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Duelo ao Sol 2: FSM x Fórum Econômico de Davos diante da mídia das mídias

Por Antonio Lassance*
Agência Carta Maior


Neste segundo artigo da série de balanços sobre a visibilidade do FSM, comparado a Davos, se analisa o peso dos fóruns na internet e o déficit de atenção das agências internacionais. A boa notícia é que o FSM tem espaço muito mais generoso no meio de comunicação que mais cresce no mundo do que nos meios de comunicação tradicionais.

O Domínio Global da Internet

A internet é hoje o principal meio de comunicação mundial. Ela já engoliu uma grande fatia do espaço ocupado até agora pela TV, pelo rádio e pela mídia impressa, incorporando-as ou canibalizando-as. Em muitos países, como o Brasil, o tempo gasto diante dos computadores já supera o da TV. Mesmo nos casos em que isso ainda não acontece, é possível que a realidade já tenha sido modificada por completo no curso de cinco anos (para países do G-20, por exemplo). De todo modo, os veículos mais tradicionais já promovem a migração de seus conteúdos, inclusive seus acervos, para as plataformas online, onde têm mais chance de serem vistos e revistos pelo público. Está em curso uma “mudança sem retorno”, como disse o professor Venício Lima, em artigo publicado na Carta Maior.

Ao reunir e organizar todas as outras mídias sob o seu guarda-chuva, a internet torna-se critério cada vez mais relevante para a análise da visibilidade global de fenômenos sociais e de temas da agenda pública internacional. É o caso do Fórum Social Mundial (FSM) e do Fórum Econômico Mundial (WEF).

Bernardo Kucinski foi um dos primeiros a perceber que a rede vinha assumindo um papel decisivo na articulação de organizações e movimentos sociais. Para ele, o próprio FSM “certamente não teria existido sem a internet” (“Jornalismo na era virtual”, Fundação Perseu Abramo/Unesp, 2005, pág. 76).

A internet representa uma mudança de qualidade na relação entre as pessoas e os meios de comunicação. Mas o tamanho desta mudança merece análises mais específicas e a quantificação de seus fenômenos, de modo a termos parâmetros mais claros sobre essas coisas extraordinárias que estão acontecendo bem diante de nossos olhos.

Por exemplo, toda vez que um assunto é veiculado, ele aparece como notícia ou opinião. A dicotomia é meramente didática, pois, na maioria das vezes, ambas vêm misturadas. Mais do que qualquer outro meio, a internet exibe e mantém disponível uma imensa quantidade de informações que podem ser recuperadas pelos usuários, a qualquer momento. O acervo de informações que podem ser buscadas representa um indicador da importância dada a um tema por aqueles que produzem informações. De outro, a visibilidade de uma informação, rastreada por motores de busca, é dada pelas preferências do internauta quanto a temas e fontes de informação. Quanto mais prestigiada a fonte, mais ela é replicada e, portanto, encontrada. Mais facilmente poderá ser recuperada.

Há um grande número de questões cuja exposição tem picos de atenção e depressões, quando entra em estado vegetativo ou morre de inanição. O conjunto de informações disponíveis pode ser calculado por país de diferentes maneiras. A seleção oferecida pelos motores de busca, que as identifica conforme os domínios (“br” para Brasil, “it” para Itália, “uk” para o Reino Unido, e assim por diante) é apenas uma delas. O primeiro resultado nos oferece um número total (N) de páginas produzidas sobre todos os assuntos, em determinado período. O segundo resultado permite saber o volume total (n) do que um país produz para a rede.

Uma sintaxe apropriada, depurada de resultados que aparecem numa busca, mas que não se relacionam ao tema (se o motor “supõe” além do que se quer e peca por excesso), nos diz quantas vezes um assunto pontua e fica disponível para os usuários. Sabe-se que os motores de busca têm um defeito básico: eles não conseguem rastrear todas as páginas existentes. Todavia, este defeito é um indicador importante: não aparecem páginas que não tiveram um número razoável de acessos e não produziram links em outras páginas. Para os motores de busca, se os usuários não deram “bola” para aquela informação, ela é irrelevante. Ao invés de ser um problema, isso torna o critério do motor ainda mais precioso para uma pesquisa sobre visibilidade.


