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Internet: um novo cretinismo
Nasceu
um novo cretinismo: o internético, que seguramente é muito mais
prejudicial do que o seu antecessor e que será preciso combater com
inteligência e militância. A batalha contra os oligopólios midiáticos
tem que ocorrer também na Internet.
Essa é a opinião do sociólogo e politólogo argentino Atilio A. Boron, em artigo para o jornal Página 12. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muitíssima gente, e não poucos teóricos, defendem que a Internet é, por
excelência, o âmbito da liberdade do nosso tempo. Um âmbito, dizem,
extremamente livre, em que as antigas restrições que o papel impresso
impunha à produção e à circulação das ideias ficaram definitivamente
superadas. Basta ler algumas passagens do livro de Hardt e Negri,
"Império", ou os três tomos de Manuel Castells, "A Era da Informação:
economia, sociedade e cultura", para apreciar os alcances desse novo
dogma.
Dizem os primeiros, em uma passagem memorável – e não precisamente de
forma acertada – de sua obra que "a rede democrática é um modelo
completamente horizontal e desterritorializado. A Internet é o
principal exemplo dessa estrutura democrática em rede... Um número
indeterminado e potencialmente ilimitado de nós interconectados que se
comunicam entre si sem que haja um ponto central de controle... Esse
modelo democrático é o que Deleuze e Guattari chamaram de rizoma, uma
estrutura em rede não hierárquica e sem um centro" (p. 277-278).
O livro de Castells se edifica precisamente sobre essa superstição.
Contrariamente ao que assegura o charlatanismo pós-moderno, a Internet
não é nem horizontal nem está desterritorializada. É uma estrutura que
tem centros de monitoração e controle e onde certos tipos de
comunicação estão bloqueados, quase todos vigiados e alguns são
censurados. Só espíritos muito ingênuos podem supor outra coisa, mas
muito frequentemente o "afã por novidades" ao qual aludia Platão e a
incessante busca de originalidade e singularidade que caracteriza o
trabalho de muitos intelectuais (afetados por uma fenomenal
sobrevalorização da importância de suas ideias) podem trazer muitos
malefícios e levar suas vítimas a aceitar como verdades irrefutáveis as
mentiras que a ideologia dominante quer que aceitemos como verdades.
Por exemplo, muitas das mensagens emitidas nestes últimos dias pelo
PLED [Programa Latino-Americano de Educação à Distância em Ciências
Sociais] anunciando um painel sobre o papel da Colômbia na geopolítica
imperial sofreram suspeitas dificuldades. Chegaram-nos relatos de
amigos e companheiros que queriam difundir o evento, mas ao pôr
"Colômbia" no assunto ou no corpo da mensagem, esta simplesmente
desaparecia da tela ou ia diretamente para a lixeira. Estamos também
experimentando dificuldades ao receber adesões para a nossa campanha de
solidariedade com Cuba, e são vários os que apelaram para telefonemas
para nos fazer saber sobre sua impossibilidade de registrar sua
assinatura enviando uma mensagem ao endereço preparado para esse
efeito. São muitas as experiências que avalizam essa desconfiança com
relação ao caráter democrático e libertário da rede.
Sem ir mais longe, quem quiser utilizar o programa Skype em Cuba não
pode fazê-lo e muito menos recorrer ao Google Earth porque, nesse caso,
aparecerá uma mensagem dizendo que "da localização em que você se
encontra neste momento não pode ter acesso a esse programa". Tentem
enviar uma mensagem utilizando certas palavras supostamente vinculadas
às comunicações que os terroristas estabelecem e poderão ver o que
acontece.
Talvez Hardt, Negri ou Castells considerem essas coisas como
transitórias anomalias, mas não é assim. É o funcionamento "normal" de
uma rede que, apesar das ocorrências daqueles autores, tem centros que
a controlam e dominam. A nota desta segunda-feira do jornal Página/12,
"Montañas", avaliza essa tese. Nela, informava-se que "uma página
aberta no dia 25 de março (e que descrevia seu dono como o príncipe
dos mujadins) teria alcançado, na sexta-feira passada, mais de mil
seguidores. O Facebook admitiu que não podia determinar se o titular
era verdadeiro ou não, mas anunciou que o site ficou desativado: desde
domingo, Bin Laden não tem lugar na rede virtual".
Em uma passagem brilhante do seu "18 de Brumário de Luís Bonaparte",
Marx definia o cretinismo parlamentar como "uma doença que aprisiona
como por encantamento os contagiados em um mundo imaginário,
privando-lhes de todo sentido, de toda memória, de toda compreensão do
rude mundo exterior". Uma doença parecida se apoderou de alguns
teóricos do nosso tempo, que os enclausura em um mundo imaginário no
qual a Internet é o reino da liberdade e da democracia. Nasceu um novo
cretinismo: o internético, que seguramente é muito mais prejudicial do
que o seu antecessor e que será preciso combater com inteligência e
militância. A batalha contra os oligopólios midiáticos tem que ocorrer
também na Internet.
[Publicado originalmente em IHU - Instituto Humanitas Unisinos]
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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