros para a humanidade. Objeto do pensamento ocidental ao longo da nossa História, a morte, ou a vontade da eternidade, está na ciência, na arte, na filosofia, na literatura. Assunto recorrente, a morte estará nas páginas bíblicas, nos versos de Ilíada e da Odisséia. Enfim, em tudo. Estará em toda a nossa vida.
Heidegger, Spinoza, Hegel, Sartre, Platão e tantos outros vão tratar, de uma forma ou de outra, do significado da morte, ou do seu reverso, a vida. “Nunca encontrei, ainda, a mulher da qual desejaria ter filhos, a não ser esta mulher que amo: pois eu te amo, ó eternidade!” (1) , assim falou Zaratustra, de Nietzsche. Para Saramago, a morte também é feminina.
Não podemos deixar de mencionar o gesto carinhoso com o qual José Saramago se despediu do público naquela noite paulistana. Cruzou os dois braços à frente do seu peito como num abraço bem apertado e próximo do coração.