O peso dos Fóruns na Internet

Neste artigo, começamos com um cálculo de um indicador baseado no número de notícias sobre o FSM sobre o total de informações minimamente relevantes, de qualquer tipo (as de entretenimento e as de cunho pessoal, inclusive), produzidas num mesmo período (1/1/2010 a 1/2/2010), em vários países. Apelidamos esta taxa de informações para a internet de TI-2. A taxa brasileira para o FSM alcançou quase 1% de tudo o que se expôs na internet a partir do Brasil. Sua TI-2 para o WEF também foi elevada. O Brasil, portanto, foi um dos que mais discutiu os dois fóruns.

As taxas da Espanha e França foram mais de dez vezes menores, podendo ser arredondadas para 0,1%. Parece baixo, mas é três vezes maior do que a taxa de participação do rival, o WEF, em relação a tudo o que se produziu sobre outros temas nos EUA, UK e Austrália. A Itália, embora tenha produzido pouco em relação ao FSM, conseguiu um empate com em seu TI-2 do WEF.

De todo modo, o peso total da exibição de ambos os fóruns na internet foi baixo, só sendo relevante se comparados com questões mais específicas da política e da economia (como foi exemplificado, no artigo anterior, com o tema do acompanhamento da ONU aos programas nucleares). Os dados são coerentes com o que se percebe intuitivamente na internet: não há uma quantidade pequena de assuntos que concentram a atenção de todos, e sim muitos assuntos concentrando alguma ou pouca atenção de muitos. O interesse ocorre de maneira concentrada apenas em comunidades que se formam por afinidade de perfil, ou quando aparecem assuntos meteóricos (ou “virais”), espetaculares (como os escândalos de corrupção) ou catastróficos (tsunamis, terremotos, furacões, guerras).


Países..........TI-2 do FSM..........TI-2 do WEF
_______________________________________
Brasil..............0,96%..................0,25%
_______________________________________
Espanha.........0,09%..................0,12%
_______________________________________
França............0,08%..................0,11%
_______________________________________
México............0,04%..................0,17%
_______________________________________
Alemanha.......0,04%..................0,26%
_______________________________________
Argentina........0,03%.................0,04%
_______________________________________
Itália...............0,01%.................0,01%
_______________________________________
EUA, UK, Austrália.......0,00%.................0,03%
_______________________________________
Total...............0,01%.................0,04%
_______________________________________

Fonte: tabela e cálculos do autor com base em dados de pesquisa avançada do Google, com testes de consistência realizados no Altavista, Hotbot e AllTheWeb.

A mediana do FSM, que divide esta distribuição de países ao meio, é da ordem de 0,4%, enquanto a do WEF está próxima de 0,12%. Portanto, a visibilidade do WEF é cerca de 3 vezes maior do que a do FSM, comparada com o conjunto de assuntos expostos na internet em cada país. O dado é consistente com o resultado calculado no artigo anterior, que mostrava o WEF 3,45 vezes mais exposto, se comparado ao FSM, em números absolutos de exibições.

O DÉFICIT DE ATENÇÃO DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIAS

FSM
________________________________________
BBC..........Reuters.....CNN........AFP..........Total
________________________________________
5................ 17.......... 0 ............ 2 .............. 24
________________________________________

WEF
_________________________________________
BBC..........Reuters....CNN........AFP...........Total
_________________________________________
909..........258227.... 269........ 70 ...........259475
_________________________________________

Fonte: tabelas do autor com base em dados de busca avançada do Google, com testes de consistência realizados nos motores de busca das próprias agências. A sintaxe de pesquisa incluiu o uso da denominação do Fórum em línguas: Português, Espanhol, Inglês, Francês, Italiano e Alemão, tanto no Google quanto nos motores de busca das agências.

A cobertura das agências internacionais de notícias foi francamente favorável ao WEF, em detrimento do FSM. Houve apenas 24 matérias para o FSM e 259.475 para o WEF, o que corresponde a 10.811 vezes mais cobertura para Davos.

O hiato entre a exibição pela internet e a feita pelas agências pode ser chamado de déficit de atenção da mídia internacional. No caso, um brutal e injustificável déficit.

