Num
texto que pode ser encontrado em http://www.liberdadenatv.com.br/, mas não pode ser sequer impresso, a
SKY desinforma, deturpa e até mente ao dar as suas razões para se opor à PL-29,
em tramitação na Câmara dos Deputados, para as quais logrou aliciar alguns
deputados para a sua causa, cujos motivos, em véspera de eleição, são
compreensíveis...
A SKY é
controlada pela Liberty Media estadunidense, associada, no Brasil, às Organizações
Globo . Detém quase 30% do mercado brasileiro de TV por assinatura. Como opera
exclusivamente via satélite, não está submetida a qualquer tipo de regulação,
já que não temos lei nenhuma para TV via
satélite. Ela opera graças a uma autorização por mera portaria do Ministério
das omunicações. A PL-29, quando aprovada, vai acabar com essa aberração.
Entende-se que a SKY, leia-se Liberty Media, seja contra a idéia... Abaixo,
listo os seus argumentos, cotejados com realidade.
O QUE DIZ A SKY
A REALIDADE
Como é hoje
“A disputa pela audiência faz com que os canais invistam em
qualidade e programas atraentes para os telelespectadores”
Como REALMENTE é hoje
Qualidade? A disputa pela
audiência, como toda e qualquer disputa pela audiência, faz com que os canais invistam em programas de baixa qualidade, repetitivos, desinformativos e nada formativos.
Quando assinei a NET, há alguns anos, todos os domingos à noite, podia-se assistir, em um
de seus canais, a alguma bela ópera. Num domingo qualquer, sem mais nem
menos, em meio a uma ópera, subitamente, sem aviso prévio, a música foi
interrompida e, incontinente, entrou... BBB. Ora, para ver BBB, não preciso
de TV por assinatura! Isso é qualidade?
Como ficará
“O Capítulo V da PL-29 determina que os canais terão de exibir
3:30 (três horas e trinta
minutos) semanais de programação nacional”
Como REALMENTE ficará
Errado. Essas 3:30 horas
semanais refere-se
apenas ao “espaço qualificado”. Não atinge todos os canais, mas apenas aqueles cuja programação seja
predominantemente considerada “espaço qualificado” (não atinge ESPN, por exemplo,
mas pode atingir TNT, Sony...). De qualquer modo, será que 3:30 horas
semanais são tanto tempo assim? O fato de ser “programação nacional” implica
baixa qualidade?
Como é hoje
“Os canais são considerados de qualidade ou
qualificados pela aceitação e preferência dos
clientes”
Como REALMENTE é hoje
Sofisma. A PL não
estabelece que os canais sejam “considerados de qualidade ou qualificados”. A SKY está
querendo confundir você. No entanto, hoje, como não há qualquer legislação sobre
“padrões de qualidade” (como há na Europa, por exemplo), os canais são
considerados “de qualidade” em função do faturamento que dão à Sky, em assinaturas e publicidade: é o que ela quer dizer com “aceitação e preferência”. Para mim, por exemplo, a grande maioria dos canais
não tem qualidade nenhuma. Mas isto, concordo, não passa de um particular juízo
subjetivo. O juízo da Sky (Qualidade = $$$), certamente é mais objetivo...
Como ficará
“Cria o conceito de “canais qualificados” como sendo aqueles de
filmes, seriados, shows, excluindo os religiosos, esportivos, jornalístico, programas
de auditório, étnicos, políticos e televendas”
Como REALMENTE ficará
Errado. Não cria o
conceito de “canais qualificados”. Cria o conceito de “espaço qualificado” definido
como qualquer tempo de programação não destinado a jornalismo, espetáculos, programas
de auditório etc., ou seja, tempo de programação destinado a filmes, séries, novelas,
documentários, animação etc. (que podem ser de “boa” ou “má” qualidade...). O
adjetivo “qualificado” tem aqui uma definição objetiva, referida a um tipo de
programa e de programação, não aos meus ou aos seus gostos e preferências.
“Canal de espaço qualificado” é o canal em cuja programação predominam filmes
(de boa ou má qualidade, a meu ou a seu juízo), séries (de boa ou má
qualidade a meu ou a seu juízo), animações (de boa ou má qualidade a meu ou a
seu juízo), documentários (de boa ou má qualidade, a meu ou a seu juízo) etc.
Como é hoje
“As operadoras oferecem pacotes definidos a
partir de pesquisas com clientes e consumidores”
Como REALMENTE é hoje
Enganação. As operadoras
oferecem os pacotes que bem entendem, quase todos estadunidenses, suspendem
canais ao seu bel prazer, obrigam você a pagar por 100 canais, quando você só
vai mesmo assistir corriqueiramente a não mais que 10 ou 15. Você muito
dificilmente verá algum canal europeu ou latinoamericano na sua TV por
assinatura. Por que tem TCM mas não tem EuroChannel? Por que tem Fox News mas
não tem Al Jazeera? As “pesquisas” aí apenas buscam saber quais canais vão
gerar mais faturamento, não quais canais podem lhe oferecer mais “qualidade”.
E acabam, também, praticando uma espécie de censura prévia ao lhe negarem acesso a centenas de canais que
existem ou poderiam existir, caso realmente você pudesse ter verdadeiro poder para definir
o “pacote” do seu real interesse.
Como ficará
“Um terço dos canais brasileiros qualificados
terá de ser programado por programadora brasileira independente”
Como REALMENTE ficará
Ótimo! Um terço dos
“canais de espaço qualificado” em qualquer
pacote (de 30 canais ou de 300
canais...) deverá ser reservado para programadoras brasileiras e somente 1/3
desse 1/3 será destinado a programadoras independentes, isto é, que não sejam
associadas a grandes corporações multimídia, quer dizer, que não sejam controlados, entre outras, pela Sky. Considerando que em qualquer
pacote, nem todos os canais se incluem na definição de “qualificado”, 1/3 de 1/3 é muito pouco... A lei pretende diversificar a oferta,
favorecer maior concorrência entre canais, dar a você a real
oportunidade de zapear alguma coisa diferente no seu pacote. Afinal, o que há de
realmente diferente entre Fox, TNT, Sony, Warner, FX, Universal, MGM etc.?
