Gnero
Dia Internacional das Mulheres: lutas e conquistas
Por Gilka Resende e Eduardo Sá Quando Leni Claudina nasceu, há 53 anos, sua mãe já lutava pela igualdade entre os gêneros, assim como muitas outras mulheres. “Minha mãe não era de movimentos de mulheres, mas fazia isso do jeito dela. Dentro e fora de casa”, disse orgulhosa. Negra, moradora da Baixada Fluminense, no Dia Internacional das Mulheres, essa simpática senhora saiu de Duque de Caxias para uma passeata em comemoração ao 100 anos do Dia Internacional das Mulheres. E não saiu sozinha. Levou suas netas, uma em cada mão: Lorrane, de nove anos, e Jamile, de 11. Para além de festejar conquistas, integrantes de movimentos sociais, sindicatos, militantes de partidos políticos, estudantes, dentre outras categorias, falaram sobre as desigualdades de gênero, ainda presentes na sociedade, na tradicional passeata (8/03) que atravessou a Avenida Rio Branco, Centro do Rio. Com tantos desafios, a luta das mulheres resiste às gerações. “Trouxe minhas netas. Quero que saibam que elas podem lutar por moradia, educação, segurança. Somos negras, somos mulheres de periferia, somos descendentes de escravos. Ainda há muito a se conquistar”, afirmou Leni, do Movimento Negro Unificado. As três, avó e netas, fortaleceram o coro por “autonomia, igualdade e liberdade” junto à aproximadamente 400 pessoas. A marcha saiu da Candelária por volta das 17h, terminando na Cinelândia quando já era noite. Ao final, algumas manifestantes dançaram ciranda e coloriram a praça com uma chuva de pétalas de rosas vermelhas. “Violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer” A Lei Maria da Penha foi lembrada como um grande avanço da luta das mulheres. Porém, críticas giraram em torno da sua real implementação. Segundo o Instituto de Segurança Pública, em 2008, foram feitos 41.458 registros de violência contra a mulher no estado Rio de Janeiro. Os delitos ocorrem, na maioria das vezes, dentro de casa. Por isso, durante a passeata, foi enfatizada a necessidade de construção de casas de abrigos e programas de acompanhamento médico e psicológico para a mulher agredida, filhos e filhas. A inserção no mundo do trabalho, com salários dignos, também se relaciona à ideia de reconstrução da vidas das mulheres agredidas. “Não podemos permitir qualquer retrocesso nas punições previstas na Lei Maria da Penha. Ela deve ser colocada em prática em todos os estados e municípios, o que hoje não acontece”, destacou Marília Macedo, do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Rio de Janeiro (Sind-Justiça). A advogada lembrou ainda da necessidade da aprovação de uma lei que regulamente a união civil entre pessoas do mesmo sexo. “O preconceito existe. Eu mesma já fui convidada a me retirar de um bar por ter beijado minha companheira. Essa é uma luta contra a homofobia, uma luta histórica das mulheres lésbicas”, disse. A violência simbólica também recebeu atenção. “Precisamos pensar na democratização da mídia para que a mulher não seja mais apresentada como produto nas propagandas. Isso é uma mercantilização do corpo das mulheres. As TV são concessões públicas, mas hoje servem a interesses privados. Não sou miss, nem avião, nossa beleza não tem padrão!”, criticou Flávia Cale, da União Estadual dos Estudantes (UEE). Políticas públicas como temas centrais Muitas bandeiras e faixas trouxeram reivindicações por saúde e educação. “Contraceptivos para não abortar. E aborto seguro para não morrer”, apontava uma delas pendurada no carro de som. O aborto é a terceira causa de mortalidade materna no Brasil e no Rio de Janeiro. “Para que nenhuma mulher seja presa, maltratada ou humilhada por interromper sua gravidez; e para que o sistema público de saúde assegure este atendimento, defendemos a legalização do aborto”, destacou o documento unificado distribuído à população durante a marcha. Vários outros temas relacionados à situação da mulher no cenário econômico e político foram apontados pelas manifestantes. As estudantes, por exemplo, pediram mais e melhores creches para que as mulheres possam deixar seus filhos e filhas e, assim, poderem estudar e trabalhar. Também sobre educação, foi denunciado que 10,6% da verba do setor foi cortada pelo governo federal durante a crise, afetando no campo universitário, principalmente, os cursos de letras e serviço social que são compostos majoritariamente por mulheres. De acordo com dados de 2007 da Federação Internacional Democrática das Mulheres, elas continuam ganhando menos que os homens: 60% dos trabalhadores pobres do mundo são mulheres. Existem 81,8 milhões de trabalhadoras desempregadas