MÃdia
O dossiê do simulacro de imprensa
Por Gilson Caroni Filho Carta Maior
Pena
que a ficção tenha durado tão pouco. Mas a trama era tão frágil que foi
desconstruída com um simples artigo de Luiz Nassif. Trabalhando com a
lógica dos fatos, o blogueiro mostrou que o anunciado “novo escorregão
petista" era, na verdade, um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Uma
obra tão reveladora dos bastidores tucanos que, antes mesmo de existir
editorialmente, já virou leitura obrigatória.
Quem acompanha a
história da imprensa brasileira sabe de suas conexões com interesses
dominantes na sociedade fracionada. Conhece, e bem, como são editados
fatos e discursos. Tem noção aguda de que a autonomia relativa de uma
redação encontra seus limites nos interesses do patronato. Franklin
Martins, Helena Chagas e Rodrigo Viana, demitidos em 2006, estão aí
como “respaldo de provas robustas”, “evidências empíricas", sempre
solicitadas pelos defensores da grande mídia corporativa quando
acusados de trabalhar para partidos da direita, com doses descomunais
de panfletarismo.
É de autoria de Paulo Francis a máxima segundo
a qual “a história é monótona, a cada minuto nasce um leitor idiota”.
Parece que, pelo que temos visto nos últimos oito anos, a suposta
idiotia do leitor é algo datado, sem sinalização concreta nos dias
atuais. Ainda assim, convém confrontar supostas espertezas que podem
custar caro ao campo democrático-popular. Quando isso ocorre, a direita
comemora com blocos editorializados no Jornal Nacional. E, claro, a nau
dos insensatos ainda chama de bom jornalismo o que não passa de
desabrida propaganda ideológica.
Na verdade, os jornalões
produzem noticiário somente para leitores alinhados com sua política
editorial e os colunistas, do alto de sua insignificância, escrevem
para prestar conta apenas a seus patrões. Laurindo Leal Lalo Filho foi
preciso ao definir o papel que sobrou o jornalismo impresso
protofascista: "ser fonte de munição para os veículos eletrônicos
(rádio, TV e internet)".
Faltou pouco para que as última edição
do JN - ( sábado, 6/6)- tivesse fundo musical. Afinal, era comemorativa
e o regozijo com um suposto gol contra do adversário é conhecido do
torcedor brasileiro. Se servir para ocultar as conquistas do atual
governo, e o crescimento da candidatura de Dilma Roussef, tanto melhor.
Saímos do campo futebolístico e adentramos a arena da luta de classes,
sempre com a elegância da boa diagramação e o capricho nos títulos
fortes.
O "dossiê", supostamente produzido pelo núcleo de
campanha da ex-ministra, envolvendo Serra e pessoas próximas a ele, foi
um “presente” inesperado para aqueles 5% que não se conformam com a
reedição de um fenômeno inédito até 2006: uma vitória política, já
consolidada no imaginário do eleitorado, não se desdobrar em vitória
eleitoral.
Sejamos francos, só mesmo sendo muito ingênuo para
cair no “conto do dossiê”. Qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso,
farejaria de longe a óbvia “trampa”. Um mínimo de pragmatismo saberia
que vídeos e papéis, ainda que bombásticos, não teriam qualquer efeito
prático à essa altura do campeonato em que, para o PT, a terceira
eleição para a presidência da República é um fato altamente provável.
Tentou-se,
sem o menor cuidado investigativo, reeditar a aventura midiática de
2006. Qual foi a construção que se procurou vender à época, no chamado
“escândalo dos aloprados”? Um pouco de tática de luta sindical
misturada ao desespero da facção paulista do partido, ávida por
assegurar uma hegemonia em risco, poderia explicar o tiro eleitoral que
quase acertou o pé. Ainda mais quando se farejavam as intenções de
tucanos lacerdistas e os seguidos pronunciamentos do presidente do TSE
(Marco Aurélio Mello) a lhes prometer sustentação legal em sua
aventura. Os desmentidos não tardaram a aparecer e o " escândalo", tal
como o do “mensalão”, passou a ter valor tão somente como provisão para
efetiva perda de estoque informativo.
Para piorar, nas eleições
passadas, ainda haveria um outro “dossiê” a ser escondido no noticiário
global. E ele veio do Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio). Para desespero dos expoentes da Teoria da Dependência, que
agora elegeram a UDN como modelo, o nível de pobreza caiu 19,18% nos
três primeiros anos do governo Lula, o maior recuo em dez anos. Somemos
a isso a retomada do emprego, estagnada há uma década, segundo Marcelo
Néri, coordenador da pesquisa.
Mas, há quatro anos, o que mais
impressionava no “dossiê” a ser ocultado viria a seguir: Os pobres e
ricos obtiveram ganhos. Porém, segundo Néri, "50% dos mais pobres
aumentaram sua renda em 8,5%, enquanto os 10% mais ricos, depois de
cinco anos de perdas, tiveram ganhos de cerca 6%. A classe média teve
um crescimento um pouco menor, de 5,5% da renda.”
Era esse o
governo que tinha privilegiado banqueiros? Os editores se calaram.
Aqueles que deveriam sempre se pautar por evidências empíricas que
valem o sal de todo mês ficaram calados. Desde então, a grande imprensa
se condenou a não cobrir questões programáticas, fugir da grande
política, chafurdando no sistema de valências, da desqualificação
pessoal e de histórias fantasiosas.
Se a grande mídia
acreditasse em suas próprias representações, seria desnecessário
reiterar que, se existem indícios, por mais tênues que sejam, de
possível envolvimento de José Serra com as irregularidades da
privataria, por ação ou omissão, tal possibilidade deveria ser
investigada. Para um jornalismo correto denúncias não são liminarmente
desqualificadas.
Para gáudio dos golpistas, seu colosso
midiático produzirá edições inesquecíveis de “Vejas” e “Épocas” nas
próximas semanas. Muito embora a população já tenha sinalizado que a
direita pode estar gastando tinta e papel em vão, a dobradinha TSE-TV
Globo estará no ar “orientando” os eleitores a não votar em candidatos
envolvidos em “escândalos”. Claro que não relembra que a maioria deles
é peça de ficção produzida nas melhores redações. Nunca, desde 1964, o
empenho em derrotar uma liderança foi tão evidente a ponto de pôr no
chão o marketing editorial de várias publicações.
Com tudo isso,
creio que é bom lembrar que sobressaltos no período eleitoral já eram
esperados. Mas alguns, convenhamos, são evitáveis. A direita não se deu
sequer ao trabalho de atualizar métodos. A “venezuelização” do
monopólio global já lançou sua palavra de ordem: a eleição não será
televisionada. Este é o mote que assusta. E, que me desculpem os
observadores mais apaixonados pelo ofício, as generalizações não
incorrem em risco de erro. Lanzettas e Onésimos frequentarão páginas e
telas por um bom tempo ainda. São os personagens à procura de um autor.
Pobre Pirandello.
*** Em tempo – Nunca as evidências
estiveram tão à mostra e custaram tão barato. O pesquisador deve ir à
banca e procurar pelos seguintes títulos: O Globo, O Estado de São
Paulo e Zero Hora. Uma olhada nas manchetes e títulos das dobras
superiores já será de grande valia. Se quiser uma amostragem repleta de
cores e luzes, deve procurar por publicações semanais. São um pouco
mais caras, mas são muito piores.
- Gilson
Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio
Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e
colaborador do Jornal do Brasil
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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