Entrevistas
Soninho, do Ippur/UFRJ, fala sobre a falta de política habitacional, e defende a luta por moradia
Por Marianna Araujo e Marília Gonçalves
No dia 22 de março terá início o Fórum Urbano Mundial, organizado pela
Agência Habitat da Organização das Nações Unidas (ONU). Por conta deste
e dos demais eventos que ocorrem neste mês no Rio de Janeiro, com foco
na questão da desigualdade urbana e habitação popular, o Observatório
Notícias & Análises preparou uma série de seis entrevistas com
estudiosos e militantes ligados a essas questões. A motivação desse
especial é refletir acerca do futuro das favelas, mas também das
possibilidades da construção de uma cidade mais justa. O
primeiro entrevistado é Guilherme Soninho, do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, e organizador do Fórum Social
Urbano, evento que acontece em paralelo ao FUM. Para Soninho os espaços
de debate são importantes, mas a transformação da cidade depende da
luta e organização dos moradores dos espaços populares. Leia abaixo a
entrevista.
Soninho, durante Curso Anual do NPC
Esse
ano o Fórum Urbano Mundial será realizado pela primeira vez num país da
América Latina. Qual é a importância dessa transferência?
É
significativo ver que a ONU também olha para os países da periferia do
capitalismo mundial. Não há dúvidas de que essa opção expressa também o
prestígio do Brasil no atual cenário mundial. Por outro lado, o FUM é
um encontro muito limitado do ponto de vista da participação popular.
Poucos movimentos sociais conseguiram inscrever alguma atividade no
FUM, e a inscrição de participantes não prevê, por exemplo, inscrições
coletivas de movimentos sociais. Um stand de 9m custa 900 dólares. A
realização do Fórum Urbano Mundial no Brasil, por isso, não significa
necessariamente um compromisso da ONU com a construção de cidades mais
democráticas e igualitárias.
Como surge a necessidade de se realizar um Fórum Social Urbano em paralelo ao Fórum Urbano Mundial?
No
princípio, a ideia dos movimentos sociais, ONGs e do pessoal das
universidades era fazer uma manifestação e alguns debates durante o
FUM. Quando começamos a organização, e a coisa foi crescendo, decidimos
fazer tudo em um mesmo local, no espaço da Ação da Cidadania. Aí veio o
nome Fórum Social Urbano e cada vez mais pessoas e entidades querendo
participar. Hoje, acredito que essa vai ser uma experiência fundamental
para a luta urbana no Rio, no Brasil e mesmo internacionalmente.
Mas,
não podemos deixar de dizer que essa articulação toda começou por
conta da falta de canais de participação no Fórum oficial. Os
movimentos e grupos universitários que tentaram inscrever atividades
não tinham respostas, o espaço para atividades no FUM é muito reduzido,
as mesas de debate contam com pouco tempo etc. Essa situação reforçou a
necessidade da organização do Fórum Social Urbano, que diferente do
oficial, se propõe a ser um evento dos movimentos sociais, que reflita
as lutas e conflitos urbanos, e não um evento de negócios.
O Rio de Janeiro é uma cidade com grande concentração de favelas. Como
você entende esse fenômeno? Qual a relação das favelas com a
desigualdade social?
Sem
dúvidas as favelas expressam a desigualdade social no Rio de Janeiro.
Porém, elas são parte de uma forma própria de desigualdade: as
desigualdades urbanas. Elas expressam um modelo de desenvolvimento
urbano que concentrou os ricos em poucas partes da cidade, entre as
quais o Centro, a Zona Sul e mais recentemente a Barra da Tijuca. E com
os ricos, concentrou também as oportunidades de trabalho nessas áreas.
Mas, não se pode pensar nesse fenômeno sem refletirmos sobre a falta
de políticas habitacionais no Brasil.