A transformação desta diferença em um indicador pode ser dada, de forma simples, pela diferença das diferenças, isto é, a diferença entre a exibição do FSM e WEF na internet (D1) e a diferença entre o FSM e o WEF na cobertura das agências (D2). O déficit de atenção será um número entre zero e um, sendo que, quanto mais próximo de zero, menor o déficit (a diferença); quanto mais próximo de um, maior o déficit de atenção. Em termos algébricos, Df = 1- (D1 / D2).

O critério considera não a importância que atribuímos a cada fórum, mas, objetivamente, o alcance de suas repercussões no principal meio de comunicação dos países onde estão localizadas as próprias sedes dessas agências.

A diferença é puxada sobretudo pela agência Reuters (15 mil vezes mais matérias sobre o WEF), mas é grande também na BBC (quase 182 vezes mais, em favor do WEF). A menor diferença vem da France-Press, 35 vezes, mesmo assim elevada, se lembrarmos que o pior dado do FSM na internet, nos países de língua inglesa, é de uma exibição para cada 25 do WEF. Até o New York Times teve melhor cobertura do FSM do que a Reuters e do que a BBC: 8 matérias sobre o FSM, contra 723 do WEF (90,37 vezes mais).

Ainda mais incrível: o Wall Street Journal fez 2 matérias sobre o FSM, contra 823 para o WEF (411,5 vezes mais) – bem mais que a Reuters, que em tese deveria ter um foco mais amplo do que apenas em negócios e finanças. Afinal, sua assinatura diz “negócios e finanças, as últimas dos Estados Unidos e notícias internacionais” (“business and finance, breaking US & international news”).

O dado, por si só, é significativo do poder de fogo da Reuters e sua gigantesca capacidade de produzir notícias, traduzi-las e publicá-las em inúmeras línguas, seguida da BBC.

O déficit calculado é da ordem de 0,99, ou seja, extremamente elevado.
Isso demonstra que a preferência das agências internacionais é absurdamente descalibrada mesmo em relação ao seu público preferencial de clientes de notícias. Demonstra também que as agências não apenas dão pouca atenção ao FSM. Menosprezam-no.

O FSM é deixado muito aquém do peso que já conquistou na internet, enquanto o WEF é inflado muito além da real importância a ele atribuída pelo público que acessa a rede.

Conclusões do 2° duelo:

O cálculo do déficit de atenção ao FSM e dos excessos quanto ao WEF suscitam, antes de qualquer conclusão, a hipótese de que parte da supremacia na visibilidade de Davos se deve justamente à sua superexposição pelas agências de notícias. Caracteriza-se um verdadeiro bombardeio pró-WEF.

Duas saídas podem ser cogitadas para enfrentar o problema. Uma seria a de atrair a atenção das agências, pelo menos de alguma delas. Entretanto, todo esforço pode no máximo aumentar um pouco a exibição do FSM e diminuir alguns milímetros da imensa distância entre as coberturas dos dois fóruns.

A segunda, igualmente difícil, é multiplicar a capacidade de comunicação do FSM, tanto robustecendo as agências e grupos de comunicação a ele já associados quanto desenvolvendo projetos de comunicação com grupos de mídia alternativa de diversos países. Jovens estudantes, profissionais de comunicação, jornalistas independentes (a começar pelos que foram desempregados pela crise, na Europa e EUA) e tantos outros podem ser trazidos para atuar junto ao FSM, antes, durante e depois.

O fato é que a batalha das ideias tem na comunicação um de seus campos mais importantes. Por enquanto, a situação é de um verdadeiro massacre, dado o poderio das agências internacionais de notícias. Mal comparando, por enquanto é uma batalha de aviões bombardeiros contra estilingues.

A boa notícia é que iniciativas como o FSM têm espaço muito mais generoso no meio de comunicação que mais cresce no mundo do que tinham com os meios de comunicação tradicionais, dos quais as agências são perfeitas representantes. O que ainda não se sabe é por quanto tempo essa janela de novas possibilidades continuará aberta.

* Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), professor de Ciência Política e assessor da Presidência da República. É um dos autores do livro “Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento”.


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