no mundo. Neste sentido, as manifestantes defenderam a redução da jornada de trabalho para 40 horas, sem redução de salários. Sobre o aumento da licença maternidade de quatro para seis meses, a grande restrição foi em relação às isenções fiscais, dadas majoritariamente para grandes empresas. Essa política faz com que nem todas as trabalhadoras sejam contempladas. Entendendo a licença como um direito, enfatizaram também que a política do governo deve ser unificada. Caso contrário, pode dividir categorias de trabalhadoras e, ainda, deixar a cargo da relação “patrão e empregado” a possibilidade de adesão ou não ao acréscimo desses dois meses. Violência : no Brasil e no Haiti A luta contra a opressão das mulheres atravessa fronteiras. Antes mesmo do terremoto de 12 de janeiro, 80% da população do Haiti já vivia abaixo da linha da pobreza. Dados levantados pela Rede Jubileu Sul demonstram que, com tanta desigualdade, mulheres e crianças são as mais atingidas. Além das feridas físicas e psicológicas, hoje estão ainda mais vulneráveis ao tráfico de pessoas e à violência sexual, em muitos casos agravado pela presença militar. Essa temática não foi esquecida durante a manifestação. As mulheres repudiaram as intervenções imperialistas na reconstrução do Haiti, país mais pobre das Américas. Criticaram a militarização da ajuda humanitária e cantaram diversas vezes : “Brasil, Haiti, América Central, a luta das mulheres é internacional”. Da mesma maneira, enfatizaram que essa realidade não está distante da vivida nas periferias e favelas cariocas. Mães que perderam seus filhos e filhas pela precária e violenta política de segurança na cidade do Rio estavam presentes. “É importante denunciar, não deixar esses fatos se perderem. Estou aqui para provar que as mulheres têm coragem e um papel muito importante na busca por justiça plena”, afirmou dona Marilene Lima de Souza. Ela é mãe de Rosana de Souza Santos, uma das 11 vítimas da Chacina de Acari, ocorrida em 1990. “Uns disseram que foram policiais. Outros que eram grupos amados que faziam suas próprias “leis”. Mas não foi feita a justiça nesse caso, como em muitos outros”, protestou. No Dia Internacional da Mulher, Marilene fez questão de exibir uma camiseta com a foto da filha Rosana. Nela, a jovem, assassinada aos 18 anos, aparece sorrindo. A frase de Che Guevara estampada ao lado da foto diz muito sobre a força dessa mãe: “Os poderosos podem matar uma, duas, até três rosas, mas nunca deterão a primavera”. Novos caminhos para o Centro do Rio Praças e ruas foram renomeadas pelas manifestantes. Nomes de homens, principalmente de militares, ou de fatos da história do Brasil em que o papel das mulheres foi esquecido, foram substituídos por nomes de ícones do movimento feminista e de mulheres vítimas de violência. Pela independência das mulheres, a Rua Sete de Setembro, por exemplo, virou Rua Clara Zetkin. Foi ela que sugeriu, em 1910, como marco de comemoração na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, a existência de um dia em referência à luta das mulheres. Também foram lembradas: Felipa de Souza, Flora Tristan, Isabel Baltazar, Lélia Gonçalez, Lida Monteiro, Margarida Alves, Mariana Crioula, Marli Pereira da Silva, Rosa Suderman, Roseli Nunes, Simone Beavoir, Tia Ciata, Tuira e Vera Lucia Flores. A ideia foi afirmar o 8 de março como um dia nascido da ação política de mulheres grevistas por diretos trabalhistas, pelo voto, entre outros direitos. Bem diferente da ótica de mercado diversas vezes empregada à data. Porém, a indiferença das pessoas nas ruas, inclusive mulheres, era grande. Ainda assim, alguns, ainda que poucos, paravam para ver a animada batucada ou para ler jornais distribuídos. Elizabeth Ximenes, de 28 anos, foi uma dessas pessoas. Ficou por alguns minutos parada lendo a placa que contava um pouco da história das mulheres homenageadas. “Não conhecia a história dessa revolucionária, a Rosa de Luxemburgo. Gostei de ler aqui na placa”, disse. Mesmo assim, ela não aderiu à caminhada. “Estou tão cansada, nosso cotidiano é pesado. Estou indo para casa”, justificou. Mesmo as imposições cotidianas, também presentes na vida das manifestantes, a luta por liberdade, por melhores condições de trabalho, por mecanismos e instituições de suporte à busca pela igualdade de gênero, dentre outras necessidades da mulher, foram apresentadas no sentido de se construir uma nova sociedade. Uma jovem feminista ao microfone sentenciou : “lugar de mulher é em todo lugar”, criticando a versão dominante e patriarcal do atual sistema econômico e político.
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