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Justiça Global lembra um ano da morte de Manoel Mattos
Publicado pela Justiça Global Em 29/01/10
Não era segredo pra ninguém. Nas pequenas cidades
da fronteira entre Pernambuco e Paraíba, todos sabiam que Manoel Mattos, o
advogado que desafiou os grupos de extermínio da região, estava marcado para
morrer. Junto com outros que ousaram denunciar as frequentes execuções
praticadas por pistoleiros e agentes públicos, Mattos por diversas vezes
procurou autoridades e organizações da sociedade civil para alertar: “se nada
for feito, eles vão me matar”. Não faltou aviso.
Em 2002, a Justiça Global e a Dignitatis
Assessoria Técnica Popular encaminharam à Organização dos Estados Americanos
(OEA) um pedido de medidas cautelares para a garantia da vida e da integridade
física de Manoel Mattos e de outras quatro pessoas. A intenção era chamar a
atenção do Estado brasileiro para as ameaças que vinham sofrendo e forçar não
apenas que lhes fosse assegurada a proteção policial, mas que se iniciasse um
trabalho eficaz de investigação a fim de desarticular os grupos de extermínio. A
OEA prontamente concedeu as medidas cautelares, mas de nada adiantou: a falta de
apuração e proteção possibilitou que, das cinco pessoas beneficiadas com as
cautelares, duas tenham sido mortas (o primeiro foi Luiz Tomé da Silva,
conhecido como “Lula”, um ex-pistoleiro que passou a colaborar com as
investigações da CPI dos Grupos de Extermínio da Câmara, em 2003).
No último dia 24, o assassinato do advogado Manoel
Bezerra de Mattos, natural de Itambé (PE), completou um ano. Quatro dias após o
crime, no dia 28 de janeiro de 2009, a Justiça Global e a Dignitatis solicitaram
a instauração de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), medida
judicial que transfere para a esfera federal a competência para investigar e
responsabilizar judicialmente. O pedido foi reforçado pelo Ministério da
Justiça, pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos de PE e pelos governadores
de Pernambuco e Paraíba.
A documentação encaminhada à Procuradoria Geral da
República (PGR) solicitava a federalização não apenas do assassinato de Manoel
Mattos, como também da ação dos grupos de extermino que na última década já
executaram mais de 200 pessoas na região. As organizações da sociedade civil
deixaram claro: se dependermos da atuação das polícias estaduais e da justiça
local, dificilmente se chegará aos mandantes do crime e aos líderes do grupo. E
isso, até hoje, não é segredo pra ninguém.
No entanto, apesar do parecer favorável da PGR e
da urgência para que o IDC seja instaurado, o pedido de federalização do caso
continua emperrado no Superior Tribunal de Justiça desde junho de 2009. No
estado da Paraíba, cinco pessoas chegaram a ser denunciadas pela morte de Manoel
Mattos, mas, apesar das provas colhidas, o processo ainda encontra-se em fase de
ouvir testemunhas.
Como era de se esperar, notícias dão conta que os
grupos de extermínio continuam articulados na zona limítrofe de PE e PB. Os
mesmos políticos, magistrados e delegados de polícia que Mattos denunciou – e
que foram citados nominalmente no relatório final da CPI dos grupos de
extermínio, em 2005 – continuam dominando o aparato estatal da região. Há apenas
duas semanas, a mãe de Manoel Mattos, Nair Ávila, que de forma corajosa tem
buscado justiça para seu filho, foi perseguida quando saía de uma audiência
judicial em Itambé.
O assassinato de Manoel Mattos é um triste retrato
de um Brasil que ainda é governado livremente pelo crime organizado. Apesar de
todos os avisos, de todas as denúncias, de todas as medidas, não conseguimos
evitar sua morte. Cabe às autoridades, agora, impedir que aqueles que mataram
Manoel Mattos tenham o terreno livre para continuarem a praticar seus
crimes.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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