Sobretudo, a lei pretende ampliar o mercado de trabalho para diretores,
roteiristas, artistas, jornalistas, animadores, demais profissionais
brasileiros de cinema e televisão, bem como permitir que investidores
brasileiros possam investir e lucrar nesse crescente mercado hoje dominado por
corporações estrangeiras, as maiores delas estadunidenses.
Como é hoje
“Hoje, os canais exibem os seus melhores programas nesta faixa
de horário [horário nobre]. Além disso, os canais já investem em conteúdo nacional
com qualidade, por liberalidade, sem qualquer imposição”
Como REALMENTE é hoje
Arrogância. O investimento
em conteúdo nacional se deve à “liberalidade” do canal estrangeiro, diz a
Sky. É como quem diz, “não vale a pena, mas somos bonzinhos”... Na verdade, eles
investem porque, entre outros bons motivos, como o talento do artista
brasileiro e o próprio gosto do telespectador brasileiro, têm incentivos fiscais para investir. Além disso, começaram a investir quando viram as primeiras
fumaças da PL-29. Por enquanto, a programação nacional nesses canais não
atinge sequer 3:30 horas semanais.
Como ficará
“Os canais terão de exibir no horário nobre
3:30 horas (três horas e trinta minutos) de programas nacionais,
semanalmente, a serem produzidos por produtores independentes brasileiros”
Como REALMENTE ficará
Desinformação.
Canais que não exibem “espaço qualificado” ficarão isentos dessa obrigação (CNN,
por exemplo). A definição de horário nobre, em futura regulamentação, não
poderá ultrapassar 7 horas diárias, logo 49 horas semanais. Portanto três
horas e meia por semana são muito pouco. Apesar desse pouco tempo, ainda
assim a PL-29 está abrindo mercado de investimento e trabalho para nós,
brasileiros, ajudando a criar condições para que se expanda a indústria
audiovisual brasileira e permitindo que a nossa cultura, nossa história, nossa
ficção apareçam também na TV paga. Aliás, é assim no Canadá, na França, na
Alemanha, na Austrália, na maioria dos países do chamado “primeiro mundo”. A
PL-29, nesta parte, inspira-se na lei européia denominada “Televisão sem
fronteiras”. Na Europa, o tempo destinado à programação européia é muito superior
a 3:30 horas semanais...
Como é hoje
“A decisão da grade de programação é de responsabilidade dos
canais e a decisão de lançamento de manutenção dos pacotes é das operadoras, com
base na opinião dos clientes”
Como REALMENTE é hoje
Mentira. Nunca me
perguntaram se quero determinado canal ou se quero deixar de ter determinado canal. Recentemente, tive que pagar mais caro para manter os canais “étnicos” no meu pacote,
embora dispensasse de muito bom grado, muitos outros canais, sobretudo os
“infantís”. Mais importante: “como é hoje” afronta o Capítulo da Constituição
brasileira sobre Comunicação Social.
Como ficará
“A lei definirá o que é canal qualificado e produtor brasileiro
independente, sob fiscalização da ANCINE”
Como REALMENTE ficará
Conforme a Constituição. A
PL-29 reconhece que a Comunicação Social, nos termos da Constituição, tem
obrigações relativamente à educação e cultura brasileiras, à família, ao desenvolvimento
nacional. Televisão é televisão, não importa se pelo ar, por cabo ou por satélite.
A TV por assinatura passará a obedecer a regras que hoje são exclusivas da TV
aberta. Hoje, a TV paga por satélite não obedece a lei nenhuma o que já é,
por si só, uma aberração. Está num espaço legal mais vazio do que o próprio
espaço onde se encontram os satélites. Onde está o problema de a lei definir o
que seja “espaço qualificado” e “produtor independente”? Quando a lei define, as regras tornam-se claras. Quando não há lei, vale tudo,
como no far west. Aliás, disso a Sky entende...
Como é hoje
“As operadoras oferecem diversas opções de
pacotes aos assinantes – dos preços mais acessíveis aos pacotes
mais completos”
Como REALMENTE é hoje
Empulhação. Os canais que,
eventualmente,
poderíamos considerar de melhor “qualidade” estão excluídos dos “preços
mais acessíveis”. Para os pobres, lixo do lixo. As operadoras não oferecem
opção para o assinante escolher, ao menos parcialmente, os canais que
realmente quer. Falta introduzir essa exigência na PL-29: o assinante deveria
poder incluir ou excluir canais a seu gosto, nem que seja no limite de um
dado percentual do número total de canais do pacote.
Como ficará
“Por serem obrigatórios e para cumprir as “cotas”, a
distribuição destes novos canais aumentará o preço de todos os pacotes
futuros e atuais”
Como REALMENTE ficará
Terrorismo. A PL-29
permitirá a entrada de novas operadoras concorrentes num mercado hoje dominado pela estadunidense Sky e pela mexicana NET. Dentre as novas, entrará a brasileira Oi.
Concorrência costuma a baixar preço, ou assim reza o credo liberal. Na TV a
cabo, já existem dezenas de canais obrigatórios
(Senado, Justiça, Comunitário, as TVs abertas etc), sem que os preços necessariamente aumentem. É uma velha
tática, dizer que os preços vão subir. Os fatos históricos desmentem.
* Professor do Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação da
UFRJ.