Entrevistas
Representante da Via Campesina critica presença militar dos EUA no Haiti
Por Eduardo Sales de Lima Radioagência NP - http://www.radioagencianp.com.br
No Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre (RS), representantes da Via Campesina Brasil, que vivem há cerca de um ano no Haiti, formalizaram um pedido ao presidente Lula de solidariedade internacional à população do país. Uma carta foi entregue para solicitar ao governo brasileiro a articulação de ações emergenciais, como ajuda no acesso à água, assistência agrícola e aos recursos humanos.
O integrante da Via Campesina, José Luis Patrola, revelou em entrevista à Radioagência NP estar descontente com o que chamou de oportunismo dos Estados Unidos. Segundo ele, ao enviar seus “marines ao Haiti”, o estadunidenses só “sabem fazer guerra” e “não atuar em casos de catástrofes”.
Patrola fala também sobre o papel da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), chefiada pelo Brasil naquele país. Para ele, o exército é apenas uma tropa de ocupação.
Confira a entrevista.
Você acredita que menos pessoas teriam morrido no desastre do Haiti, se a Minustah estivesse cumprindo seu papel?
José Luis Patrola: Existe um problema de ausência de infraestrutura básica que impossibilitou a ajuda imediata das vítimas. Bombeiros chegaram de outros países, inclusive do Brasil, três, quatro ou cinco dias depois do terremoto. Tem gente que morreu por causa de uma fratura no braço; estava debaixo dos escombros, não teve estrutura maquinária para tirar, a pessoa morreu por uma infecção generalizada. [Isso para concluir que] a Minustah nunca foi uma força de reconstrução do país, mas sim uma ocupação militar.
O que pode significar a presença dos militares dos Estados Unidos no Haiti? Isso pode afetar a capacidade organizacional dos haitianos na reconstrução de seu país?
JLP: O envio de marines [militares] para o Haiti de fato é uma vergonha, porque o que o marine sabe fazer? Guerra. Não foram treinados para atuar em caso de catástrofe ou de reconstrução nacional. O que o Haiti precisa agora é ajuda humanitária. Os EUA temem uma insurreição popular motivada pela fome, sede e falta de casa. Então, [a presença dos] marines comprova que o comando da força de ocupação no Haiti pertence aos EUA e não à ONU [Organização das Nações Unidas] ou ao Brasil. Os EUA controlaram o aeroporto, como é de conhecimento. Há um aproveitamento do terremoto para aumentar a presença militar no Haiti e o controle da região.
No Haiti, existe o problema do êxodo rural. Isso de certa forma inchou a capital do país, Porto Príncipe, e contribuiu para o número de mortes?
JLP: A quantidade de terras agricultáveis é limitada, 75% do país é formado por montanhas, 20% de terras planas e 5% de terras onduladas [um agricultor com seis a dez hectares arrendados já é considerado um grande produtor]. Há ausência de terras férteis. O meio rural sofre um problema das políticas neoliberais, [que contribuem para essa limitação]. O Haiti é o quarto maior importador de arroz dos EUA. Então, a abertura comercial está destruindo a agricultura haitiana, onde se encontra a maior parte da população (65%) e grande parte da economia daquele país. A cada ciclone que ocorre no Haiti, vem uma enorme doação de gêneros alimentícios coordenados pela agência do governo Usaid [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional]. A população vai criando o hábito de ter a necessidade desses alimentos, então os EUA passam a vender arroz. É por isso que o Haiti é o quarto maior importador de arroz dos EUA.
Agora, o terremoto causou um retorno forçado para o meio rural. Como isso pode agravar o caos humanitário no Haiti?
JLP: Estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostram que a fome do mundo, em grande parte, ocorre no meio rural. No Haiti, não será diferente. A tendência é de que aumente a pobreza rural. A primeira razão é pelo excesso de pessoas. A segunda é pela a precariedade na qual se encontra a agricultura. As pessoas até poderão se alimentar, mas o nível de pobreza, escolarização, roupa e acesso a qualquer bem imaginável vai ser impossível para essas pessoas.
Em sua opinião, quem deverá organizar a reconstrução?
JLP: Em que sentindo entra a solidariedade internacional? Acredito que o Haiti precisa de uma verdadeira força de reconstrução nacional. O país está em uma ilha e depende da cooperação internacional, necessita de uma coordenação articulada entre governo, apoio internacional e sociedade. O povo haitiano, de forma massiva, desaprova a ocupação militar estrangeira.
A tragédia poderá forçar a existência de uma reforma agrária no país?
JLP: Os movimentos sociais têm um papel forte nessa reconstrução. Terão que aplicar o conceito que falamos no Haiti, o de reforma agrária integral. Ou a gente, nesse momento de crise, de dificuldades, trabalha esse conceito de redistribuição de terras, assegurando as condições básicas de produção e comercialização dos agricultores como única maneira possível de resolvermos no Haiti, ou o problema da fome no país vai aumentar.
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