As
políticas habitacionais no Brasil têm sua história marcada por
ausências de programas e por políticas que beneficiaram principalmente
os ricos e as classes médias. Foi assim com o BNH na época da ditadura,
e está sendo assim hoje também com os programas habitacionais do
Governo Lula. Veja, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida. Mesmo com os
subsídios que o Governo Federal se disponibiliza a pagar para as
famílias com renda de até três salários mínimos, pouco se está produzindo
de habitação para essa faixa salarial. Para que isso funcionasse bem,
seria necessário que os governos (em suas 3 esferas) disponibilizassem
terrenos públicos em áreas com infraestrutura de saneamento, transporte
etc para que fossem produzidas moradias para os trabalhadores pobres.
Porém, esses terrenos, mais valiosos, os governos preferem vender. O
melhor exemplo é a própria Zona Portuária (onde ocorrerão o FUM e o
FSU). Lá, todos os terrenos serão negociados para especulação
imobiliária, através dos CEPACS. Os terrenos do Metrô são outro caso
desses. Se, todos os terrenos em áreas com infraestrutura são vendidos
para o mercado (leia-se: grandes empresas imobiliárias), nunca teremos
produção de moradias populares em quantidade e qualidade suficiente.
O problema de infraestrutura nessas favelas é claro. E a relação do
estado com a população desses locais é, geralmente, de conflito de
interesses – vide remoções e construção de muros. Essa é a melhor
maneira de se resolver o problema da urbanização?
Não.
A melhor maneira de resolver o problema da habitação é com política
habitacional para os trabalhadores de baixa renda. Ninguém mora em área
risco de desabamentos etc por vontade. É sempre por necessidade. Não
adianta botar muro, tem que dar casa. Agora,
o problema da urbanização é maior que isso. Precisamos de investimentos
gigantescos em saneamento e transportes de massa. Sem isso, os
problemas continuarão.
Qual é a expectativa do FSU com relação aos planos para os megaeventos que ocorrerão na cidade nos próximos anos?
Bom,
essa é uma discussão que vai acontecer no Fórum. A quarta-feira, dia 24 de março, terá
como eixo principal de debates os mega-eventos. Mas, posso adiantar que
esses mega-eventos seguem uma lógica de planejamento que vê as cidades
quase como empresas em competição. E, nesses casos, os mega-eventos são
vistos como oportunidades para “vender” a cidade, para atrair
investimentos (atrair o capital, especialmente o capital estrangeiro).
A discussão então é: queremos ser uma cidade atrativa pra quem? Sabemos
que o atrativo para o capital é a possibilidade de grandes lucros e
poucos riscos. Já para os trabalhadores, o atrativo é uma boa moradia,
transportes públicos de qualidade, saúde, educação etc. Então, qual
deve ser a prioridade pra nossa cidade? Além disso tudo, os projetos
para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas preveem muitas remoções,
despejos etc.
Como você vê o futuro das favelas (a médio e longo prazos) em países como o Brasil?
Vejo
um futuro de muitos conflitos e lutas. Os países como o Brasil
(grandes, mas periféricos) tendem a ter um forte crescimento econômico
nos próximos anos. Com isso, temas como habitação e transportes devem
figurar nas pautas de lutas dos movimentos sociais e sindicais, assim
como nas agendas dos governos. A existência desses debates fortalece os
movimentos que lutam por uma outra cidade, mais justa e igualitária.
As
favelas cariocas, porém, para serem mais organizadas e influentes na
política urbana, precisam superar os problemas da violência. É difícil
ser organizado e atuante em espaços comandados pelo tráfico, por
milícias ou pela nossa polícia, que desrespeita tanto os direitos
humanos mais básicos. Será preciso superar também alguns preconceitos
sobre as favelas, preconceitos que existem, algumas vezes, mesmo entre
militantes de esquerda.
Mas,
o que posso assegurar é que um futuro melhor para os moradores de
favelas depende da luta e organização desses moradores. E depende
também deles conseguirem mostrar para o conjunto da classe trabalhadora
que essa deve ser uma luta de toda a classe. Só assim terão força para
mudar nossa cidade.
A entrevista está publicada em www.observatoriodefavelas.org.br
Núcleo
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