Associação de Professores da Universidade Santa Maria - Quando criticas o poder da Rede Globo, não estás subestimando a capacidade das pessoas de fazer um juízo crítico sobre a ficção e o real?
Vito Giannotti:Brother, tanto quanto o Jornal Nacional, o Globo Repórter ou o Fantástico, são estes os grandes instrumentos de deseducação do povo. Elementos que difundem valores, posições políticas, julgamentos morais. Estes dirigem, sim, o comportamento de muita gente que, passivamente, como único meio de diversão, se posta diante do aparelho. São sim, instrumentos de dominação ideológica de Veja, não afirmo que o poder da Globo é absoluto. Mas que ele é enorme. Infelizmente. Sobretudo porque nosso povo não lê quase nada, como comprovam todas as estatísticas e comparações. Desgraçadamente a quase absoluta forma de informação que o povo tem é a TV (a Globo e as outras comerciais, todas completamente iguais). Além da TV, tem o rádio, da CBN a todas as outras. Novelas, Faustões, Hebes, Gugus, Xuxas, Anas Marias Bragas, Elianas, Zorras Totais, sem esquecer o Big uma maioria que não vai ao cinema, não vai ao teatro e muito menos lê jornal e, ao mesmo tempo, assiste passivamente à TV. As pessoas podem resistir a essas inundação de lixo político ideológico. Podem fazer mediações entre o que vêem na tela e o que sentem na vida real, mas é muito difícil. Temos exemplo, na vida política recente no qual a atuação da mídia não garantiu o voto no seu candidato. Mas é muito, muito, muito difícil. E nós, de esquerda, no campo da comunicação, estamos longe de competir e ganhar com a mídia empresarial. Temos bons instrumentos, mas, por várias razões, de alcance muito limitado. Ou seja, insuficientes para cumprir nosso papel de contra-veneno, de contra-informação para uma luta contra-hegemônica.
APUSM- Se é verdade que a Globo tem uma grande audiência, também é fato que hoje esse ‘monopólio’ não é mais o mesmo. A segmentação trouxe uma dispersão na audiência, o que foi corroborado pela expansão da internet. Será que a Globo ainda merece ser “demonizada”?
Vito Giannotti: Quando eu falo da Globo, estou falando de todas as demais redes de televisão comerciais. Comerciais, para mim, significa empresariais, patronais. Isto é, burguesas. Todas estas televisões têm donos, todas defendem os interesses de classe destes donos. Ou seja, todas são a favor de manter a sociedade funcionando para seus donos. A sociedade de exploração que vigora no Brasil é divina, maravilhosa para o punhado dos donos do capital. Para aqueles que vivem da exploração do trabalho alheio. Por isso querem manter tudo como está. E para isso é necessário convencer, enganar, anestesiar, conquistar, cooptar, comprar a cabeça de milhões e milhões. E os instrumentos ideais para isso são a TV e o rádio. É através destes instrumentos que criou-se um consenso generalizado de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Estes instrumentos difundem preconceitos e sobretudo conceitos, ou seja, os que devem ser os valores desta sociedade.
APUSM - Qual o modelo ideal para que sindicatos e movimentos sociais não sejam reféns da mídia, especialmente da Rede Globo?
Vito Giannotti: Tem três coisas a fazer. A primeira é criar nossa mídia. Investir o máximo de recursos e esforços neste campo. Se aperfeiçoar a cada dia. Se atualizar, reciclar, mas sobretudo se convencer que sem comunicação sempre perderemos a batalha da disputa de hegemonia na sociedade. Ou seja, se só a direita se comunicar com o povo através de meios de comunicação de massa, ela dominará política e culturalmente este povo. E nessa batalha, a mídia desempenha o papel de verdadeiro partido da burguesia. A mídia é o verdadeiro partido do capital.
A segunda é lutar pela democratização da mídia, democratização das ondas magnéticas (TV e Rádio). Hoje, as ondas do rádio são um enorme latifúndio nas mãos de alguns grupos familiares ou econômicos. É preciso fazer uma "Reforma Agrária no ar". Ou seja rever totalmente as atuais "concessões" de rádio e TV e democratizar este espaço. É preciso abrir canais de rádio e TV para os trabalhadores. Para o povo. Mas isso só se faz com milhões de manifestantes nas ruas. O resto é ilusão. Ou criamos nossas TVs e rádios, com os mesmos subsídios através da propaganda dos governos que a mídia patronal possui, ou ficaremos sempre só choramingando.
A terceira coisa é combater a cada segundo a mídia do inimigo de classe. Combater com dados, fato verdadeiros e que sirvam a fazer avançar a dignidade do povo. Mostra como ela manipula, como mente, como deforma corações e mentes a serviço do capital.
APUSM - Como avalias a imprensa alternativa nos dias atuais? Algum exemplo que consideres importante citar?
Vito Giannotti: Estamos longe muito longe de uma imprensa que possa se contrapor à imprensa patronal. Temos mil jornaizinhos dispersos, espalhados e fragmantados. E pior, muitos são horrorosos. Feios que doi! Vão direto para o latão de lixo.
Temos boas revistas como o Brasil de Fato, a Caros Amigos, a Fórum, o Le Monde Diplomatique, a Retrato do Brasil, a Revista do Brasil, além de Carta Capital, muito inteligente e necessária para entender nosso país. Mas, todas elas têm uma pequena tiragem e conseqüentemente pouca penetração e por 77 razões não alcançam um grande público.
É preciso dar passos para unificar esforços, chegar a ter 2 milhões e setecentos mil exemplares do nosso jornal como o bispo Macedo tem o seu. É possível... se dermos quinhentos passos para chegar a isso.
Um dos grandes problemas que enfrentamos e não temos coragem de falar dele é que nós de esquerda lemos muito pouco. Repito o meu bordão que “No Brasil não faltam boas revistas e livros. Faltam leitores”. Acredito que este é um grande problema nosso. Mas, para além desse, precisamos avançar na unificação de esforços, superando nossos sectarismos e particularismos.
APUSM - Qual a importância da linguagem na construção de um discurso que não seja o da chamada mídia “burguesa”?
Vito Giannotti: Simples. No Iraque fala-se árabe. Na China, chinês. Na Alemanha, alemão e no Brasil? Português. Sim, mas há o português e português. Há a língua falada e entendida pelos 80% que têm uma escolaridade básica. Algo tipo sei ou sete anos de banco de escola. A média, em nosso país é por volta de 7 anos. Com esta escolaridade, muitas palavras e expressões não são compreendidas. E há a linguagem dos 20%, ou 10% que entendem quase tudo.
Se quisermos convencer milhares e milhões das nossas propostas, da nossa política, é necessário se comunicar numa língua que estes milhões entendam. Se não é um diálogo de surdos. É comum, muitos militantes devotados á causa de mudar o mundo, falar uma linguagem que os “normais” não entendem. Nós falamos economês, juridiquês, intelectualês, informatiquês, sindicalês, politiquês e por aí vai. E os “normais”.... aqueles com cinco ou seis ou oito anos de escola? Como é que ficam? Este é um dos tantos problemas a ser encarado.