Por NPC
Professor da UFMT cita experiência de Santos
José Domingues Godói Filho é geólogo e professor da Universidade Federal do Mato Grosso. No momento, faz doutorado no IPPUR-UFRJ. Ele conversou por telefone com a repórter Tatiana Lima, para o BoletimNPC.
BoletimNPC- A chuva vai continuar? José Domingues Godoy - As chuvas continuarão existindo. O que aconteceu no Rio foi uma chamada recarga cíclica que causa uma chuva de grandes proporções. Todos sabem disso e não tem nada a ver com mudanças climáticas. O Rio de Janeiro tem registro de cheias desde a época de D. Pedro, portanto são previsíveis. O problema é que a cidade foi ocupada em lugares que não deveria, desconsiderados os dados acumulados e registrados sobre as condições do meio físico e sucateadas as instituições responsáveis pela coleta e divulgação dos mesmos ( como IBGE, por um exemplo).
BoletimNPC- Por que? Domingues - Em primeiro lugar é bom entender que a ocupação do solo em áreas que deveriam ser preservadas como as várzeas, as encostas e sopés de morros, as margens de corpos d’água (rios, lagos e lagoas), dentre outras, tem sido incentivada fortemente por interesses imobiliários, principalmente depois do congresso de Estocolmo-1972, quando, no Brasil, foi formulada a política nacional de meio ambiente e criadas as áreas metropolitanas. Posteriormente, a Constituição de 88, de forma correta, incorporou os princípios de tais decisões e definiu que toda cidade com mais de 20 mil habitantes tem que ter obrigatoriamente um plano diretor. Tudo isso foi feito para evitar as ocupações nestas áreas chamadas de riscos.
Na prática houve redução de área para a especulação imobiliária, que não poderia mais ocupar áreas de morros e margens de corpos d’água.Para contrapor, os especuladores imobiliários, associados a parlamentares e a ocupantes de cargos executivos, incentivaram a ocupação dessas áreas por populações carentes.
Agora com a desculpa de retirar essa população da área de risco, tentarão repetir o processo recuperando as áreas e abrindo espaço para nova especulação imobiliária.
BoletimNPC- A cidade de Santos enfrentou este problema quando administrada pela prefeita Telma de Souza do PT, nos anos 80. Domingues - Na ocasião, foi feito um mapeamento levando em consideração as condições do meio físico, a cultura e a dinâmica das comunidades. Foram mapeadas, as áreas de riscos e informadas as comunidades locais para que as próprias pessoas soubessem o que fazer em situação de chuvas e riscos de desmoronamentos. A população não foi tratada como problema, mas como parte integrante das soluções; participou e acompanhou todas as fases do projeto e das obras. O estado tem que estar presente em tempo integral com o aparato técnico e ensinar essa população até para, por exemplo, que não deve ter uma bananeira, porque é uma planta que acumula muita água e que numa situação de chuva intensa facilitará os deslizamentos de terra. Também tem que fiscalizar, acompanhar as condições meteorológicas e de intervenções no meio físico e educar a população para que ela própria participe da execução das ações e dos cuidados que devem ter para enfrentar as situações de emergência e os períodos de chuvas. Utilizar as imagens fornecidas pelos satélites para prever com antecedência à chegada das chuvas, como vem sendo feito nos morros de Santos desde o início dos anos 90. Hoje com o avanço da tecnologia é possível acompanhar com mais precisão ainda e preparar com antecedência de horas antes da chuva as ações que as pessoas terão que realizar. Como ocorreu em Santos, a Prefeitura precisa ter postos nessas áreas (uma administração especializada de morros) com laboratórios para acompanhamento das condições meteorológicas e orientação da comunidade, criar aparatos de fuga e abrigos para que as pessoas saibam preventivamente para onde ir em situações de riscos causados pelas chuvas ou por outros motivos relacionados às condições do meio físico.Todas as ações devem obrigatoriamente contar com a presença do Estado e com a participação da população envolvida, respeitando suas especificidades, pois o sucesso dos trabalhos estará sempre atrelado com o envolvimento de todas as pessoas e dos relacionamentos entre os vizinhos. BoletimNPC- Houve remoções? Domingues - Foi garantido que não haveria remoções porque se entendeu que os moradores estavam próximos do trabalho, das escolas, etc.
BoletimNPC- No Rio, fala-se em remoções Domingues - Para onde? Veja o caso da Barra da Tijuca-Recreio que é uma região com vários corpos d’água (córregos, lagoas). Estão ocupando com condomínios sofisticados, que estão contaminando os rios e as lagoas, os lençóis de água e com acessos construídos em áreas de riscos naturais e ninguém está falando de remoção dos moradores; ao contrário, vem crescendo a especulação imobiliária na região. O Rio de Janeiro tem que ter um plano diretor sério, democraticamente construído e implantado com ações concretas e duradouras, que seja prático e compreensível pelas pessoas. Respeite as condições do meio físico e suas aptidões para o uso do solo urbano e suas formas de ocupações. As chuvas têm períodos previsíveis de ocorrência e de intensidade (recargas). Assim como aconteceu no dia 5 de abril e já havia ocorrido em anos anteriores, irá acontecer de novo todo o ano e nos de recargas em ciclos mais longos.
O que aconteceu no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras é criminoso, porque se conhece e se tem dados que mostram o que viria acontecer e nada foi feito para enfrentar as dificuldades e evitar o infortúnio de tantas pessoas.
BoletimNPC- E qual sua opinião sobre o decreto do Prefeito que determina remoção compulsória? Domingues - Não vai resolver. Vai agravar mais ainda a situação e garantir espaços para a especulação imobiliária. Eles vão remover as pessoas, recuperar as áreas, construir praças, parques e depois a especulação imobiliária cuidará de tomar conta e construir seus condomínios para a classe média. É um decreto corporativo que se prestará ainda para esconder as responsabilidades dos prefeitos, vereadores, deputados e outras autoridades que se sucederam nas últimas décadas (incluindo os atuais) e nada fizeram, ou pior ainda, até incentivaram as ocupações das áreas de riscos.
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