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Sindicato de Professores do Sergipe lança filme que denuncia o descaso com a educação pública no país
Por Sheila Jacob
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado de Sergipe (Sintese) preparou uma grande festa para o lançamento do filme Carregadoras de Sonho, que lotou o teatro Tobias Barreto. O longa foi dirigido pelo cineasta baiano Deivison Fiuza, a convite do Sindicato, e apresenta um retrato cruel da realidade da educação pública no país. O NPC esteve presente para prestigiar a exibição, além dos jornalistas Alípio Freire, do jornal Brasil de Fato; José Arbex Jr, e Gabriela Moncau, da revista Caros Amigos; e Renato Rovai, da Revista Fórum. Além deles, foram convidados os professores André Martins, da Universidade Federal de Juiz de Fora; as professoras Virgínia Fontes, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz), Regina Leite Garcia, da Universidade Federal Fluminense, e Ana Aragão, da Unicamp.
Como explicou Deivison Fiuza, em entrevista antes da exibição, uma das principais preocupações foi usar uma linguagem acessível à grande parte da sociedade para ampliar o debate sobre um tema muito importante, o que muitas vezes os movimentos sociais não fazem. Para isso, foi escolhido unir ficção e realidade, produzindo o que se chama docudrama.
O filme foca na vida de Rose, Marta, Maraísa e Edielma, verdadeiras heroínas que entendem a beleza de sua profissão e o compromisso que têm como trabalhadoras da educação, mas não deixam de exigir condições melhores de trabalho e investimento público de qualidade nas escolas. “Isso é uma consequência do descaso público em relação à educação. É preciso parar de pensar na educação como um sacerdócio. Temos que ter boa estrutura para trabalhar”, defendeu Marta em depoimento.
A plateia ficou bastante emocionada ao ver os diversos obstáculos enfrentados diariamente pelas protagonistas para conseguirem exercer sua profissão. Dentre eles estão retratados os baixos salários e o excesso de trabalho; as grandes distâncias a serem percorridas; a falta de tempo para as refeições; a precariedade da estrutura física das escolas e ausência de materiais escolares; a falta de transporte público de qualidade; o acúmulo de funções; e a negligência de órgãos públicos que deveriam proteger as crianças e garantir boas condições emocionais. “Infelizmente aqui é assim: tem muita criança, mas pouca infância”, analisa Rose, abalada com as histórias de vida de seus alunos.
Escolas públicas de Sergipe compõem o triste retrato da educação no Estado Apesar de o filme Carregadoras de Sonho tratar de histórias individuais, as quatro professoras protagonistas representam milhares de trabalhadores e trabalhadoras da educação espalhados pelo país. Todos reféns de uma mesma realidade: escolas públicas abandonadas e péssimas condições de trabalho e de estrutura, que têm que superar diariamente. O quadro atual da educação brasileira não é nada animador: mostra que essa área, essencial à formação de qualquer pessoa, é exatamente uma das que mais sofrem as consequências de uma gestão pública não comprometida inteiramente com a sociedade.
O Estado do Sergipe é apenas mais um nesse caldeirão de sucateamentos e falta de compromissos. A Escola Estadual Olavo Bilac, no bairro Santos Dumont, de Aracaju, por exemplo, é uma mostra do descaso com o ensino, espelhando em muitas situações o que é denunciado pelo filme. A instituição possui cerca de 1400 alunos, distribuídos em 15 salas durante os turnos da manhã, tarde e noite. Apenas uma funcionária é encarregada pelos serviços de limpeza, e não consegue dar conta de todo o volume de trabalho. Resultado: condições precárias de higiene que, por serem focos de doença, oferecem riscos de saúde a professores(as) e alunos(as), além de prejudicar as atividades de ensino e aprendizagem por causa do mau cheiro.
Uma rápida visita à escola mostrou cenas tristes: banheiros impossíveis de serem utilizados; copos sujos destinados à merenda escolar; falta de água na escola em alguns dias, nos quais as aulas têm que ser suspensas mais cedo; ausência de ventiladores, o que torna impraticável o rendimento dos alunos devido ao calor sergipano. Em dias de chuva, os alunos assistem às aulas com guarda-chuva devido à falta de telhas em algumas salas; em outras, as aulas são suspensas por causa de alagamento.
