Por Claudia Santiago
Por Claudia Santiago
28.01.2010
Boaventura foi a grande estrela do debate “Como Construir uma Hegemonia”, parte do Seminário Dez Anos Depois: Desafios e Propostas Para um Outro Mundo Possível, durante o Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre. Foi aplaudido de pé. “Hoje, estamos fazendo a contra-hegemonia”, afirmou. “Não podemos pensar que o neoliberalismo esteja derrotado, mas que estamos fazendo uma nova hegemonia. Para Gramsci, o consenso deveria ser estabelecido pelo movimento operário. Este, hoje, partilha essa agenda com outras organizações, outros movimentos”.
O intelectual e ativista português afirmou que o capitalismo é insustentável. "Pertencemos à pequena porcentagem do mundo que se beneficia dessa injustiça. Estamos todos envolvidos nessa injustiça e na insustentabilidade ambiental, que vai afetar tanto Bangladesh como a Holanda, sabendo que a Holanda terá mais facilidade de se defender do que Bangladesh", afirma.
De acordo com o sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, a direita na América Latina aceita a democracia desde que esta não afete os seus interesses. Caso contrário, a democracia não serve. Concluem que a democracia é ingovernável e necessita de um controle repressivo e autoritário Então, a direita parte para a criminalização dos movimentos sociais.
Para Boaventura, é tão difícil imaginar o fim do capitalismo quanto imaginar que ele não tenha fim. Por isso, seria preciso aliar o sentimento de urgência e de mudança civilizacional, luta mais avançada que põe o capitalismo na agenda, com lutas mais defensivas como a luta contra a criminalização dos movimentos sociais.
Exemplificou sua fala com a emergência do paramilitarismo na Venezuela, na Colômbia, Equador, Bolívia, Chile. “A extrema direita neste continente não aceita perder e está a aterrorizar”. Contou o caso de um camponês colombiano que ouviu dos paramilitares a seguinte frase: temos o cadáver do teu filho. Se quiseres pode vir buscá-lo, mas só pode dizer gracias. E assim foi obrigado a fazer o camponês. “Se estas forças fazem isso, nada de triunfalismo’.
Didaticamente, Boaventura falou da necessidade de uma agenda para a esquerda mundial. É necessário passar da ditadura (paramilitarismo é ditadura) à democracia; do colonialismo à descolonização. “O colonialismo continua sob a forma de racismo”, disse. Do sexismo para a valorização dos movimentos de mulheres pelos direitos reprodutivos, por igualdade entre os sexos. E de passarmos do capitalismo para o socialismo do século XXI, segundo ele, “um momento de grande transição solidária”.
O pensamento de Boaventura Souza Santos
● Denunciar o comitê Nobel da Paz porque se transformou em um comitê de guerra ao qual só tem direito quem faz a guerra. Denunciar e dizer que não temos nada a ver com isso. Outra é propor para prêmio nobel da paz da esquerda o nome de François Houtart, sacerdote católico e pensador francês, um dos criadores do Fórum Social Mundial e presidente da Liga Internacional pela Libertação dos Povos. Houtar publicou mais de 40 livros sobre temas filosóficos, econômicos e sociais.
● Radicalização da democracia. A democracia representativa nunca poderá levar à emancipação social. Temos de cuidar para que o Banco Mundial não se aproprie dela para propor a privatização.
● Sair de Porto Alegre com idéia forte sobre a relação entre partidos e movimentos. O vínculo entre movimentos e partidos não deve se perder.
● Direitos humanos foram instrumentos da Guerra Fria, mas não são hipocrisia. Direitos humanos radicais, fundamentais, à terra, à dignidade e à vida digna.
● Democratizar o passado - luta contra o colonialismo, luta dos quilombolas, dos índios. O futuro não pode ser justo se o passado injusto continuar impune.
● Temos urgência em atuar contra a fome, a miséria e a mudança climática. Temos urgência porque pode ser que não haja longo prazo. E tem a luta contrahegeônica que leva tempo. Temos que atuar já e, ao mesmo tempo, construir a contra-hegemonia.
Preocupações com próxima década
Em sua fala de encerramento, ao responder aos participantes, Boaventura apresentou quatro grandes preocupações.
* “A derrota da esquerda no Chile por culpa de uma esquerda que não soube se comportar como tal”.
* “O imperialismo dos Estados Unidos voltou-se novamente para a América Latina. Eles não aceitam perder o controle sobre os recursos minerais que estão na América Latina. As bases militares dos Estados Unidos não estão na Colômbia por causa das Farc ou do narcotráfico. Estão lá para mostrar que a América Latina pode fazer inovações, mas que será difícil colocar em causa os interesses das multinacionais pelos recursos naturais. Estão em território indígena 85% da biodiversidade do mundo. A Colômbia pode se tornar o Israel da América Latina e ter um papel desestabilizador. A Venezuela pode ser o primeiro a ser atingido. Precisamos ficar atentos para esta luta defensiva. Ojo (Atenção), como dizem os espanhóis”.
* “Os governos progressistas não inovaram nas políticas sociais a não ser na transferência de renda. Apóio o bolsa-família brasileiro, um programa extraordinário, mas limitado. O mesmo tipo de programa está em curso no Equador e na Bolívia. A preocupação é que estas transferências não colocam em xeque o modelo econômico. Elas não colocam em movimento um novo modelo civilizacional. Este modelo atual e o imperialismo são uma combinação explosiva”.
* “Os Estados Unidos estão há muito tempo no Haiti. No momento estão querendo evitar que o Haiti se transforme numa Somália. Que ameaça os empobrecidos irmãos haitianos podem oferecer aos Estados Unidos? Nenhuma. Mas os EUA não admitem qualquer idéia de desenvolvimento autônomo. E por isso milhares de líderes e ativistas têm sido assassinados no Haiti em execuções extrajudiciais”.
Ao final, sintetizou sua exposição com as frases: "Temos de ter confiança, esperança e radicalismo, sem nos esquecermos da retaguarda. Lutemos pelo global sem nos esquecermos do local. O caixão está lá, se não o derrotarmos".