Entrevistas
Não à anistia para agentes do Estado
Por Jorge Américo Radioagência NP
Sob críticas de organizações sociais e
ex-presos políticos, o Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3)
teve sua redação final publicada depois de cinco meses de intensas
disputas políticas. Ao final, os militares foram os maiores
beneficiados. O governo eliminou a expressão “repressão ditatorial” do
texto e renunciou à proposta de se alterar o nome das praças e
logradouros públicos que homenageiam torturadores.
Em sintonia com o Poder Executivo, semanas antes o Supremo Tribunal
Federal (STF) julgou improcedente a ação da Ordem dos Advogados do
Brasil, que pedia a apuração dos crimes de lesa humanidade, praticados
pelos agentes da repressão, durante a ditadura militar. A Corte
entendeu que os crimes foram perdoados pela Lei de Anistia, de 1979.
A vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, professora Victória
Grabois, teve o pai, esposo e irmão mortos na Guerrilha do Araguaia
(entre 1972 e 1975). Ambos eram filiados ao Partido Comunista do Brasil
(PC do B). Em entrevista à Radioagência NP, ela
afirma que a Lei de Anistia foi feita para os opositores do regime que
cometeram crimes políticos e não para os agentes do Estado.
Victória, chamar os crimes da ditadura de violações dos direitos humanos altera a essência dos atos de violência praticados? Victória Grabois: O Estado pode praticar violações
de direitos humanos, mas as pessoas físicas também podem. Na questão da
época da tortura, precisamos conceituar bem. Era uma política do Estado
brasileiro, uma política do Estado ditatorial. Claro que eles cometeram
violações dos direitos humanos, mas foram violações do regime de
exceção.
Qual a sua interpretação para a decisão do
STF, que considerou perdoados, pela Lei da Anistia, os crimes cometidos
por agentes da repressão militar? VG: Crime conexo foi feito para quem cometeu crime
político. Vou dar um exemplo. Eu, particularmente, cometi um crime
político. Eu tinha uma outra identidade. Trabalhei e estudei com outra
identidade. Enfim, cometi um crime de falsidade ideológica. Então, eu
fui anistiada nos crimes conexos da lei de Anistia. Anistia não foi
feita para agentes do Estado. Porque não podia se auto-anistiar. Eu não
podia chegar lá e me auto-anistiar. Anistia não foi feita para os
agentes do Estado. Isso não está escrito. Eles fizeram essa
interpretação. Eu não considero uma interpretação, isso não é
interpretação. A Lei da Anistia foi feita para os opositores do Regime
Militar, de 1964 até 1985. Não foi feita para os torturadores e agentes
do Estado.
Essa resistência em investigar os crimes ditatoriais é comum em outros países? VG: “O Brasil é o país mais atrasado da América
Latina em relação aos mortos e desaparecidos políticos durante regimes
ditatoriais. Na Argentina, no Chile, no Uruguai, entre outros países,
conseguiram vários avanços neste sentido e aqui estamos retrocedendo.”
Podemos considerar que as violações de direitos humanos cometidas atualmente por policiais são uma herança da ditadura? VG: As polícias Militar e Civil reproduzem o modelo
da época da ditadura militar porque sempre houve impunidade. No Brasil
ninguém nunca é punido, um agente do Estado nunca é punido por ter
cometido uma atrocidade, um crime de lesa-humanidade.
Os torturadores alegam que eles cumpriam ordens e, por isso, não devem ser responsabilizados. Isso procede? As pessoas que sujavam suas mãos ganhavam mais
por isso. Ganhavam gratificação por torturar. Todos precisam ser
punidos, mas os oficiais são os maiores responsáveis. O que precisa
ficar claro, é que era uma política de Estado, não era coisa da cabeça
dos generais. Era uma política do Estado. ‘Vamos torturar porque a
tortura é o limite do ser humano. A gente tortura que ele fala’. Por
que o exército não deixa abrir os arquivos da ditadura? Porque vai
mostrar o que eles faziam. O Exército nos venceu aqui, mas não foi uma
vitória militar. Foi uma vitória da tortura, da “deduragem”, do que
havia de pior.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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