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Entrevistas
Os silenciados e a comunicação na América Latina. Entrevista com María Cristina Mata

Publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos
www.ihuonline.unisinos.br/


A professora argentina María Cristina Mata esteve em Porto Alegre durante o Mutirão da Comunicação América Latina e Caribe, que ocorreu entre os dias 3 e 7 de fevereiro. No encontro ela falou sobre o tema Comunicação dos silenciados e processos de resistência. Em entrevista, María Cristina definiu quem são os silenciados latino-americanos e analisou as formas com que potencializam suas vozes para romperem
com os meios massivos de comunicação e serem ouvidos. “É preciso lembrar que antes de buscar um meio de comunicação, esses grupos se juntaram, se reuniram e compartilharam suas necessidades, seus interesses, sua vontade de transformação e logo puderam se pronunciar publicamente”, refletiu. Em 1968, María Cristina Mata graduou-se em Literaturas Modernas pela Universidad Nacional de Córdoba, onde hoje é coordenadora do Centro de Estudios Avanzados en Comunicación. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem são os silenciados na América Latina?
María Cristina Mata –
Entendo o silêncio como a impossibilidade que muitos setores têm de expressar-se publicamente, pois estão numa situação de exclusão e marginalidade social muito forte. Há os que não têm acesso à educação básica; os que não são reconhecidos como pessoas com capacidade para falar publicamente; e, ainda, aqueles que são privados do direito ao trabalho e a uma qualidade de vida mínima. Obviamente, esses setores dificilmente conseguem se expressar publicamente. Além disso, muitas vezes são silenciados por confrontarem o sistema hegemônico, por pensarem de maneira distinta ou adotarem modos de vida que não são reconhecidos como legítimos pelo sistema dominante.
Em alguns países, quem opta por identidades sexuais distintas, não pode expressar-se publicamente; em outros, há comunidades de pensamento que, por suas ideias, são excluídas do sistema público também. Ou seja, os tipos de exclusões (e, portanto, de silenciamentos) são muito variados. Desta forma, não podemos dizer que só os mais pobres são os excluídos.


Que tipo de meios de comunicação os silenciados encontraram para resistir?
María Cristina:
Creio que, historicamente, esses setores foram encontrando modos de expressão. Os trabalhadores, por exemplo, encontraram, em seus sindicatos, um modo de se expressaram. As mulheres encontraram isto no movimento feminista. Os camponeses e as pessoas que não têm terra encontraram um modo de expressão nos movimentos sem-terra e campesino. Eu penso que não podemos pensar só em que meios de comunicação os silenciados encontraram para se exprimir. Suas palavras, às vezes, são pronunciadas somente na ação direta, numa manifestação, mas, muitas outras vezes, e para ser mais forte, essas palavras são ditas nos meios ou ainda através de pichações em muros e até em transmissões via satélite. Os meios que se tem utilizado para romper esse silêncio são variados, às vezes, tradicionais, mas, hoje em dia, também através de tecnologias avançadas que permitem potencializar suas vozes e, portanto, suas lutas.


De que maneira a Internet contribui para essas formas alternativas de comunicação?
María Cristina:
A Internet tem uma capacidade grande de difundir ideias e opiniões que, às vezes, não têm espaço nos meios massivos. Isso porque, como todos sabemos, a Internet não tem um sistema de controle como têm os meios massivos. Então, ela é uma rede que permite que se difundam opiniões e ideias alternativas, que se debatam temas que são vistos com maus olhos pelos meios massivos, nos permitindo conhecer outros problemas. No entanto, também temos que pensar que a Internet é um meio que chega apenas a uma pequena quantidade de pessoas. São poucas as pessoas que têm acesso e que a utilizam. Então, ela é útil para difundir, para debater, para colocar temas em alguns âmbitos, mas também tem suas limitações no que diz respeito à luta dos silenciados para se comunicarem, para que possam ser ouvidos.


Para a senhora, que pesquisa os processos comunicacionais na América Latina, como as teorias da comunicação abrangem essa utilização da comunicação como uma forma de resistência?
María Cristina:
Eu prefiro falar nos processos de luta. Os processos de resistência têm uma conotação defensiva e me parece que, na América Latina, essa palavra silenciada teve uma conquista. Então, pensando assim, como as teorias de comunicação contribuíram para esse pensamento? Às vezes, não ajudaram muito, houve perspectivas teóricas que mostraram que as maiorias privadas pelos meios eram maiorias sem voz ou eram receptores passivos dos meios de comunicação de massa. Essas teorias não ajudaram muito porque levaram a crer que a voz silenciada só se podia fazer ouvir através dos meios marginais, artesanais, alternativos, que não tinham nada a ver com o sistema massivo.
No entanto, há perspectivas teóricas que têm reconhecido que os dominados têm atividades, que não são passivos receptores, que todos os indíviduos podem enfrentar o discurso hegemônico, e que temos capacidade de recebê-lo produzindo um sentido, que, às vezes, é um sentido reprodutor da hegemonia, mas pode ser também um sentido que confronta a hegemonia. Essas teorias que não tratam da cultura popular, por exemplo, têm também elementos capazes de identificar e de contribuir para as transformações da ordem social. As teorias, creio, ajudaram-nos a pensar em caminhos para romper o silêncio existente.

De que forma este mutirão da comunicação contribuiu para o debate acerca da comunicação para o excluídos e marginalizados na sociedade?
María Cristina: 
Acredito que estes eventos ajudam a pensar melhor, porque há o intercâmbio de ideias com outros comunidadores, com nossos colegas, com outras pessoas que estão na universidade ou com pessoas que estão em instituições de base. Essas trocas são enriquecedoras. Parece-me que uma das várias questões que se debateu nesse Mutirão é a seguinte reflexão: é impossivel falar hoje em cidadania em termos políticos e jurídicos sem pensar que há uma cidadania comunicativa pela qual devemos lutar. Essa é uma ideia que ficou marcada durante o Mutirão da Comunicação. Não se pode pensar na comunicação sem a política e nem na política sem a comunicação.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge