Por NPC
Deivison Fiúza: "Uma das minhas grandes críticas aos movimentos sociais é não modernizarem a sua comunicação"
Por Gabriela Moncau (Caros Amigos) e Sheila Jacob
No dia Internacional da Mulher, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado de Sergipe (Sintese) promoveu o lançamento do filme Carregadoras de Sonhos. O longa foca na vida de quatro professoras sergipanas, que precisam enfrentar grandes dificuldades em seu dia-a-dia para conseguirem exercer a sua profissão. O filme foi dirigido por Deivison Fiúza, jornalista baiano de 30 anos que estreou na área do cinema com o documentário Casa de Anjo. Em entrevista antes da exibição, Fiúza explicou como foi o processo de filmagem, desde a escolha das protagonistas até o momento das gravações, e expôs a constante preocupação em melhorar a linguagem da esquerda. “Eu acho que os movimentos sociais falam muito para si. A gente precisa se comunicar com a sociedade, e essa sociedade não tem contato com as idéias da esquerda pela forma como elas são transmitidas. O que a gente precisa é renovar a linguagem”, afirmou. Confira a entrevista.
Divulgação SINTESE
Fiúza, durante as filmagens de Carregadoras de Sonhos
Sabemos que a ideia do filme é abordar o cotidiano de professoras da rede pública, e mostrar as dificuldades por que esses trabalhadores passam diariamente. Como você, enquanto diretor, pensou em fazer esse longa para ampliar a discussão sobre certas questões, que muitas vezes já são discutidas nos Sindicatos, mas ficam de certa maneira restritas? Deivison Fiúza: Quando o pessoal do Sintese me convidou para fazer o filme, eu perguntei se queriam exibir só para alguns professores, ou se pretendiam ampliar para a sociedade. Eles responderam que o objetivo é comunicar não somente com os professores e os filiados, mas sim com a sociedade como um todo. Sabemos que essa sociedade está acostumada com filmes e até mesmo telenovelas com qualidade técnica cada dia melhor. Então a produção do Sindicato tinha que chegar perto disso: aliar tecnologia, ou seja, imagens de alta qualidade e bom som, e ao mesmo tempo ter ali um atrativo para os espectadores. O que normalmente se espera de filmes como esse? Muita denúncia, os diretores do Sindicato falando... Ou seja: um filme panfletário, que não se comunica com todo mundo. Essa é uma das minhas grandes críticas aos movimentos sociais: não modernizam a linguagem, não modernizam a forma de comunicação. O Sindicato então entendeu essas questões, e resolver arcar com os custos.
Como foi então o processo de filmagem? Como vocês chegaram às professoras? Fiúza: O filme foi roteirizado, dirigido e montado como se fosse de ficção, o que chamamos de Docudrama. Para chegar às personagens, eu sugeri ao Sindicato que fosse feita uma grande pesquisa, com no mínimo mil professoras, porque precisávamos encontrar histórias que pudessem atrair a atenção do público. Para fazer essa pesquisa, distribuímos questionários durante o 12° Congresso Estadual dos Trabalhadores em Educação, em 2008. Com os formulários, procurávamos saber a distância percorrida pela trabalhadora entre o trabalho e a casa; qual a carga horária; se tinham filhos, e com quem eles ficavam; quantas vezes se alimentavam durante o dia, e do que se alimentavam. Feito isso, pré-selecionei 16 professoras, e depois fiz o contato pessoal com elas, para ver quem tinha expressão para ser filmada. Daí foram escolhidas as quatro. Elas abriram as próprias casas para a gente fazer o trabalho. Chegávamos às três horas da madrugada, desarmávamos tudo para montar a luz, os equipamentos, o cenário... Passei um dia conversando com elas, peguei todo o material, levei para Salvador e me debrucei sobre ele. Então, a estrutura do filme é real: as histórias, as locações, as personagens são todas reais, mas o procedimento adotado foi de cinema de ficção. Eu sabia que, apesar de tratar da realidade, precisava usar elementos da narrativa ficcional, dramatizar o máximo a rotina delas. Essa é uma forma de estabelecer comunicação com o público, já acostumado, como eu disse antes, com uma certa linguagem. É por isso que esse documentário, produzido por um Sindicato, surpreende. Muitos perguntam como eu consegui dirigir mulheres que não eram atrizes. O meu conselho dado a elas foi o seguinte: “faça hoje como você fez ontem e como fará amanhã. Do mesmo jeito”. O ator, quando faz um filme, tem que fingir que aquela é a sua vida, tem que sentir como se estivesse vivendo aquilo. Já a personagem real não: tudo aquilo já existe. Então o trabalho foi praticamente a repetição do dia-a-dia delas.
Como foi a participação do Sindicato no filme? Fiúza: Uma coisa bem interessante foi a minha relação com o Sindicato. Eles me chamaram para fazer o filme e passaram tudo para mim. Eu pesquisei, fiz o roteiro, dirigi, montei, pus trilha, fiz tudo. O Sindicato só depois viu o filme pronto, uma semana antes do lançamento, foi uma aposta mesmo. Achei muito interessante a autonomia e a liberdade que me foi dada para a produção. No filme não existem as palavras “sindicato”, “assembleia” etc. Apesar de as filmagens terem ocorrido em Sergipe, esse longa poderia ter sido feito em qualquer outro local do Brasil, pois trata não apenas da educação pública no Estado, mas sim no país. Por isso tinha que ser universal. Eu pensei: será que o que move o professor aqui no Nordeste não é o mesmo nos outros Estados, não é o mesmo que ocorre na África? Que energia é essa que motiva esses professores a passarem pelo que passam para chegarem à sala de aula? Foi isso que buscamos em Carregadoras de Sonhos: tentar compreender o interior delas, o que move essas mulheres. E é isso que prende o público: porque todo mundo enfrenta dificuldades para chegar a algum lugar, e esse tema da educação é bastante rico.
Como foi escolhida a equipe? Fiúza: Nós contratamos uma produtora de Aracaju, a WG Produções. Eu fiz questão de trabalhar com equipamento e pessoas sergipanos; só eu venho de fora, sou baiano. Até a música foi feita por alguém daqui: o Milton Goulart, que mora no Sergipe, apesar de não ter nascido no Estado.
Essa confiança do Sindicato tem um pouco a ver com a sua relação com os movimentos populares. Fale um pouco sobre a sua trajetória... Fiúza: Eu gosto de trabalhar com os movimentos sociais, e acho que eles falam muito para si. A gente precisa se comunicar com a sociedade, e essa sociedade não tem contato com as ideias da esquerda pela forma como elas são transmitidas. O que a gente precisa é renovar a linguagem. Minha formação é em jornalismo. Meu filme Casa de Anjo é um projeto da faculdade, e acabou ganhando uma repercussão bacana. Ele conta a história de duas crianças que nasceram e vivem nas ruas de Salvador. Nesse curta eu procurei entender o que aconteceu na vida dessas crianças até elas chegarem às ruas. O que as levou para lá, a viverem naquelas condições, a se alimentarem do lixo? E isso me levou à história dos pais. Entendendo o passado dos familiares, a gente compreendia o presente das crianças. Acredito que o filme teve essa repercussão toda porque eu sou absolutamente freiriano; tenho uma formação na pedagogia, e me tornar diretor foi uma forma para expressar essa questão da educação. Eu só quis buscar um meio de retratar tudo isso.
E como o Sintese chegou até você? Fiúza: Eu estava no Rio, em um evento do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) há dois anos, e meu filme Casa de Anjo foi exibido lá. Foi aí que o Sintese me conheceu e me chamou para fazer o filme. Hoje o Sindicato reconhece que o produto final foi muito além. É muito diferente do que era a ideia inicial, algo mais simples, e a gente melhorou isso com algumas estratégias de ficção, como eu falei antes. O que me ajudou muito com a pesquisa foi o fato de eu trabalhar há cinco anos como assessor do Sindicato dos Professores da Rede Particular do Estado da Bahia. Então eu vivo o ambiente da sala de aula indiretamente. O contato direto com os Sinpros me deu um conhecimento melhor da educação. Isso me ajudou a entender melhor o tema que eu estava trabalhando, porque acho que, antes de fazer um filme, o diretor deve saber e muito do que vai tratar. Além de trabalhar nos Sindicatos, eu estudei mais sobre os temas, pesquisando em páginas eletrônicas como Ação Educativa e revistas como a Fórum, Caros Amigos e Carta Capital, que sempre abordam temáticas da educação.
E a distribuição? Fiúza: Queremos levar o filme para as Universidades, espaços onde os professores são formados. Nossa idéia é mostrar a realidade nos locais em que a teoria é construída e discutida. Por isso já está quase certo o lançamento do filme na Unicamp, USP, UFRJ, e em Brasília já está articulado com o MEC. Também vamos legendar o filme em inglês, francês e espanhol para inscrevê-lo em festivais, que hoje contando os nacionais e internacionais chegam a uma média de 60. Depois o grande sonho é esse filme estar nos cinemas, e aí de fato, pela primeira vez no Brasil, um Sindicato vai produzir um material que irá chegar à sociedade, o que é extremamente necessário. Porque se os professores fazem greve, e os pais dos alunos não entendem o porquê, o professor tem um inimigo. Já se a sociedade compreender as suas causas e por que luta, ela vai é apoiar os movimentos e suas manifestações. Esse é o nosso raciocínio.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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