Para a professora Kátia Valmont, toda essa situação é fruto da ausência do Estado, lembrando que desde 2006 a Secretaria de Educação promete uma reforma no prédio. O diretor da escola chegou a propor um mutirão de faxina dos banheiros, mas as professoras entendem que tal responsabilidade não cabe a elas. “O necessário seria a ampliação de verbas para poder contratar mais profissionais para a limpeza da escola”, diz a professora. O caso da Escola Olavo Bilac será denunciado ao Ministério Público e à Vigilância Sanitária, de acordo com Roberto Santos, diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Sergipe (Sintese).
Em Nossa Senhora do Socorro, escola funciona em casa improvisada Saindo da capital e indo para o município próximo chamado Nossa Senhora do Socorro, as precariedades só aumentam. Enquanto a Prefeitura não amplia a Escola Municipal Barquinho Amarelo, voltada ao Maternal e Jardim de Infância, uma casa próxima foi alugada para servir de anexo improvisado. O espaço, entretanto, não é suficiente para todos. As quatro salas de aula são visivelmente pequenas para o número de crianças que precisam comportar –mais ou menos 25 em cada turma. As próprias professoras se encarregaram de comprar ventiladores para tentar minimizar o calor.
Uma delas, Geize da Paixão, que tem uma turma de 27 crianças de cerca de quatro anos, disse que há dias em que não consegue fazer todas as atividades que havia programado. “Não posso terminar o programa que eu preparei porque o calor não deixa. Tem dias que eu fico apenas abanando as crianças. Nem dá para cantar com eles, porque agita mais e aumenta a sensação de calor. Eles acabam dormindo. A idade já é difícil, e as condições só pioram esse quadro”, desabafou Geize.
Já a professora Simone Gama passa por uma situação ainda mais complicada. Um buraco separa a sala em que trabalha de outra, tendo que concorrer com o barulho das duas turmas, além da voz da outra professora. O quadro negro não funciona, e serve apenas para suporte das folhas brancas nas quais precisa escrever com caneta pilot para poder ensinar as vogais às crianças.
Sindicato investe na conscientização dos professores Como esclarece Roberto Santos, diretor de comunicação do Sintese, pacotes educacionais comprados da iniciativa privada são a realidade do Estado, que tem à frente o governador Marcelo Deda (PT/SE). Por causa disso, a política neoliberal é forte nas escolas estaduais, e a tendência é ser refletida nos municípios. Um desses pacotes é o “Se Liga e Acelera”, promovido pela Fundação Ayrton Senna – que consiste em um processo de alfabetização e adiantamento das séries escolares, o que minimiza o problema em números, mas precariza mais ainda a qualidade da educação.
Outro projeto complicado são os Centros Experimentais de Ensino Médio, de responsabilidade da Fundação Phillips para a América Latina. “Nesse modelo, o professor não tem estabilidade alguma. É a Fundação que escolhe o plano de curso, e a atuação dos professores é avaliada de acordo com a proposta da instituição. Esse é o neoliberalismo nu e cru na educação no nosso estado”, disse Santos.
A precarização do trabalho dos educadores é uma das principais consequências do descaso. O sindicalista contou que havia locais em que os professores recebiam o salário de R$ 20 por mês, pois não se reconheciam muitas vezes como trabalhadores, e muitas vezes assimilavam e reproduziam o discurso que caracteriza a profissão como um sacrifício. Como Santos explicou, essa situação tem mudado aos poucos com a chegada do Sindicato nos municípios – dos 75 do Estado, apenas Aracaju não é representado pelo Sintese, resultando em quase 26 mil professores filiados. O processo obrigatório de filiação permite estimular a conscientização dos trabalhadores, pois exige que cada interessado(a) passe por seis etapas de oficinas e discussão sobre os seguintes assuntos: financiamento em educação; avaliação; legislação educacional; currículo; negociação coletiva; e o próprio estatuto da entidade, para entender a proposta do Sindicato. “Essa é uma maneira de formar professores(as) para a luta, pois o debate político com eles(as) tem sido bastante qualificado”, concluiu Santos.
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