O arquiteto Canagé Vilhena considera que já era “anunciada” toda essa tragédia que ocorreu no Rio e chocou o Brasil inteiro, causando centenas de mortos e feridos. Isso porque, segundo ele, não apenas o Rio de Janeiro mas também e principalmente as grandes cidades, como São Paulo, não possuem uma política urbana correta e eficaz que garanta tanto a “função social da propriedade” prevista na Constituição de 1988 quanto as "funções sociais da cidade", estas previstas no Plano Diretor do Rio de 1992. Segundo o arquiteto, ambos os princípios nunca foram implementados porque “esse não é o dos grandes empresários do mercado imobiliário, porque mexe com o tabu da propriedade privada”.
Como ele lembra, o Código Civil de 2002 prevê, por exemplo, que o poder público assuma as áreas desocupadas por três anos para destiná-las à sua função social. Mas, na sua opinião, a Prefeitura não faz isso porque as áreas estão ociosas aguardando a valorização imobiliária. “No Rio, a questão urbana vem sendo tratada sempre de maneira a fazer com que a cidade seja uma mercadoria, e a Prefeitura age como gerente de transações imobiliárias, com foco nas grandes construções”, avalia Canagé. Ele lembra que sempre é usado o jargão do “interesse social” quando, na verdade, a população pobre fica fora de qualquer política que garanta a qualidade de sua vida. "Na maioria das cidades a população está cada vez mais sendo deslocada para as zonas de expansão urbana sobre as áreas rurais, sem nenhuma infra-estrutura. Garantir a função social da cidade seria garantir, para todos os moradores, drenagem do solo, esgoto, condições de mobilidade. Enfim, toda infra-estrutura social.
Ele deu como exemplo as enchentes recorrentes na Baixada de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, principalmente na região das Vargens, onde a população está situada entre as encostas do Parque Estadual da Pedra Branca e as lagoas. Segundo o arquiteto, a Prefeitura e o Governo têm sido omissos na região para facilitar a atividade dos loteadores irregulares. Os moradores do local já sentem os efeitos da falta de gestão dos recursos hídricos desde os anos 1990, quando a área passou a ter crescimento imobiliário. “A política nessa região é feita de forma a tratá-la como o novo Eldorado Imobiliário, onde vai ser permitida a construção de vilas de casas e grandes condomínios nas encostas”, afirmou Canagé.
Para ele, a Prefeitura está apenas interessada no Projeto de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens, que tem como principal objetivo organizar as construções e o mercado imobiliário, quando já foi provado por estudiosos que tal projeto irá provocar danos ambientais, sociais e econômicos. Por lá os canais não têm manutenção adequada e estão completamente assoreados. Antes estava sob a responsabilidade do Governo Estadual por meio da SERLA (Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagos), mas depois a Fundação Rio Águas, da Prefeitura, recebeu a competência para tratar do local, e estes órgãos não entendem. Quem sofre os prejuízos, claro, é a população local.