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Por NPC
"É mais fácil trabalhar o diálogo e a transformação nos meios alternativos do que nos comerciais"

Em entrevista ao BoletimNPC, a jornalista Fernanda Pereira fala sobre a importância da teoria de Paulo Freire não apenas para os estudos em educação, mas também para a área de comunicação.  Como ela mostra, o ideal defendido pelo educador de "diálogo" e "construção coletiva de conhecimento" pode ser aplicado à mídia. "A prática de ensino dirigista, em que um professor dita as fórmulas - assim como a mídia unilateral, de mão única - não possibilitam uma verdadeira educação - nem uma verdadeira comunicação", afirma. Em sua dissertação de mestrado Comunicação do Oprimido: movimentos populares midiáticos nas favelas do Rio de Janeiro, ela analisa a questão da opressão nos dias de hoje e mapeia os meios de comunicação comunitários no Rio de Janeiro. Apesar dos problemas que possuem, ela constatou que é mais fácil trabalhar o diálogo, a participação e a transformação nesses veículos do que na mídia empresarial, que possui objetivos comerciais.
Confira a entrevista.

Por Marília Gonçalves


Como nasceu sua paixão por Paulo Freire?

Minha paixão por Paulo Freire nasceu logo que comecei a ter contato com sua obra durante minha atuação como professora de redação num pré-vestibular comunitário em 2003. Na época eu já estava cursando o 5° período de Comunicação na UFRJ e comecei a questionar o fato de nunca ter ouvido falar nesse autor tão importante durante a faculdade. Já que em Comunicação estudamos tantos autores de áreas diversas, como psicologia, sociologia e outras, por que não estudar o mais importante autor da área de educação? E, mais ainda, suas teorias dizem muito ao campo da comunicação.
 

Como a teoria freireana dialoga com os movimentos midiáticos populares?

Em vários sentidos, mas principalmente em relação ao "diálogo" e à "construção coletiva do conhecimento", que são ideias chaves na teoria freireana. Claro que nem todos os movimentos populares são "ideais", como friso durante a minha pesquisa. Alguns são sim dirigistas, paternalistas etc. Mas há muito mais possibilidade de diálogo e troca dentro desses movimentos do que dentro da mídia comercial de massas, e é nesse sentido que faço a minha análise.
 

Qual a importância desse diálogo?
Como afirma o próprio Freire, é no diálogo que o conhecimento é construído. A prática de ensino dirigista, em que um professor dita as fórmulas - assim como a mídia unilateral, de mão única - não possibilitam uma verdadeira educação - nem uma verdadeira comunicação. Sócrates já dizia, há 2.500 anos, que ele não "ensinava" nada a ninguém, mas apenas ajudava (com suas perguntas) a tirar o conhecimento de dentro das pessoas e trazê-lo para fora. Ou seja, o conhecimento só pode existir através da participação dos sujeitos, do seu questionamento, do diálogo.
 

Ele é uma estratégia para a superação da opressão? Ela é possível?
Sim. Para mim o diálogo é a grande estratégia para a superação da opressão. Opressão de todas as ordens, não apenas social. Para mim a superação é possível sim, apesar de não ser simples. É possível a partir do momento em que o oprimido "mata" o opressor que há dentro dele. É o oprimido que alimenta a sociedade opressora, pois no fundo ele deseja as ilusões da sociedade opressora. Ele tem no poder e nas "riquezas" do opressor o seu ideal de vida. Talvez não de forma muito "consciente", pois ele está de fato imerso nesse esquema de opressões e não consegue ver alternativas. Quando falo "o oprimido", falo de toda a sociedade, toda a classe baixa e média, todas as classe não governantes e não dirigentes (não detentoras dos grandes meios financeiros e de produção).
Se a sociedade for até as câmaras municipais, aos governantes, dialogar e cobrar resultados após o período de eleições; se os empregados de todas as empresas forem até os dirigentes dialogar e cobrar participação igualitária nos lucros e divisão de riquezas etc, isso através de ações coletivas organizadas de massa (de forma não-violenta), a opressão social pode acabar.
 

Você abordou as favelas como espaço do oprimido. Por que considerou esse território desta forma?
Existem inúmeros tipos de opressão: racial, de gênero, psicológica etc. O foco do meu estudo é a opressão social (em termos de distribuição de riquezas/renda). Dentro do contexto do Rio de Janeiro, a favela é o território mais visível de pobreza. Além de concentrar estatisticamente os menores índices de IDH, ela sofre a opressão do estado por meio da ausência ou precariedade em termos de serviços públicos (não apenas de saneamento e urbanização, mas principalmente escolas, saúde, lazer); e sofre a opressão violenta do estado através das ações policiais equivocadas (corrupção, violência aos moradores por meio dos tiroteios, "caveirão"...). É claro que a pobreza, a opressão e as exclusões não se limitam apenas a um território, e é claro que existem variados territórios de pobreza. Mas em termos metodológicos eu precisava fazer um recorte pra focar a pesquisa e as favelas são territórios interessantes pra mim em diversos sentidos. Eu trabalhei dentro de favela na época em que dei aula em pré-vestibular comunitário e me irritava conviver num espaço tão rico (em termos comunitários) que era apenas retratado pela mídia na ótica da violência e da ausência. Apesar de colocar a favela como território do oprimido, eu a abordo no meu trabalho em termos de "solução", não como um "problema". Como dizia o teatrólogo Augusto Boal (idealizador do Teatro do Oprimido), o termo oprimido não deve ser visto como algo pejorativo, mas sim como uma espécie de tomada de consciencia da situação de opressão. E a consciência é o primeiro passo para a transformação.
 

Você trabalhou na análise dos meios de comunicação popular que foram mapeados pela bolsista do LECC. Como foi essa análise? O que você concluiu em relação aos problemas e qualidades em geral desses meios?
Na verdade não foi feita uma análise detalhada do objeto estudado, apenas o mapeamento geral. No mestrado não dá tempo de fazer esse tipo de análise. O que fazemos é a análise de no máximo quatro objetos (eu tinha 130). Mas na introdução do capítulo em que exponho e descrevo as instituições, eu faço uma análise geral sobre a comunicação comunitária a partir dos principais autores que trabalham o tema (suas características, problemas, qualidades...). Ou seja, eu deixo claro que não há homogeneidade.
Dá para chegar a algumas conclusões a partir do estudo que fiz desses autores, como Raquel Paiva, Cecilia Peruzzo, Martin-Barbeiro, Denise Cogo, José Marques de Melo etc. Esses meios possuem uma série de problemas: dificuldade material, precariedades diversas, problemas com a "justiça" (no caso das rádios comunitárias), vida curta etc. Mas, como disse acima, é mais fácil trabalhar o diálogo e a participação (e a transformação) dentro desses pequenos meios de mídia do que na mídia comercial de massas, que possui objetivos comerciais.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge